domingo, 26 de outubro de 2008

É a vida...


Já lá vai tanto tempo... sim, bem sei. Dei-te a minha mão pequenina, confiante. Devagarinho, levaste-me por entre as brumas que deixavam entrever a terra, ao longo do cais. À nossa frente, erguiam-se rochedos, elevações secas e arenosas. Olhei para cima, para ti. Mais além, a terra mostrava-se acima das nuvens. Em baixo, já dominando a atmosfera, o ruidoso bulício, transbordante de confusão e alegria. As pessoas diferentes, as vozes estranhas de tão cantantes. E as cores... na sua mistura com tudo. As vestes com os seus tecidos estampados, brilhantes e esfusiantes... era todo um mundo de alegre descoberta! Um primeiro passo que dei contigo para a consciência da multiculturalidade. Foi então que iniciei o longo abraço da igualdade na diferença.
O mundo é cinzento e colorido. Mas parece que há tanto para aprender com as névoas cinzentas, como com a mais exaltante coloração.



Quis hoje recordar. Recordar-te. Dizer-te, onde quer que estejas, que não é possível esquecer. Que o tempo passa, mas tudo fica na nossa memória porque connosco se transportou. Porque nos moldou e nos deu uma raíz. Ainda que sempre flutuante e transitória na sua permanente viagem. Disseminada no confronto com o horizonte largo do mundo.

E o mar. Imenso como a saudade feita da mais genuína alegria. Porque se viveu...





Imagens: Navio Amélia de Mello, têxteis africanos e mar - pesquisa do Google


quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Síndroma de Bartleby


Há registos e registos. E registos e registos. E, entre eles, pode encontrar-se também o registo inócuo. E o registo neutro. E o registo que não chega a registar-se.
Pela manhã, durante a tarde, quando a noite cai... não importa a hora ou o lugar, parece existir tanto para dizer... Mas, perante a imensidão do que há para ser dito, do que se teria para dizer, são inúmeros os instantes nos quais uma vaga sensação de inutilidade ganha terreno e começa a dominar.Também a memória se impõe, nesse entretanto, lembrando que, provavelmente, já tudo foi dito.
Mais insustentável é esquecer que, provavelmente, já tudo foi feito. Ainda que a possibilidade de alguma coisa ter ficado por acontecer no mundo vá pontuando os dias, dando-lhes uma certa cor e necessidade.

E perante estas quimeras de teor mais ou menos filosófico, a verdade é que para lá das catadupas de acontecimentos que se atropelam no mundo, muito do que se faz é tarefa de "copista".
Ainda assim, nada querendo dizer, nada querendo fazer, muito se diz, muito se faz. Na minha livre interpretação, o que a figura de Bartleby introduz como problema é a possibilidade e a anterioridade da escolha na acção. Digamos que o ideal parece ser sempre a possibilidade da escolha. Em tudo. Mesmo que não se tenha a hipótese, permanece o desejo de escolher. Ele pode eclipsar-se, pode recuar para uma dimensão e um terreno que é o do nada. Anterior a qualquer escolha, a qualquer decisão, a qualquer iniciativa. Pode não "copiar" mais nada. Pode não (re)escrever mais nada. E, apesar disso, escolheu. Marcou, escreveu nas linhas e nas entrelinhas do mundo.
Bartleby não faz nada. Pelo que a sua acção está assim mesmo, desde logo, definida. Bartleby não pode escapar do mundo. Apesar disso, é certo que ele dirá sempre

- Preferiria de não (« I would prefer not to »)

Há fases em que me sinto um bocadinho (ou muito) Bartleby. Espero que não seja grave.


Imagem: pintura de Egon Schiele


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Questão de evolução


Pode o futuro não nos interessar, perante a urgência do presente? As questões relacionadas com a chamada teoria da evolução das espécies também podem fazer pensar o futuro. Pelo menos, foi nessa linha que Filipe Duarte Santos desenvolveu a sua comunicação intitulada "Sustentabilidade, Cultura e Evolução".

O conceito de sustentabilidade (como preocupação que surge nos finais do século passado) é considerado pelo autor um dos mais debatidos no século XXI, e não pode deixar de suscitar a minha atenção. Foi nesse sentido que me deparei com a referida comunicação, integrada num conjunto de textos reunidos sob o título «A Urgência da Teoria».

A tese apresentada por Filipe Duarte Santos (de quem vale a pena conhecer mais...) é a de que, após um percurso evolutivo dominado por transformações biológicas, o ser humano atingiu um singular patamar de desenvolvimento, no qual a evolução cultural se sobrepôs à biológica. Ou seja, a nossa civilização alcançou a possibilidade de "aliviar" as pressões que determinam a selecção natural. O futuro evolutivo da espécie humana dependerá, portanto, da nossa capacidade para adaptar a evolução cultural aos condicionalismos que nos são impostos. Segundo palavras do autor, estamos prisioneiros da nossa cultura. Trata-se de saber para onde é que ela nos conduz...

Aqui fica o registo de um tema que me parece extremamente interessante. Através de um autor que o tem investigado e debatido.

