quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Capri e Gorki - 1


«Não é certa a data do primeiro encontro entre Gorki e Lenine. Há quem sustente que foi em Bruxelas, no decurso de um Congresso do Partido Social-Democrata Alemão. Ao ser-lhe apresentado, Lenine felicitou Gorki pelo livro A Mãe, publicado pouco tempo antes, tendo logo convidado o escritor a associar-se ao seu movimento político.»

«(...) Tenho contudo, para mim, que a data do primeiro encontro é anterior a 1905. Situá-la-ia em finais do século XIX, na altura da inauguração do Teatro de Arte de Moscovo, em Outubro de 1898. (...) Mas tão-pouco é esta data segura, uma vez que, mais ou menos nessa época, Lenine fora condenado a três anos de "exílio administrativo" na Sibéria. Já teria dele regressado?»

«Independentemente da verdade no tocante a este ponto, o certo é que logo se estabeleceu uma corrente de simpatia que, mau grado desavenças várias, perdurou pela vida fora, conforme o atesta a correspondência trocada entre ambos. Nem de outro modo se compreende as idas de Lenine a Capri por dois longos períodos de tempo no meio de afazeres e compromissos de toda a ordem.»

«Diário de Gorki, embora não datado. (Esta passagem deve ter sido redigida por essa altura.)
"Lenine, esta manhã no terraço da nossa casa: - o indivíduo isolado de nada vale, por maiores que sejam os seus méritos, se não estiver inserido num projecto comum. Tenho tendência a concordar, mas com uma diferença de peso, todavia: para ele, a verdade pertence ao domínio da política e aí se esgota, para mim é antes de mais espiritual e civilizacional. O resto virá por acréscimo." Salientando, porém: "Há uma secura no pensamento de Lenine que me confrange e à qual sou alheio. Raciocina em termos geométricos, cruzando linhas e abrindo outras. Eu apreendo as coisas à maneira dos pintores, por contornos e matizes, a minha fantasia nasce de uma sucessão de imagens e alimenta-se delas. A realidade que procuro talvez não exista, mas todos os dias a vou encontrando, à minha maneira." (...)»

«(...) Ao acaso: "Há gente assim cujos defeitos, de tão graves, anulam por completo as qualidades, por mais brilhantes que estas sejam. Patella dizia-me hoje que o mal de Lenine é o de nunca ter visto uma couve crescer, nunca ter acompanhado um filho à escola, nunca ter ido à pesca numa chata a remos e retornar a casa de mãos vazias. Sim, passar horas a fio no mar, em vão. Para nada. (...)
Vou mais longe: eu diria que Lenine nunca presenciou a agonia de um ente querido. Também isso lhe falta. A morte dos outros é igualmente a nossa, porque nós somos os outros!".»

«Já aqui o dissemos: esta percepção um tanto monolítica da personalidade de Lenine afigura-se-nos por demais simplista e não corresponde à realidade (...).»


Literatura (portuguesa) ao mais alto nível. Um livro que exigiu seguramente muito trabalho de investigação ao seu autor. Uma novela que se apresenta como um falso ensaio sobre um diário fictício.
Com admirável amplitude de horizontes na análise das personagens históricas (contrariando percepções monolíticas, e cito aqui o autor). Aponta para uma visão moderada de Gorki, face a um radicalismo de Lenine. Recria um confronto entre humanismo e ideologia. Por tudo isto e ainda mais, é um excelente trabalho de imaginação e criatividade. Uma pérola!

Para voltar...


segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Triagem - 1


É sabido que a vida tem fases e que a cada uma delas corresponde um determinado conjunto de características que a marcam. Já há algum tempo que tenho procurado definir a minha fase actual. Tarefa não fácil, procurar ver para lá da dimensão do eu, carregado de subjectividades, artifícios, auto-justificações, e etc e tal...

O minimalismo sempre me foi difícil. No entanto, admiro essa atmosfera (interior ou exterior) de inspiração. Acho que nunca conseguirei imbuir-me verdadeiramente desse espírito. Interesso-me por demasiados assuntos. E, por mais que ambicione a simplicidade, é a complexidade do todo e de tudo que me persegue.
Talvez pelo passar do tempo... à medida que nos apercebemos do quanto é precioso, talvez por isso surja a necessidade de fazer uma triagem interior. Sobretudo interior, porque são os aspectos volitivos que comandam em grande medida a vida (não por inteiro, pois isso seria a pura liberdade na sua versão mais simplista).

Talvez este comando interior para seleccionar se prenda com o caos circundante. Com a sensação de que nunca será possível compreendê-lo por inteiro. É complicado evitar que o exterior tenha um profundo reflexo no interior de cada um.
Sempre me fascinaram as imagens de barcos à deriva no meio de grandes tempestades. Mas, sobretudo, quando se torna evidente que lutam por manter o rumo.

