domingo, 28 de fevereiro de 2010

Farpear I

Indicação: contra o optimismo pessimismo.


«O estilo de Eça de Queirós não mostra somente dispor de todas as cores; parece também usar de todos os ingredientes. Há trechos dele que diríamos feitos com sangue, com lágrimas, com pérolas líquidas, com enxurro, com ouro, com lama e com pó de brilhantes. É o processo humorístico. (...)
A primeira condição do humorismo é a grande qualidade de escritor que tem Eça de Queirós: a despreocupação absoluta do aplauso, o mais completo desprezo da galeria. Quem governa é a arte. A galeria aplaude ou reprova, é o seu direito... Mas não manda nada.»
Ramalho Ortigão in Farpas Escolhidas





Imagem Daqui

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Perturbação do dogma

Surpreende-me sempre um mundo precipitado. Não que todos os acontecimentos beneficiem necessariamente de uma ponderação. A precipitação também intervém na dinâmica do mundo. Por vezes, com bons resultados. Muito mais importante me parece ser a prudência, sobretudo se se trata dos assuntos humanos. A precipitação tem muitas vezes na base uma grande dose de convicção. O problema da convicção no seu estado puro é a sua transmutação em dogma. Este, escusado será negá-lo, exerce grande atracção. Também eu tenho os meus dogmas de estimação. Mas, se há coisa que a filosofia ensina é a perturbá-los.
Dou um exemplo na minha área: Schopenhauer é um filósofo muito interessante. Mas combateu Hegel. Acresce que este também é deveras interessante. Terei que optar entre um e outro? Possivelmente. Desde que a minha opção não me obrigue ao desconhecimento de nenhum deles. Desde que a minha escolha não eclipse os contributos relevantes dos dois. É, no mínimo, uma questão de honestidade intelectual - o que é um princípio moral; no limite, pode ser uma precaução face à perigosidade da sedimentação dogmática - o que também não deixará de ser uma orientação relativa ao que temos por conduta adequada, se assim o entendermos.
Parece-me quase certo que o mundo está empobrecido do ponto de vista moral. Os moralistas, dizem, parecem pessoas aborrecidas. Eu diria que depende da moral. E quanto a essa, somos todos nós que a colocamos no mundo.
Como afirmei, Schopenhauer é um filósofo muito interessante, nomeadamente do ponto de vista moralizante. Digamos que é interessante o suficiente para introduzir perturbação no dogma anti-moral.

Transcrevo:

«Não há nada que abale tanto as profundezas do nosso sentimento moral como a crueldade. Qualquer outra falta, podemos perdoá-la; a crueldade nunca. A razão disso é que a crueldade é precisamente o contrário da piedade. Ao tomarmos conhecimento de qualquer acto de crueldade (...) somos de imediato tomados pelo horror; bradamos: "Como podem suceder semelhantes coisas?" E qual é o sentido desta pergunta? (...) O verdadeiro sentido, ei-lo, sem margem para dúvidas: Como se pode ser tão desapiedado? É pois quando uma acção se afasta em extremo da piedade, que ela carrega como um estigma o carácter de uma coisa moralmente condenável, desprezível. A piedade é por excelência o âmbito da moralidade.»
in Arthur Schopenhauer, O Fundamento da Moral


(mas não, isto não é uma escolha entre Schopenhauer e Hegel; se tivesse que escolher, escolheria Kant, o que complica ainda mais as coisas, mas o caso não é para agora).




Imagem: Madeline von Foerster, Self-portrait - 2005

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ter a palavra

[Há motivos de sobra para o silêncio. Cansei-me de ouvir os grandes críticos, analistas, comentadores e politólogos. Mas não me canso de escutar a natureza. Ainda que consternada.]

Dou a palavra a Slavoj Zizek. Pode não suscitar o acordo, mas é inegável a "frescura" das ideias.








E a ele voltarei...

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O amor a duas vozes

«Bem desejaria poder dizer a si mesma que estava enganada quanto aos seus escrúpulos relativamente ao passado e aos seus receios relativamente ao futuro. A razão e o seu dever mostravam-lhe, noutros momentos, coisas totalmente opostas, que a levavam rapidamente à resolução de não voltar a casar e de nunca mais ver o Senhor de Nemours. Mas era uma resolução bem violenta de estabelecer num coração tão enternecido como o seu e ainda de novo abandonado aos encantos do amor. Enfim, para recuperar alguma calma, pensou que não era ainda necessário violentar-se tomando resoluções; as conveniências davam-lhe um tempo considerável para se decidir. Mas resolveu continuar firme quanto a manter qualquer relação com o Senhor de Nemours. O Vidama foi visitá-la e defendeu a causa do príncipe com todo o espírito e aplicação imagináveis, mas não pôde fazê-la mudar de conduta, nem em relação à que havia imposto ao Senhor de Nemours. Disse-lhe que a sua intenção era permanecer na situação em que se encontrava; que sabia que esse desígnio era difícil de executar, mas que esperava ter força para tanto. (...)»
in A Princesa de Clèves, Madame de Lafayette





«Acabo de ter esta noite a prova de que a música, quando perfeita, põe o coração exactamente no mesmo estado em que se encontra quando goza a presença de quem ama; isto é, dá aparentemente a mais intensa felicidade que existe neste mundo.
Se assim acontecesse com todos os homens, nada no mundo predisporia mais para o amor. (...)
O hábito da música e dos sonhos que ela provoca predispõe para o amor. (...)»
in Do Amor, Stendhal










