domingo, 24 de fevereiro de 2013

aceleração

aparelho/relógio desenvolvido por Wundt

Uma diferença essencial entre tempo e espaço é que se pode, normalmente, voltar a lugares de outrora, mas não a outros tempos. Já não podemos percorrer as ruas de antigamente como se tivéssemos 6 anos. A passagem do tempo de que nos lembramos já não pode ser testada face à realidade. Levanta-se a questão se valeria sequer a pena testá-la. Muitas estimativas e avaliações do tempo, como "há muito tempo" ou "velho", opõem-se à correcção, tal como o olhar retrospectivo sobre as ruas de outrora. Talvez porque assentem sobre uma medida especial: o próprio indivíduo. (...)
(...) qualquer pessoa é a sua própria medida oscilante e, tal como com uma antiga régua de cálculo, o resultado depende da posição da parte deslizante.
Não restam, entretanto, dúvidas sobre o sentido do deslocamento ao envelhecer. Um abrandamento objectivo cria uma aceleração subjectiva e aí interfere também o ritmo dos relógios biológicos. Os ponteiros de muitos desses relógios andam mais depressa num corpo jovem do que num corpo mais velho. Se expressássemos a nossa idade nas voltas dos ponteiros de relógios fisiológicos, (...), teríamos de dizer que somos jovens há muito tempo e pouco tempo velhos. Talvez isso explique o porquê de os dias de criança serem tão compridos e o tempo da velhice passar de forma tão inquietantemente rápida: inconscientemente, vemos o tempo do relógio contra o pano de fundo do tempo fisiológico. Segundo Carrel explicou, o tempo objectivo, o do relógio, passa a um ritmo regular, como um rio por planícies. No início da vida, o indivíduo ainda corre, alegremente, pela margem, mais rápido do que o rio. Por volta do meio-dia, o ritmo já abrandou um pouco e corre ao mesmo ritmo. À tarde, quando fica cansado, a corrente acelera e ele fica para trás. Por fim, fica quieto e deita-se, ao lado de um rio que prossegue o seu curso, no mesmo ritmo imperturbável com que correu ao longo de todo o dia. 
Douwe Draaisma, Porque é Que a Vida Acelera à Medida Que Se Envelhece - Sobre a Memória Autobiográfica


[vale a pena conhecer um pouco do percurso de Alexis Carrel, e confirmar o facto de que mentes brilhantes, com contributos importantes para a história da humanidade, podem chegar a defender ideias realmente perigosas]

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

facturas

há uma coisa que eu não consigo positivamente entender: é ou não é preciso poupar papel?! reduzem-se custos de papel em todas as actividades, nomeadamente, educação, saúde, facturação de serviços vários, etc... via factura electrónica, e por aí fora... ao ponto de uma pessoa sentir que deve fazer os possíveis e imaginários para não desperdiçar... papel. agora, em poucos meses, sinto-me atulhada em papéis e papelinhos. e quantos mais irão acumular-se (e onde?!!!! teremos que arranjar uma arrecadação só para este efeito?!!)... se vamos ter que guardar as facturas por quatro anos?!
se isto não é desperdício, não sei o que o será! pergunta: com tanto sistema informático fantástico que por aí há, não seria de esperar uma solução mais racional, mais funcional, mais ecológica, para o problema da fuga aos impostos? em vez disso, o que temos é uma autêntica chuva de papel. no mínimo, incompreensível.
por outro lado, o consumidor final torna-se, segundo este modelo de combate aos espertalhões, um autêntico fiscal ele mesmo, sob pena de ser multado. ou seja, é coagido a fiscalizar toda e qualquer transacção na qual participe. vejamos: que o consumidor final participe e colabore no dito combate, parece ser algo importante e adequado ao papel de um bom cidadão. agora, que ele acabe por fazer o trabalho que a outros competiria, não me parece correcto. portanto, antes do fiscal final, temos o fiscal intermédio. 
acerto de contas: o que se gasta em papel, recupera-se com o trabalho gratuito do fiscal intermédio, a acrescer o eventualmente obtido pelo fiscal final. conclusão: quem perde é o cidadão (na sua privacidade e tranquilidade) e o planeta. parece um preço demasiado elevado para ir colocando no lugar o que já deveria lá estar.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

amor para todos os dias, ou seja, o amor





- esta podia ser uma pequena lição realmente adequada àquelas pessoas que, com um ar muito digno e sério, raramente se apercebem de que o mundo não gira à sua volta;
- podia ser, mas não será, porque essas pessoas não passam por aqui;
- e mesmo que passassem, por mero acaso, não seriam capazes de ver o vídeo atentamente até ao fim;
- e mesmo que o vissem, provavelmente diriam: ah, tolices!;
- e mesmo que não o dissessem, concluiriam introspectivamente que tudo isto é uma questão alien ou de filósofos, quer dizer, de gente com mania de futuros.

