segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os Descendentes

Os Descendentes (2011), de Alexander Payne, transporta-nos com grande facilidade para o mundo das peripécias de uma família não muito convencional. Apesar do grande drama envolvido na história que nos conta, tem um lado de humor que ao mesmo tempo é ternura e amor. Os descendentes são obviamente aqueles a quem passamos o testemunho, mas de que descendentes falamos, hoje? De que modo conseguiremos mantê-los próximos? O tema é bastante actual e consegue tornar-se divertido, com o realismo descomplicado e descontraído que o realizador imprime ao ambiente geral, mas sobretudo com os monólogos de um pai algo desajeitado que se questiona a si mesmo a cada passo. É preciso, portanto, referir o grande papel representado por George Clooney, aqui com um visual em tudo completamente diferente daquele a que nos tem habituado. Rivaliza certamente com Gary Oldman pelo seu George Smiley em A Toupeira, na corrida para o Óscar de Melhor Actor. Para mim, estas estatuetas constituem apenas uma referência, e penso que estão longe de premiar o que de melhor se faz por esse mundo fora, em termos de cinema. É assim que, quanto a esta questão, apesar do brilhante papel de Clooney, continuo a preferir a interpretação de Gary Oldman. Digo isto também porque tudo neste filme tem um certo gosto a Óscares. E talvez seja essa sua faceta a que menos apreciei: uma grande dose de óbvia manipulação das emoções do público, a par de alguns tiques bastante conservadores, disfarçados de grande modernidade. Não deixa de ser compreensível, pois o que era uma vez na América é certamente, hoje, mais do que nunca, uma sociedade que procura desesperadamente manter valores familiares, em busca de história, memória e tradição. Apesar de tudo acontecer no Hawaii... é algo profundamente americano. 
Claro que ver George Clooney descalço, com barba de três dias, e cabelo ora desgrenhado, ora algo empastado, não é sempre. Por outro lado, acho que eu até gostaria de viver no Hawaii, mas não aprecio nada camisas havaianas. E que colecção ele nos mostra! Vale a pena ver.


sábado, 28 de janeiro de 2012

ser

é mais à hora do meio que eu compreendo o cinismo
há um intermédio do dia e muito compreensível
que as minhas horas depois rompam pela janela
é o caso
despedacemos os ismos



quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

5 X 9 = 45 é pouco

Drawing Hands, M. C. Escher

Há temas importantes aos quais sou obviamente extremamente sensível. Um deles é o da pedagogia. A que se aprende nos livros técnicos que têm estado em moda pode ser útil, mas as suas limitações são gritantes. Por outro lado, renascem como fénix's à espera de uma aberta por entre temporais, os teóricos da memorização. Pois creio que levar crianças e jovens a debitar conteúdos incompreendidos, e a ter que pedir licença para pensar, resulta no estilo "é pior a emenda que o soneto". Existe certamente alguma outra forma mais consistente de conduzir a bom porto aqueles que frequentam a escola pública, para além destas soluções tão desajustadas quanto extremadas. Melhorar a educação deve significar progresso e não retrocesso. Eu sou do tempo em que se faziam cópias e se corrigia a ortografia a poder de repetição das palavras escritas em caderninhos imaculados para o efeito. O mesmo para a tabuada. Se isso me ajudou? Claro que sim. O que é que eu senti quando mais tarde, em tempos incertos pós-25 de Abril, me pediram para pensar? Um prazer imenso. Dois bons motivos, entre outros, para defender o rigor em liberdade.



quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

p.f. incomode

Não conheço praticamente nada que consiga dar adequada substância aos acontecimentos dramáticos do mundo, quanto o faz o total e renitente silêncio. Só ele, por exemplo, é capaz de dar real corpo à profunda tristeza. Mas o silêncio tende a ser, por natureza, o lugar do incomunicável. E nós somos seres comunicantes. Não é uma justificação, tão só um preâmbulo aqui esboçado, que serve para manifestar o meu forte desagrado perante notícias como esta.
Posto isto, não é excessivo relembrar que os graves problemas da nossa sociedade são estes (e outros que tais), e não a perene discussão acerca do "sexo dos anjos", com a qual se entretém grande parte dos que assumem as maiores responsabilidades neste país. Que tal se, por exemplo, a comunicação social, em vez de apontar casos desgarrados, aqui e ali, sobre a situação dos idosos em Portugal, chegasse a apresentar-nos artigos sérios sobre o assunto? Que tal debater isto até à exaustão, por aí? Começo a crer que este país, além de velho, está saturado.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Filosofia prática