Imagens: pesquisa do Google

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O mundo é um lugar vazio

A ordem é um aspecto importante da realidade, ainda que saibamos ser o caos igualmente enriquecedor. Uma exigência extrema em relação a aspectos organizativos pode ser contraproducente, e isto nos mais variados contextos. O seu oposto - ou seja, o caos, que aqui interpreto como desorganização - pode resultar numa situação igualmente negativa (digamos, não produtiva).
Postas estas considerações preambulares, registo a leitura de um livro magnífico, que até à data me tinha escapado, quase imperdoavelmente para mim-própria: "A Confissão de Lúcio", de Mário de Sá-Carneiro. Ora, isto pode não estar relacionado com..., mas, na verdade, há quem sinta, como eu, que tudo está ligado a tudo. Nesse pequeno-grande livro, o autor refere-se recorrentemente a sentimentos de repugnância - e acrescento eu, de uma quase-náusea. As repugnâncias podem resultar de inúmeros aspectos da existência, podem até ser psicanaliticamente interpretadas e explicadas. Pois podem, mas não pretendo aqui aprofundar o assunto. É apenas algo muito pessoal e simples o que registo: há na vida real motivos para consideráveis sensações de náusea. Assim acontece nesta actual situação do nosso país, a qual não parece nada saudável. No entanto, há uma ressalva importante quanto a isto: eu não sei se o país real é aquele que nos chega aos olhos e aos ouvidos. Mas, se quanto ao país real tenho algumas dúvidas, quanto à vida real tenho algumas certezas. Sei seguramente, por exemplo, que a vida real envolve trabalho e empenhamento. Sei que a vida real está longe de ser fácil, que decorre entre esforços e desgastes. Obviamente refiro-me ao comum dos mortais, grupo ao qual pertenço com bastante orgulho. E o que pensa o comum dos mortais destas notícias estrondosas e escandalosas, preocupantes e inquietantes do nosso país (ir)real? O que pensa de uma vida constantemente contaminada e desinquietada por ambientes de suspeição? Pois o que ele/ela pensa é que após cumprir o seu horário de trabalho, de Trabalho, repito, nesse momento mereceria algo melhor sobre o que se passa cá fora. Algo efectivamente mais digno e mais sério acerca do país onde vive. Algo que reflectisse a verdadeira realidade que conhece. Sobretudo isso. Porque se a verdade é sempre complexa, se se cria e se fabrica, antes dela, antes dessa grande Verdade, estão algumas outras pequenas verdades irredutíveis. O paradoxo da verdade é este mesmo: falar das pequenas verdades pode ser muito mais complicado.
A outra face da lua, aquela que liricamente é tão tratada como sedutora porque oculta, essa é também aqui a desorganização mental a que muitos ficam sujeitos se quiserem estar in com o que acontece. Este tipo de desorganização, ou de caos, é algo que não se vê, mas que existe. Nem sei mesmo se as quebras na produtividade e no desenvolvimento não passarão grandemente por este caos ao nível das sinapses a que os nossos cérebros estão expostos. Redes neuronais que fervem para descobrir a solução de mistérios criados para nos entreter; problemáticas virtuais que mais parecem puzzles concebidos com as peças erradas, e que jamais criarão uma imagem coerente, enquanto os reais problemas ficam à espera... Olhando melhor, tais projecções vêem-se em toda a sua plenitude: magnificentes construções formais sem conteúdo. O mundo é um lugar vazio.
Efectivamente, o comum cidadão merece mais do que estas histórias de enredos duvidosos. Do que a suspeição a envenenar e a lei ser de brincar. Do que o alimento de apetites vorazes e espectaculares que se não tiverem disto, não têm mais nada, provavelmente. Daquilo que as guerrinhas de bastidores vão congeminando e expurgando cá para fora sem critério.
Sem dúvida, é bom que algo eventualmente oculto conheça a luz do dia. Mas o oculto mais profundo continua como tal. Pois aquilo que seria consideravelmente consequente desocultar, a realidade social do nosso país, essa continua por analisar e esmiuçar em larguíssima medida. Sim, mas isto são aspirações algo naïves. Portanto...
Portanto, espera-se, no mínimo!, que alguém ponha ordem nisto.




terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Futuro e Realidade Aumentada

De vez em quando, aparecem umas notícias interessantes, tanto mais na medida em que se referem ao que se faz de inovador no nosso país.





Por trás de tudo isto, está uma tecnologia designada por Realidade Aumentada (RA). Esta, enquanto conceito, envolve toda uma reflexão, parece-me. Para lá dos aspectos práticos da sua utilização, a nossa vivência da realidade tende a transformações profundas. Para já, poderemos sentir os estímulos com muito mais impacto - todo o nosso mundo tende a ser "aumentado". O futuro dirá dos restantes caminhos...
A RA mostra, desde já, inúmeras aplicações possíveis e interessantes. Por enquanto, ainda parece algo rudimentar e uma espécie de brincadeira, pelo menos em certos casos. Mas, em breve, as consequências reais serão muito mais sérias. Estamos, sem dúvida, no século XXI.


A RA na revista Esquire






Mais informação sobre a RA Aqui


Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...