- ou talvez não. (mas isto sou eu a testar a minha empatia)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

antros

lembrei-me de confrontar a noção que tenho de "antro" com os significados dados para a palavra no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. fruto do acaso, quem sabe..., é-me dado também o significado da palavra do dia: "ecfráctico", ou seja, "que abre o apetite".
e como a nossa corrente de pensamento tem esta tendência natural para associar, dei por mim a pensar que há, de facto, antros que podem estimular o apetite, mas outros que tiram logo o apetite a uma pessoa, de tão cavernas que são. portanto, serão aqueles que não são nada ecfrácticos.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

nebulosas



o que vale é existir assim uma Nebulosa da Gaivota, para ir sobrevivendo aqui na Nebulosa Portucalense - onde não se vê nada, para além de...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Pi e a escolha é nossa

Life of Pi de Ang Lee (2012)

Pi ou nome improvável é aquele que nos coloca perante uma escolha. Se quisermos imaginar o tigre que há em nós ( e há?), vamos certamente encontrar - como alternativa para o real nome das coisas - uma bela imagem. Afinal, estaremos a mergulhar no reino da fantasia para enfrentar a violência e a brutalidade - a que os humanos podem não escapar. É isso que queremos? E é isso que preferimos, ou não? 
Ang Lee, mostrando que é possível utilizar as maravilhas da técnica de forma discreta e algo contida, recria paulatinamente esta viagem ao interior de cada um de nós, e até ao centro vital das nossas escolhas existenciais. E se muitos não a apreciam, isso deve-se ao facto de não preferirem a história de Deus, qualquer que seja a religião que crie a Sua narrativa. A história do tigre que há em nós, ou a história de Deus, podem não existir, mas surgem-nos como explicações preferíveis. Será que o são?
Talvez a verdadeira história seja aquela que se constrói por entre o oscilar inevitável entre fantasia e realidade. Encontrar o lugar certo de cada um destes domínios pode ser a verdadeira escolha a fazer, neste caso. Pi dá-nos a escolher e abandona-nos à escolha, por entre um sorriso ténue mas cúmplice. Nada a fazer. É preciso escolher, ou alguém escolherá por nós.

Facto brutal: quando Jyoti Singh Pandey foi violada por um grupo de animais humanos da pior espécie, regressava de uma sala de cinema - tinha ido ver A Vida de Pi. Serão tigres, esses tais? Pois então, eu sinto que certos tigres também se condenam. 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Amour

Amour de Michael Haneke (2012)


...e está tudo dito. é isto. mas não está tudo visto, se não nos sentarmos a apreciar seriamente este filme. difícil como a própria vida. afinal.
temos coragem de um confronto com a legitimidade/ilegitimidade da eutanásia? ou com a dignidade/indignidade humana?  então... é este o filme.

intervalo dos cansaços



Orgulho e Preconceito

Bicentenário deste "filho" de Jane Austen

- (...) É preciso que aprenda um pouco da minha filosofia. Lembre-se apenas daquilo que lhe causa prazer.
- Não creio que necessite de qualquer filosofia do género na sua vida. As suas retrospecções devem ser tão totalmente desprovidas de mancha que o contentamento que delas extrai se deve não a uma filosofia, mas à ignorância, o que é muito melhor. Comigo, porém, não se passa o mesmo. Quando penso no passado, sou assaltado por dolorosas recordações que não podem, nem devem, ser repelidas. Toda a minha vida fui uma criatura egoísta, se não na prática, pelo menos nos meus princípios. Em criança ensinaram-me o que era certo, mas não me ensinaram a corrigir o meu génio. Deram-me bons princípios, mas deixaram-me segui-los baseado no meu orgulho e no meu conceito. (...) permitiram, encorajaram e quase me ensinaram a ser egoísta e tirânico, a não me interessar por ninguém para além do círculo da família, a desprezar todo o resto do mundo e a minimizar o seu bom senso e o seu valor comparados com o meu. Assim fui eu dos oito aos vinte e oito; e assim permaneceria ainda se não fosses tu, minha querida e encantadora Elizabeth!
Jane Austen, Orgulho e Preconceito

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...