«(...) nos 250 anos que nos separam do início da revolução industrial, a população humana aumentou por um factor de 8,3 até atingir valores da ordem de 6600 milhões, na actualidade.
A evolução recente deste e de outros indicadores globais indicia riscos significativos de insustentabilidade da nossa civilização num futuro mais ou menos próximo. Será que a nossa cultura saberá mitigar estes riscos e assegurar a continuidade da sua evolução? Ou será que há um elemento degenerativo que nos irá conduzir para crises e rupturas? Há algo de misterioso no nosso sucesso que não desvendámos ainda. O caminho provavelmente não é irreversível, mas não o conhecemos. Essa é a razão que torna tão importante pensar o nosso futuro colectivo.

Será que a nossa espécie irá evoluir biologicamente para se transformar em algo como um super-homem capaz de encontrar novos paradigmas de progresso sustentável? Um dos mecanismos mais importantes de especiação é o isolamento geográfico de populações em condições ambientais diversas. Presentemente, no caso do
Homo sapiens, não é efectivo porque construímos uma sociedade global com fortíssimo contacto e procriação entre todos os grupos populacionais. (...) sobretudo nos países desenvolvidos, os avanços da medicina e da assistência à saúde, aliados a uma cultura de solidariedade e segurança social, asseguram a sobrevivência de quase todos e não apenas dos mais fortes e adaptados. Assistimos, pois, a um relaxamento das pressões que determinam a selecção natural. Tal não significa que a espécie humana não evolua biologicamente, mas apenas que na fase actual essa evolução assume formas subtis por estar fortemente mitigada (Balter, 2005).

Quanto à evolução futura do Homo sapiens, ela irá depender em grande parte das condicionantes externas e internas à sociedade humana.
(...) Quanto mais estável e seguro for o futuro, menor a probabilidade de evolução biológica do Homo sapiens. Face aos actuais cenários socioeconómicos e ambientais futuros, é possível que nos próximos séculos se assista a um esgotamento do modelo de uma evolução cultural mais ou menos contínua. Tudo depende de conseguirmos ou não adaptar a nossa evolução cultural aos condicionalismos que nos são impostos, em última análise, pela natureza e leis que a regem. Estamos manifestamente prisioneiros da nossa cultura e das imensas capacidades que ela tem revelado em tornar admirável o nosso modo e a nossa qualidade de vida, embora estes benefícios estejam muito longe de abranger a totalidade da população humana.»
in "Sustentabilidade, Cultura e Evolução", Filipe Duarte Santos



Imagem: pesquisa do Google (arte dos primatas)


sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Sermões - 1


"(...) hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. (...) O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras. (...) Verbo Divino é palavra divina; mas importa pouco que as nossas palavras sejam divinas, se forem desacompanhadas de obras. A razão disto é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos. (...) e o que entra pelos ouvidos crê-se, o que entra pelos olhos necessita. Viram os ouvintes em nós o que nos ouvem a nós, e o abalo e os efeitos do sermão seriam muito outros."
in Sermão da Sexagésima, Padre António Vieira

Alturas há, nas quais poucas leituras conseguem ter o efeito algo hipnotizante que leva a prosseguir, parágrafo após parágrafo, o confronto com o texto. Acontece-me isso, agora, quando a necessidade de lidar com um número extra-ordinário de papéis, palavras, textos, composições, fichas, sínteses, registos, actas, formulários, índices, estatísticas, etc...; quando esta necessidade rodeia a existência diária... acontece-me um esgotamento face à palavra. Quando ela se torna técnica (ainda que também o seja), e perde a sua dimensão ontológica e estética (ainda que não de modo irreversível)... Quando ela se torna uma hiper-construção do mundo... Perante essa súbita invasão, fundida com ecos fortissimos de crise financeira, apresentada de um modo tão mais virtual que real (ainda que realidade concreta); aí acontece viver-se num universo saturado de informação. E o esforço necessário para a reorganizar conceptualmente é a prova cabal de que nos consumimos.

Nada combateu mais o desgaste vivido nos últimos tempos, do que a leitura (solta e descontraída) que tenho feito dos Sermões do Padre António Vieira. Sem qualquer pretensão de estudiosa do autor, admiro-o e recomendo-o como antídoto para qualquer cansaço mais ou menos cerebral, para qualquer momento de maior ou menor desencanto.
Uma pedrada certeira num charco nada límpido e nada claro, mas com a clarividência dos génios. Que o era!




Imagem: Extracção da pedra da loucura - Bosch


domingo, 5 de outubro de 2008

Futuro energético


As questões energéticas estão em primeiro plano na nossa época. É isso que pode constatar-se neste pequeno filme que apresenta uma sugestão muito curiosa. É uma ideia para o presente, se bem que... nem sempre viável. Mas, para o futuro, pode vir a ser uma opção de "peso". "Ir para baixo" talvez se torne a única hipótese de "subir" e manter uma certa qualidade de vida.

Mais interessante ainda é o conjunto do "pourunmondedurable". Vale a pena visitar e apreciar uma série de ideias inovadoras, assim como o levantamento que faz de muitas das principais preocupações ecológicas actuais.



Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...