O professor fala. Noventa minutos sobre noventa minutos. Diariamente. Ouve-se permanentemente a si mesmo. Olha o que disse. Vê o que disse. Pesa-o. Até questionar o seu próprio discurso. Mas eis que noventa minutos vêm para o melhorar. Para o re-interrogar. Para o repetir. Para o modificar. Para o levar para casa. Para o dissecar. Para o reorganizar. Para acrescentar. Para subtrair. Para repetir. E continuar. Sem descansar. Vem um pequeno intervalo na vigília do pensamento. O que é só o instante em que o sol se põe. Mas eis que a noite prepara o dia. Para repetir. Para questionar. Para interrogar. Para corrigir. Para perder sentido. E encontrar sentido. No discurso. Nas afirmações. Nas negações. Nas interdições. E a liberdade. Impossibilidade. Reconhecimento. Mais o estranhamento. O professor navega no movimento incessante do ser. No silêncio cheio de discursos. No momento entre. No instante agora. No inevitável de proferir palavras. O que o professor diz é sempre à hora. Sem demora. Diz.
Mas não há becos sem saída - e o professor sorri.


[dedicado a todos os companheiros(as) de profissão, presentes no meu dia-a-dia, com a minha maior admiração]


sábado, 21 de janeiro de 2012

...e de quente

é só muito muito bom





falando de frio

O Norge em Spitsbergen (Maio de 1926)

«Não podemos deixar de relembrar que, enquanto todas estas peripécias tinham lugar, uma violenta caldeirada política começava a levantar fervura. Desde 1922 que a Itália se tornara um país fascista; de resto, a palavra foi ali criada (de fascio, palavra italiana que significa "feixe" ou "unidade"). O seu fundador foi Benito Mussolini, um homem com todas as características do que aí vinha: autoritário, vaidoso, impiedoso, populista e não muito inteligente. A Itália de Mussolini tornou-se uma ditadura precoce (a par do regime salazarista em Portugal), proporcionando um molde aproximado a Hitler e Franco, alguns anos mais tarde.
No entanto, ao princípio o movimento fascista parecia mais inócuo do que mais tarde se revelaria. Em 1922 os fascistas marcharam sobre Roma, armados apenas do seu entusiasmo pela Itália gloriosa de um passado remoto. (...)
Mas o fascismo não degenerou em ditadura de um dia para o outro, e mesmo depois da suspensão das liberdades civis (por exemplo, das eleições multipartidárias e da liberdade de imprensa), muitos continuaram a acreditar que se tratava de medidas temporárias numa época atribulada. Junte-se a isto o fascismo ter levado forte alívio económico a muitos italianos pobres. Num país profundamente católico, em que a Igreja e o Estado estavam em conflito desde a reunificação, no século XIX, o fascismo conseguira uma reconciliação. Com a sua obsessão pelas glórias do passado, o fascismo conseguira reanimar o orgulho nacional italiano. 


Quando Umberto Nobile sobrevoou o Pólo Norte num dirigível, em 1926, o feito simbolizou o reforço do amor-próprio de que o país estava muito necessitado. De tal maneira que, dois anos mais tarde, quando Nobile se despenhou ao tentar uma aterragem no Pólo Norte (provocando muitas mortes, incluindo a do pioneiro Roald Amundsen, que comandou o grupo de salvamento), uma surpresa desagradável esperava-o no regresso a casa. Em compensação por todos os riscos que correra, foi publicamente humilhado e expulso do exército, tendo-lhe sido retiradas todas as condecorações. Só por pouco escapou à prisão. O fascismo não tolerava o fracasso.»
O Grande Inquisidor, João Magueijo



quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Quando nascem poetas


O sorriso

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


Eugénio de Andrade


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

like tears in rain


Fotograma do filme Blade Runner

É aquela passagem memorável de Blade Runner, like tears in rain, que dá título ao novo romance de Rosa Montero: Lágrimas na Chuva - Porto Editora. Pensemos futurista... imaginemos a vida em 2109 para abordar uma série de problemas do nosso actual presente... Parece-me uma proposta interessante. A realizar através de um livro que terá sido escrito, em grande parte, na casa que a autora possui em Cascais, e que é local onde procura refúgio e concentração para escrever. 
Fica na minha lista.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Reset


