quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Charles Darwin - I


Neste ano de 2009, comemoramos o bicentenário do nascimento de Charles Darwin. Parece-me bem que as homenagens a este grande cientista e pensador se multipliquem...

A mim, sempre me pareceu atraente todo o seu trabalho, embora não seja de todo especialista na teoria da evolução das espécies. Curiosa, sim, e muito. Conhecedora de alguns aspectos também, por motivos de formação intelectual e profissional.

Tudo isto para dizer: uma das grandes vantagens de comemorar datas como esta é, sem dúvida, a divulgação, neste caso, científica. Nas livrarias, até nas menos especializadas, as publicações alusivas a Darwin, ou dos seus próprios escritos, invadem o mercado. Felizmente para mim, que procurava uma normal edição da sua Autobiografia. Disponível facilmente agora.

Ler Darwin é conviver com um espírito maior. É pasmar com a sua inteira dedicação ao trabalho científico. É descobrir um ser humano cheio de dúvidas, inquietações e defeitos. Mas com grandes qualidades.

O escândalo que provocou com a sua Origem das Espécies foi enorme. Ainda hoje, podemos verificar que suscita grande polémica defender que as espécies não são imutáveis, e que não são resultado de um Criador. Afinal, como surgiu o Homem? A resposta de Darwin não pode ser ignorada, no mínimo como contributo para a reflexão e discussão. Um contributo de valor indiscutível.



Ideias de Darwin:

«Assim aconteceu que todos ou a maioria dos seres sensíveis se desenvolveram de tal modo através da selecção natural que as sensações desagradáveis servem de guias habituais. Vemos isso através do prazer que temos em nos esforçar, mesmo quando o esforço físico ou mental é ocasionalmente elevado - no prazer que temos nas nossas refeições diárias, e em especial no prazer que derivamos da vida social ou do amor pelas nossas famílias. Prazeres como estes, que são habituais e muitas vezes recorrentes, dão, a todos os seres sensíveis, não posso duvidar, um excesso de alegria sobre infelicidade, embora de forma esporádica muitos sofram intensamente. Este sofrimento é completamente compatível com a crença na Selecção Natural, que não é perfeita na sua acção, mas tende apenas a tornar cada espécie tão eficaz quanto possível na batalha pela vida contra outras espécies, em condições maravilhosamente complexas e variáveis.
(...)
Este argumento muito antigo que parte da existência de sofrimento para refutar a existência de uma causa inicial inteligente parece-me pertinente; enquanto que, como apontei, a presença de muito sofrimento é compatível com a ideia de que todos os seres vivos se desenvolveram através de variação e selecção natural.»
in Autobiografia, Charles Darwin

Imagens: pesquisa do Google

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Problema


E a que vem esta minha dor de cabeça (já tomei medidas...)?!



A falta de tempo, problema de que não sou certamente a única a queixar-me, também se prende com tudo aquilo que queremos fazer. Acontece que os meus livros estão a ficar num estado que não me inclui a mim: o estado de se lerem a si mesmos, porque eu quase não tenho tempo para eles... e não é só falta de tempo, é também uma questão de disposição.

Bom... se a vida pode ter fases desgastantes, se ela decorrer numa grande cidade tudo isso se agrava. Não há tempo para apreciar borboletas, não há tempo para observar os belos pássaros, quase não há tempo para uma refeição.

No meio de muitos afazeres, um destes dias, aguardando a minha vez numa fila qualquer, uma rapariga chamou-me a atenção: tinha vestida uma t-shirt - acho que verde vivo, ou azul, não posso precisar. O que me atraiu foi o que nela estava escrito: adira ao movimento slow. Já tinha ouvido falar, já li um pouco sobre isso. Estou a pensar inteirar-me melhor, logo que tenha tempo!



Se conseguir acabar o livro que estou a ler, este será um dia raro e também um dia útil!



