quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Jogar com rede

Somerset Maugham na sua casa em Cap Ferrat, França (1963)

Julian Barnes refere no seu último livro (de 2008), «Nada a Temer», uma curiosa história que terá tido como ilustres protagonistas, o escritor Somerset Maugham e o filósofo A. J. Ayer. O que está em causa é o seguinte: enquanto agnóstico, S. Maugham queria, contudo, assegurar-se de que a sua posição perante a hipótese divina era a mais acertada. Assim sendo, convida para sua casa Ayer, pensador influente à época, para confirmar com ele que nada poderia estar errado na sua opção quanto a esta questão; que nada, mas mesmo rigorosamente nada, se seguiria à morte. Evidentemente, Maugham pensava já na velhice e na proximidade do seu próprio fim. E é assim que Ayer e a sua mulher, a romancista Dee Wells, vêm a fazer uma visita ao escritor, corria o ano de 1961. Barnes procura reconstituir este encontro sui generis, imaginando o diálogo entre os dois, já que, como assinala, não existem registos concretos e conhecidos dessas presumíveis conversas. Seguramente, Ayer terá apresentado as provas mais up to date e lógicas da não existência de Deus, assim como da finitude da vida. O que terá, certamente, tranquilizado Maugham.
O mais interessante de tudo isto... é a necessidade de certezas (sempre incertas) que todos sentem. Crentes e não crentes, provavelmente todos se interrogam, todos duvidam. Talvez alguns escapem a essa inquietação. É possível, talvez até seja desejável. Mas, mais interessante ainda, é aquilo que Julian Barnes não deixa escapar na análise radical que faz da psicologia humana - este caso, o de posições religiosas, não será diferente de outra matéria qualquer: aqueles que têm um certo poder e influência, como era o caso de Maugham, tendem a comportar-se exactamente sempre da mesma maneira, ou seja, como quem domina a situação. Tal como em tempos, príncipes e burgueses chamavam quem os tranquilizasse acerca do Paraíso, S. Maugham fez o mesmo, ao contrário. Parece, pois, que o labirinto da mente humana tem poucas saídas alternativas... se é que existem algumas. A única saída que parece oferecer tranquilidade é jogar a vida com redes de protecção. Infelizmente, ou não, elas estão cheias de buracos.



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

domingo, 18 de setembro de 2011

Semear

Sunflower Seeds, Ai Weiwei

Como é bom poder trazer esta imagem para aqui, sem perigo de toxicidade, e imaginar que tantas sementes de girassol vão crescer e girar, não em torno de um qualquer ditador, mas sim à volta do sol-imenso desejo de saber como tornar o mundo melhor...


Às vezes, dá-me para ler umas coisas de Confúcio, o que também consegue ser uma catharsis:

«O Mestre diz: Os mais altos postos ocupados por homens pouco inteligentes, os ritos executados sem recolhimento, os mortos honrados sem verdadeiro desgosto: como suportar um tal espectáculo!» 
Conversações de Confúcio



domingo, 11 de setembro de 2011

9/11




Não te afastes

Mantém o olhar na ferida coberta

É por ela que a luz entra em ti


Rumi 




Imagem: September de Gerhard Richter (2005)


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

texto corrido

no banco de jardim encontrava-se assim. eu passei por ele. como quem passa por qualquer um. mas voltei atrás. a sua imagem entrou-me pelo canto do olho. acho que foi pelo esquerdo. normalmente o meu olho esquerdo sofre atracções irresistíveis. de modo que lá fui eu sentar-me ao lado de assim. ele queria falar e eu nem por isso. o silêncio pesava-lhe já havia dois meses. a mim pesava-me a falta dele. avisou-me logo que diria pouco. essa era a sua medida. fiz-lhe perguntas. para escutar esse pouco dele. e ele lá respondeu. como te sentes? estou bem. que achas disto? está bem. que achas daquilo? está bem. antecipando que me irritasse achou por bem avisar-me. eu digo sempre o mesmo. mas eu fingi não me ralar com a previsível monotonia. ousei dizer. dizer o mesmo e pouco é melhor que nada dizer. está bem. disse-me assim. não me perguntem porquê mas achei esta conversa interessante. se fosse assim a falar diria que está bem. eu ainda introduzo uma variante. a de que talvez esteja bem. enquanto pensava nisto fiquei em silêncio. pelo canto do olho dei por assim a olhar para mim. também achei interessante. um olhar que é de outro e logo com os dois olhos é dizer imenso. sei que estás aí. disse-me o olhar dele. e eu deixei o canto do olho alargar-se até o abarcar todo. como gente. telepaticamente assim disse-me muito. não me pergunto porquê mas achei esta parte dolorosa. o que também achei interessante mas menos. se fosse assim diria está bem. eu ainda acrescento um duplo sentimento. sinto que está bem senti-lo assim. na verdade está bem assim assim. mas adiante. perguntei então se podia dar-lhe a mão. está bem. disse-me. já de mãos dadas dissemos tudo. foi um silêncio dialogante. nem eu nem assim ficámos perturbados. o que me parece estar bem. foi um momento-contacto. tenho-o visto em filmes. por isso fiquei a saber. que estava triste mas bem. perguntei-lhe porquê. o que está bem é estar triste. disse-me no fundo das pupilas trémulas. ia eu responder-lhe quando tocou um telemóvel. assim atendeu. o que o fez mecânico. não fosse estar tudo bem espantar-me-ia. ele falou imenso. o que fui ouvindo. com o ouvido direito. ele sentado a meu lado. descobri então uma mão vazia. até me deu jeito. agarrei a mala. disse-lhe com os olhos. está bem. mas ele não viu. passei por assim. como quem passa por qualquer outro. está bem. pensei baixinho.

passaste por mim. como por qualquer outra. até perguntaste. como estás? estou bem. respondi.


Foto A.P. (Marvão - Julho 2011)

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...