segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Céus, para que vos quero?

«Na minha qualidade de hóspede das termas, de geólogo e passeante, não posso dizer que me agrade particularmente o tempo, que está demasiado instável; mas a sua observação, essa acho-a extremamente divertida e da maior importância. (...)
Aliás, toda a nossa observação do tempo se refere apenas às lutas que a atmosfera tem de travar com vapores e névoas e nuvens de toda a espécie; (...).»
J.W.Goethe, Observações em Karlsbad (Setembro de 1819) in O Jogo das Nuvens

Às vezes, interrogo-me acerca do porquê de o meu olhar tomar a direcção das nuvens, e acerca da razão pela qual o céu tem o enorme poder de me atrair, seja ele, hoje, de um belo azul, e logo depois, amanhã, de um cinzento pardo e triste... Porquê?  Porque é que a amplitude do espaço, a imensidão dos céus, e a sua quase despovoada paisagem conseguem renovar-me o olhar?
É claro que as anotações de Goethe, acerca das nuvens e das condições atmosféricas em geral, hoje só possuem algum valor científico à laia de curiosidade. Por outro lado, a fotografia deste céu algo turbulento, a que aqui mostro, tem apenas um valor pessoal, não constituindo nenhum trabalho de fôlego do ponto de vista verdadeiramente artístico e fotográfico. Apesar disto tudo, ela revela-me alguma coisa relativa aos benefícios de uma certa amplitude do olhar. Relembra-me também que "todas as coisas têm o seu tempo debaixo dos céus..." - assim o diz aquele belíssimo poema no «Cântico dos Cânticos».
Sendo que tudo isto me ocorre, não deixa de ocorrer-me ainda que muito melhor mundo este seria, se a terra onde vivemos pudesse ser um prolongamento dos céus sob os quais nos movemos. Em lugar disso, tudo se prepara para que a nossa atmosfera, e até o céu mais além..., venha a tornar-se um prolongamento desta superfície terrestre tristemente poluída e quase agonizante. Perante a desumanidade do planeta, até os céus tendem a "não querer" ser humanos. No entanto, é difícil esquecer: não há nada como o movimento pairante de uma nuvem por cima da nossa cabeça, para nos recordar com extrema evidência que o tempo passa... porque tudo passa... porque nós passamos...



Foto de A. P.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

À deriva em atmosfera de verão

Imagine-se a totalidade e que do todo é preciso escolher. Por exemplo, "escolho as pepitas de ouro desta vida que se escoa à volta". Cuidadosamente e com rigoroso critério. No estado pós-seleccionar duradouramente atinge-se uma atmosfera minimal. E a pergunta é: o que fica? Pouco. E depois? De novo pouco, e muito menos ainda... E depois? O que fica? E depois, continuemos...? O que resta? Suponho que se chegue a um nada. Deve ser quando nem sequer nos escolhemos a nós próprios.
Escolher é eleger mas também fazer desaparecer. Escrever é sempre um excesso. Respirar é um excesso. Estar vivo é transbordar logo de manhã e verter de si sempre mais para o resto do dia. Só há manhãs porque há excesso de luz. Se dissertar sobre... será um excesso da palavra. Sempre que voltar a escrever, serei excessiva. Seguramente. E dizê-lo é um excesso. 
Ser moderada, é dizer: Até já. Sem exclamar. Ser excessiva é dizer: Até sempre... (porque se deseja mais tempo). Há a possibilidade de não dizer nada. ...mas depois, é voltar ao excesso do dizer. Estar vivo é não desaparecer, tão só porque nos escolhemos. Aparecer no mundo é dizer alguma coisa - registar, explicitar, pronunciar. Ser excesso. Ser excessiva, eu.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A transformação das convicções

"Maurice Blanchot, romancista e crítico. A sua vida é inteiramente dedicada à literatura e ao silêncio que lhe é próprio."





... aqui guardo, com pena de só encontrar disponível a primeira parte deste interessante documentário.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

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Edouard Manet, Woman Writing (1862-64)

Quando há um bocadinho mais de tempo para ler, encontram-se coisas assim, digamos, do tipo "um certo beliscão". Por isso, toca a acordar. Digo eu.

«"Mr. Barnes, estudámos o seu caso e concluímos que o seu medo da morte está intimamente ligado aos seus hábitos literários que não passam, como para muitos da sua profissão, duma reacção banal à sua condição mortal. Inventa histórias para que o seu nome e uma incalculável percentagem da sua individualidade continue após a morte física, e essa esperança traz-lhe algum consolo. E mesmo que intelectualmente tenha percebido que pode perfeitamente ser esquecido antes de morrer, ou logo a seguir, e que todos os escritores acabarão por ser esquecidos, assim como toda a raça humana, ainda assim parece-lhe que vale a pena. Não podemos ter a certeza se escrever é para si uma reacção visceral ao medo racional ou uma reacção racional ao medo visceral. Mas tem aqui uma coisa para pensar. Aperfeiçoámos uma nova operação ao cérebro, que elimina o medo da morte. É um procedimento simples que não necessita de anestesia geral - pode, aliás, seguir o resultado no seu monitor. Não perca de vista o ponto luminoso cor de laranja e veja-o esbater-se gradualmente. Mas é claro, descobrirá que a operação lhe tira a vontade de escrever; muitos dos seus colegas, porém, optaram por este tratamento e acharam-no muito benéfico. No geral, a sociedade também não se queixou por haver menos escritores."»
 in Julian Barnes, Nada a Temer


Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...