Imagens: Tranquility Base e The Book Which Reads Itself, 2007, Nicola Dale





segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Tentativa 2: amarelo



Há pouca poesia para dar

abro a janela expectante

poema entra de rompante

senta-se à mesa e diz

janta comigo depois

vê-te num tête-à-tête

senta-te de um a dois

poema conta-te a história

faca no ar sibilante

recorta longe a memória

pede-te inspiração

então

senta-te de dois a um

pendura por mim as velas

inclinadas no vazio

pequenos nadas que és

a toalha é amarela

por isso é uso estendê-la

bradante no seu esplendor

deixa-me servir-te o poema

colocá-lo em canto de prato

no espaço há outras palavras

que podes desarrumar

até ao caos cintilante

comer a estrelinha e rir

a vida passa no instante

assim poema é inquietante

sentada de um a mil sabias

que o ar adensa a poesia

inspiremos pois




Imagem: Belle Baranceanu, The Yellow Robe

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Tentativa 1: vermelho



Encostado ao céu

dorme até ser dia

tira o pão do bolso

morde a hipocrisia

o homem vermelho

tua fantasia

não está acordado

naquele guarda-chuva
te recolhe és mar

e mundo inundado

não fuma cachimbo

se o tem guardado

fuma a tua alma

encostado ao céu

brilha em teu clarão

e a noite agonia


dorme até ser dia

tira a mão do bolso

morde a fantasia

encostado à terra

o corpo levita

fitas nos cabelos

a alma gravita

leva o céu à boca

era um belo dia


Imagem: Malevitch, Eight Rectangles


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

À moda antiga




Ainda em matéria de fé, é imperdível Dúvida. Mas quem queira assistir a um filme com efeitos especiais, ou com rasgos de glamour, não deverá ir vê-lo. Quem deseje narrativas enfeitadas não vai encontrar nada disso (e todos estes anseios são legítimos, mas, neste caso, sairiam frustrados). Porque este é um filme à moda antiga. Do princípio ao fim, o ambiente é austero e realista. O trabalho de realização eclipsa-se (com propósito), ficam os actores e as suas absolutamente magníficas e espectaculares interpretações!



Pena que, mesmo assim, o filme não aprofunde a questão do papel social da Igreja. Ontem, como hoje, a repensar. Embora a reflexão esteja sempre presente (e isto, passando-se o enredo nos anos 60 - EUA): modernização das práticas e rituais, abertura de espírito (face ao extremado puritanismo), celibato, crises de fé ...etc.
Há uma abordagem igualmente muito interessante e profícua acerca da educação.

Tudo começa com a dúvida, constrói-se dela... e termina nela. A cisão interior do ser humano começa quando a dúvida se introduz no âmago da certeza. Na verdade, honestamente, ninguém escapa da vivência de ambas.
Esta atmosfera de profunda inquietação respira-se em cada rosto e seus detalhes, focados sem fugas. Com extrema intensidade. Os diálogos profundos prolongam e sedimentam a estrutura psicológica das personagens. Magistral trabalho de interpretação! A nível de todos os actores. Não pude deixar de ficar algo boquiaberta com esta Meryl Streep transcendendo-se a si própria. Isto é arte, isto é ciência, isto é técnica, isto é vida!
Quanto a outras actrizes, Amy Adams e Viola Davis, projectam-se na mesma dimensão de excelência. No caso de Philip Seymour Hoffman, sei que sou algo suspeita. É um dos meus actores preferidos actualmente. Desde que vi o seu papel em Capote.



Um excelente filme. Certamente, um dos melhores do ano. Na verdade, trata-se da adaptação cinematográfica de uma peça de teatro, a qual foi também um sucesso - para saber mais, ver AQUI



À saída, ouvi algumas pessoas comentar que o filme era um pouco "pesado". O que quer que isso signifique, concordo. Mas, para mim, essa é uma boa qualidade. O que é importante, inquietante e interpelador, não pode deixar de possuir, efectivamente, algum "peso".

Finalmente, um outro aspecto poderoso: enquanto se assiste ao desenrolar da história, nunca nos são dadas certezas de nada, cada vez nos vamos impregnando mais de insidiosas dúvidas. O paradoxal: pela dúvida se constrói a fé (?).


Imagens: pesquisa do Google

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Momentos filosóficos - 3



Soren Kierkegaard: Amor e Fé

Pode o amor ser racional? Ou situa-se numa outra dimensão que escapa à compreensão? É o amor do domínio do absurdo? E este, de que modo se vive? Face ao absurdo, só a fé abre ao amor... e o amor é fé.

Kierkegaard escreveu sobre o amor deste modo apelativo e edificante. Entendeu-o e viveu-o de modo religioso. A questão religiosa é importante, embora não saiba exactamente até que ponto reconheço essa dimensão de um Deus pelo qual se vive o supremo Amor (o que coloca a questão do modo como me relaciono com o absurdo).

De qualquer forma, ultimamente, tenho relido Kierkegaard. Algo na sua leitura prende definitivamente o pensamento. E a emoção. Em particular, a sua crítica à racionalização do amor. A afirmação de que o amor é um movimento que constitui um salto no desconhecido. Pela fé. Mas aqui a situação do homem é religiosa. Antes, situou-se no nível estético (na vivência do desejo), depois no ético (na vivência do casamento), finalmente no religioso (amor incondicional).

Porque o ser humano é finitude e vive no confronto com o infinito, porque procurando-se infinito no que é finito, o amor só se realiza verdadeiramente como fé face a Deus. O amor no plano do finito (amor por outro ser humano) é inicialmente possível, mas confronta-se com o que caracteriza o seu plano de finitude, ou seja, a impossibilidade. Ao tornar-se possível, deixa de ascender ao infinito, já não sendo, então, o amor. A sua impossibilidade deve conduzir à resignação, face à sua não realização (porque tenderá à racionalização) no plano do finito.