Fables #115 - Ilustração de João Ruas

 «(...) o espaço psíquico é o único sagrado que nos resta, e para que ele possa sobreviver à técnica, aos direitos do homem, à justiça, apesar dos benefícios que se escondem por detrás destas noções, para que o espaço psíquico possa sobreviver como capacidade de renascimento permanente, uma reabilitação da noção de revolta enquanto recomeço, interrogação pessoal, é indispensável.»
Julia Kristeva dixit


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

solilóquio I

sim. há metafísica bastante em pensar em ti
mesmo ao pisar firme terrenos impossíveis
os passos certos levam-me contigo
enquanto habito mais e mais a casa
e presa estou. do ser. das mãos. da voz. do tudo imaginado
algures num ponto até... vá lá... sem stress

tanta ternura minha. é. tanto desejo inquieto. um todo teu inteiro e largo vem por aqui espalhado...

pois sim. confesso: desejo e muito os grandes sistemas do mundo. 
e ao abrir os livros sou feliz. abro então um deles. pode ser agora. página digamos trinta e nove.
e o que lá diz? não não explica nada disto. oh.
pois vou então até mais longe. outro sistema há e longo. sim. atenta que este é muito complicado. capítulo cinco. página digamos vinte e três. até parece que há sentido mas. não não explica nada disto. bom.

sumário: tu és o meu sistema inacabado. o mais que o diga complicado. ah. e faço parte dele. se faço.
mas todos os sistemas são assim. com brechas. olha-se por lá. e então. há outras coisas. pois.
no meu sistema "tu" sou sempre eu mesma. um eu e a sua turbulência. ai. muito me zango até. e a hora: luz ténue da manhã.

posso ser mais clara num segundo. está bem. nuns quantos. qual é o tempo que afinal demora. escrever aqui: turbulenta-me. ?
(mas pouco. please)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

No mundo da ciência

Ettore Majorana e Enrico Fermi: quais as diferenças?
Ettore Majorana by Mr. Esgar

«"Fermi era um homem simples(...), já Majorana tinha uma personalidade requintada e complexa", escreveu Pontecorvo nas suas memórias. Para Fermi, tudo tinha de ser dedicado à ciência: não gostava de música nem de literatura e não percebia os artistas. Mesmo a sua paixão pelos desportos era um subterfúgio para limpar a mente, ajudando-o a fazer ciência com mais eficácia. Fermi era monocromático, Ettore era como um arco-íris. Ettore fazia ciência porque isso o divertia, sem qualquer sentimento de finalidade ou obrigação, e nunca em detrimento dos seus outros interesses. Fermi devia sentir uma grande desconfiança em relação a Ettore e, no sentido inverso, Fermi parecia provavelmente a Ettore um filisteu sem desculpa.»
O Grande Inquisidor, João Magueijo


domingo, 8 de janeiro de 2012

Perguntas difíceis

Vista pitoresca em Penha Longa, Autor desconhecido (1866)

(...) as sestas quentes, nas sombras da Penha Verde, ouvindo o rumor fresco e gotejante das águas que vão de pedra em pedra (...) 
O Primo Basílio, Eça de Queirós

A minha filha de quinze anos começou hoje a ler O Primo Basílio, essa pérola do Eça que muito me divertiu a mim, quando o li, teria então a mesma idade que ela. Fiz-lhe a sugestão, dada a necessidade apresentada de fazer uma leitura para o Português lá da escola. Pareceu-me uma boa oportunidade para a iniciar no autor. Diga-se a verdade, ficou desde o início muito interessada. Muito curiosa acerca do retrato da época, do vocabulário, admirada com a ironia queirosiana, mas, sobretudo, algo fascinada com o recorte psicológico das personagens. Está cheia de dó da romântica Luísa, sem nada para fazer, coitada!, e estupefacta com a maldade (e infelicidade) da Juliana, que só tinha para mostrar de bonito, um pé. Realmente, o Eça era terrível! e nada deixava escapar.
No entanto, a dada altura, surpreendeu-me com esta pergunta inesperada: "Desde quando é que os maridos tratam as mulheres por filhas?!". É nestes momentos-chave que o elementar se revela complexo. Ainda por cima, não fui capaz de apontar com rigor uma data.


A imagem e a citação foram encontradas AQUI


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Pinga Pouco

Eu não sou especialmente entendida na multiplicidade das nuances políticas, muito menos em economia ou questões fiscais, mais concretamente. No entanto, o que sei chega para perceber que esta questão da Jerónimo Martins/Pingo Doce chegou ao ponto do perfeito exagero. Eu posso não gostar que eles se transfiram para a Holanda (e não gosto), a troco de benefícios fiscais, mas...  Primeiro que tudo seria bom estarmos informados. Para não embarcarmos em perseguições moralistas precipitadas, até porque eu gostava de saber onde estará a moralidade de tantas outras decisões que ouvimos e lemos diariamente nas notícias, relativas a esta e a tantas outras matérias - onde está?! Perseguir um nome, uma pessoa, é possível, claro, mas será esse o caminho para uma análise lúcida do problema? Já agora, eu sou consumidora do Continente, dado ser a grande superfície que está perto de onde moro. Por sinal, não simpatizo especialmente com esta cadeia de hipermercados, mas não será de considerar a proximidade/implantação das lojas, como incentivo legítimo ao consumo?
Informei-me um pouco. Não é nada ilegal, por criticável que seja do ponto de vista moral. É apenas mais um passo para abandonar Portugal. Mas deixar um grande número de pessoas no desemprego, não seria também altamente negativo? É preciso analisar todos os lados da questão. As simplificações abusivas parecem-me mau prenúncio para construir um futuro que se quer viável. O que me leva a escrever estas linhas opinativas, lamentando não estar plenamente de acordo com muitos - sempre, é algo impossível, sabemos -, é o facto de perceber que o que está realmente em causa é a falta de incentivos que o nosso país oferece para fazer crescer a economia. Esse é o grande problema. Isso é que merece constituir a nossa enorme preocupação. Tudo a debandar... Um país com desertificação em curso... Um cenário triste. Apercebi-me hoje da quantidade de estabelecimentos comerciais que fecharam ou estão para fechar, aqui próximos de mim. Está tudo muito mais caro. É isso que sente e pensa quem vai fazer compras diariamente. Não adianta arranjarmos "bodes expiatórios". A verdade é que com ou sem Pingo Doce, tudo por aqui "pinga pouco".
Finalmente, acabei de ouvir há minutos, na TSF, alguém por quem não nutro especial simpatia, mas que merece, sem dúvida, que aqui a refira, pela análise lúcida que fez da questão. Sim, a Dra. Maria de Lurdes Rodrigues chamou a atenção para os reais meandros deste problema. E fê-lo muito bem. Suponho que quem tenha interesse possa vir a saber quais foram as suas palavras. As minhas são estas, menos entendidas, mas atentas.

Adenda: como encontrei a ligação para o programa da TSF a que fiz referência, e como gosto de completar, na medida do possível, o que penso, aqui fica para os interessados:



terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Tempo: para que te quero?

É preciso regressar ao trabalho, com afinco e boa disposição. Lá isso é. Nesta pequena interrupção, cheia de festas e convívios, apercebi-me de uma coisa em especial: o meu horizonte temporal finalmente ficou mais curto. Digo finalmente porque nunca pensei muito no caso antes. Mas, entretanto, pesei bem o facto. De que já não viverei o dobro, seguramente resta-me menos que o dobro. É assim que o tempo passa. Sem dúvida, altera as perspetivas. Pois é verdade: terei que passar a cuidar mais da saúde, num país onde o SNS está em risco e repleto de dificuldades. Por outro lado, um horizonte temporal mais curto não é necessariamente mau. Tem como consequência, entre outras, a capacidade de colocar tudo o que importa no seu devido lugar, e com muito mais segurança. Mas (há sempre um mas!) neste país falho de esperança, até ver..., colocar o que importa e respetivas prioridades no lugar adequado pode ser tarefa bem difícil. De resto, ninguém devia começar, ou mesmo recomeçar, fosse o que fosse, em jeito de mera sobrevivência. O que desejamos sempre, certamente, é chegar ao patamar do viver, do viver a sério, como realmente merecemos. Usufruir daquilo a que chamamos qualidade de vida. Essa que aqui e agora se mostra cada vez mais reduzida - fica-nos, espero, o sol magnífico e as temperaturas amenas deste canto da península.
E é assim que começo o novo ano - "2012, o difícil". Repito o ciclo, norteada por esta singela constatação (que vem de um tempo em que se aprende finalmente com ele, isso parece-me muito claro): é preciso estabelecer prioridades e dar valor ao que realmente o tem. É por isso que, cada vez mais, aqueles que amo serão a minha infalível bússola. É sempre fácil uma pessoa perder-se...

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...