"O cavaleiro, portanto, recordar-se-á de tudo, mas essa recordação será precisamente a fonte da sua dor; no entanto, graças à sua infinita resignação, encontra-se reconciliado com a vida. O seu amor pela princesa tornou-se, para ele, a expressão de um amor eterno, e tomou carácter religioso; transfigurou-se num amor cujo objecto é o ser eterno, o qual, sem dúvida, recusou ao cavaleiro favorecê-lo, mas, pelo menos, tranquilizou-o dando-lhe a consciência eterna da legitimidade do seu amor, sob uma forma de eternidade que realidade alguma lhe poderá arrebatar. São os jovens e os loucos que se gabam de que para o homem tudo é possível; mas no mundo do finito há muitas coisas que são impossíveis. Mas o cavaleiro torna o impossível possível encarando-o sob o ângulo do espírito, e exprime esse ponto de vista dizendo que a ele renuncia. "
Soren Kierkegaard, Temor e Tremor

Mas o amor implica sempre "o salto". Quem o dá é o cavaleiro da fé.


"O absurdo não pertence às distinções compreendidas no quadro próprio da razão. Não se pode identificar com o inverosímil, o inesperado, o imprevisto. No momento em que o cavaleiro se resigna, convence-se, segundo o humano alcance, da impossibilidade. (...) O cavaleiro da fé tem também lúcida consciência desta impossibilidade; só o que o pode salvar, é o absurdo, o que concebe pela fé. Reconhece, pois, a impossibilidade e, ao mesmo tempo, crê no absurdo; (...).

(...) Se alguma vez conseguisse realizar esse movimento, partiria para o futuro, numa carruagem puxada por quatro cavalos."
Soren Kierkegaard, Temor e Tremor

Imagens: Wim Wenders, As Asas do Desejo - pesquisa do Google

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O último reduto


Muita da atracção (e do encanto) de fenómenos que normalmente englobamos no domínio da percepção extra-sensorial, resulta da sua natureza resistente. Resistentes ao conhecimento, resistentes, portanto, à clarificação. Em última análise, resistentes à sua possível e fértil utilização. Porque, na medida em que radicam na mente de cada um, pertencem somente ao próprio.

Refiro-me a todos os conteúdos mentais, conscientes e inconscientes. No limite, refiro-me a toda a actividade da mente, a qual pode ser estudada no contexto das neurociências cognitivas. E refiro-me também a tudo o que parece resistir e escapar a este conhecimento científico.

A questão é: no futuro próximo, algum conteúdo da nossa vida mental conseguirá permanecer oculto?
Vi recentemente um pequeno documentário, no qual essa possibilidade de manter a privacidade do que pensamos tem os dias contados. Talvez coisa de uns cinco anos, de acordo com os investigadores norte-americanos (não são os únicos a estudar o caso, os japoneses, por exemplo, também têm investido muito nesta área). O que foi afirmado peremptoriamente é qualquer coisa desta magnitude: "Você pode estar sentado numa sala de espera do aeroporto; um invisível raio laser é-lhe apontado à testa - área do córtex pré-frontal - e os seus pensamentos serão "lidos"/conhecidos" por outros que neles estão interessados". Ora, uma situação destas, em vias de se tornar científica e tecnologicamente possível, terá certamente consequências no futuro da nossa vida humana: éticas, políticas, militares, etc, para lá das científicas e filosóficas, propriamente ditas.

A visão do ser humano como um imenso agrupamento celular, que atinge a sua mais alta complexidade ao nível do córtex cerebral, parece-nos redutora. Não seremos nós tanto mais do que isso? Consciência individual e liberdade, por exemplo? Por outro lado, talvez sejamos tão-só um animal complexo, o qual, numa perspectiva algo darwinista, evolui no sentido do auto e hetero-conhecimento. Num ou noutro caso (em especial - parece-me - no segundo), o futuro exigirá protecção. Para que o termo "humano", aplicado a nós, continue a fazer sentido.

Foi também por isto que veio à minha memória um livro interessantíssimo, lido há uns anos atrás. Retiro dele o seguinte:

"Aparentemente, a consciência é o tipo de coisa que os cientistas cognitivos estudam - de facto, neste momento é a grande moda entre os cientistas de toda a espécie. Decidiram que a consciência é um «problema» e que tem de ser «resolvido».
Para mim isto foi uma novidade, mas não particularmente bem-vinda. Acho que sempre considerei que a consciência era do domínio das letras, especialmente da literatura, e ainda mais especialmente do romance. A consciência, afinal, é aquilo sobre que versa a maioria dos romances, certamente aquilo sobre que versam os meus. A consciência é o meu ganha-pão. Talvez precisamente por isso nunca tenha visto nela nada de problemático enquanto fenómeno. A consciência é simplesmente o meio onde se vive e se tem uma noção da identidade pessoal. O problema é representá-la, especialmente nos diferentes eus de uma só pessoa. (...) Quase me sinto ofendida com a ideia de a ciência meter o nariz neste mundo, no meu mundo. Será que a ciência ainda não se apropriou o suficiente da realidade? Agora também tem de reivindicar a essência intangível e invisível do eu?"
in David Lodge, Pensamentos secretos


Nota: o documentário referido foi visto no programa "60 minutos" - SIC Notícias

Mais informação sobre o tema AQUI

Video do documentário AQUI

Imagem: pesquisa do Google


Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...