Está visto que a minha triagem não põe de lado inquietações do tipo filosófico-existenciais!


segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Momentos filosóficos - 2


Chamei à minha memória e à minha reflexão autores do passado. O que pode ser um paradoxo temporal (ou não) é o facto de inúmeras vezes os encontrar mais actuais que muitos actuais.
Acontece que um dos temas que faz a actualidade é o tema da opinião: ter opinião formada ou não; fazer a opinião de...; dar opinião sobre...; opinar aqui e ali; sondar a opinião... e por aí adiante, ao longo de um sem número de adaptações possíveis do termo.
Pois parece-me legítimo, e até necessário, ter opiniões. Embora muitas vezes seja preciso reconhecer que não se tem opinião. Ou assinalar o facto de que o que defendemos é apenas uma opinião. Por vezes, acontece ser preferível não ter opinião, em vez de ter uma opinião desinformada, ou que não é do próprio(a). Outras vezes não, e as opiniões também podem coincidir. Na verdade, é complicado. Ainda que possa parecer simples.
Também pode acontecer ser desastroso construir toda uma sociedade fundada em opiniões (ou crenças). Não tenho nada contra opiniões. Eu própria tenho as minhas. No entanto, que competências sociais podem de facto desenvolver-se com opiniões apenas? Julgo que são escassas e ineficazes. Ou seja, o mundo da opinião é um terreno importantíssimo, o que não obsta ao facto de em certos domínios ser absolutamente necessário ir mais além. Quando somos convocados a tomar uma posição, por exemplo. Quando dessa posição resultam consequências que afectam não só cada um, mas muitos outros. Sendo que por detrás desta cortina nem sempre transparente de motivações, levados a pronunciar-nos, existem decisões a tomar. E decidir nunca é fácil. Refiro-me a decidir conscientemente.

É neste terreno perene e transbordante de flutuações que me ocorre a importante distinção platónica (ainda que longínqua do ponto de vista temporal) entre opinião e ciência (ou saber). Recordando este ponto, é sabido que Platão considerava a opinião (doxa) um domínio inferior do conhecimento relativamente à ciência (episteme).
Usando de algum rigor na análise desta temática, há que reconhecer ser impossível dominar todas as matérias acerca das quais nos pronunciamos, com os necessários fundamentos científicos (não esquecendo que este termo é aqui usado para lá do seu significado actual, recolhendo dele o seu carácter de verdadeira sabedoria, à luz do sentido que possui na filosofia platónica - e que se distancia largamente de competências exclusivamente técnicas, o que fica para outra altura...). Pressupõe-se, no entanto, que há saberes que conferem autoridade em determinadas matérias. Se a especialização pode ser, por vezes, algo redutora, não deixa de ser necessária. Em especial, conta-se com ela (ou deveria contar-se) para a aquisição de competências de cidadania. Conta-se com quem sabe sobre... Para nos elucidar. O contar-se com alguém para tal efeito implica um voto de confiança. Só há confiança quando se reconhece autoridade. Esta só existe quando se apresentam provas.
Evidentemente, a questão é inesgotável. As especulações (filosóficas e outras) continuarão e é bom que continuem... Quando é preciso agir e andar para a frente... é preciso decidir. Duvido sempre de conhecimentos absolutos. Nem a ciência hoje é considerada absoluta (com as suas constantes rupturas e substituições de paradigmas). As ideias platónicas, esse mundo das formas perfeito e imutável, provavelmente não está ao nosso alcance. Mas se é desaconselhável defender o absoluto, não o é menos a defesa do relativismo. Sabendo que todas as nossas posturas podem conter uma certa margem de incerteza e erro, é preciso avançar. Não é certamente avanço adoptar opiniões na base do critério da mera influência ocasional. Resultado de simpatias ou de interesses. Ou de outros factores altamente subjectivos que ficam por assinalar. Não é certamente avanço oferecer opiniões desinformadas e de compromisso. É que uma opinião fundamentada não é nada fácil. Porque já se afasta do domínio do subjectivo e procura ascender ao patamar do rigor e da seriedade... Uma empreitada! Se calhar, não vale a pena viver sem a experimentar.


Imagem daqui



quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Yeshayahu Leibowitz





Yeshayahu Leibowitz : Um grande intelectual, um filósofo e um cientista, designado por Isaiah Berlin como "a consciência de Israel". Pelas suas opiniões e convicções, foi persona non grata para muitos dentro do seu próprio país. Condenou a intervenção militar e foi contra a política de Israel nos territórios ocupados. Parece ser hora de recordá-lo. Não só por isso, mas também por todo o seu pensamento em geral.

Afinal... uma mulher não pode ser rabi. Não é tão evidente assim (muito menos o foi no passado) que as mulheres sejam pessoas. Ainda menos evidente é que elas possam e devam tomar parte na vida religiosa, política e cultural do seu país.

A verdade é que valeria bem a pena ler melhor este pensador. Traduções portuguesas, desconheço. Brasileiras? Talvez. A qualidade dos filmes disponíveis, assim como a escassez de tradução nos mesmos... lamentável. Merecia um grande documentário e o ultrapassar da barreira que constitui o hebreu.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Épico psicológico







Tomo a liberdade de considerar o filme "A Troca" um épico psicológico.
Eu gosto muito dos filmes de Clint Eastwood (não obstante ser republicano), do estilo formal contido e forte, ao mesmo tempo. Gosto das cores sóbrias com as quais o poder da realidade nos atinge. Mas o que me impressiona verdadeiramente é a profundidade do mundo humano que nos oferece. São sempre filmes do tipo "um certo murro no estômago". Sem qualquer vulgaridade ou masoquismo. Porque o murro não é gratuito, acontece com fundamento. Através de um olhar sério e incisivo lançado sobre as grandes questões da natureza humana, feitas carne e osso nos seus representantes mais anónimos e vulgares (?).

"A Troca" apresenta uma excelente reconstituição de época e, igualmente, excelentes interpretações. A história que lhe deu origem é tão inacreditável quanto verídica. Mas o ponto forte deste filme é a conseguida intenção do seu realizador (na minha óptica): enaltecer princípios éticos e valores morais que andam algo esquecidos no nosso mundo. Existem os bons e os maus no filme, sim, é verdade. Mas os maus são tão humanos quanto os bons. Acontece que estão do outro lado da luta. Porque nela existem posições tão marcadas como num palco de teatro. E este é o palco da vida.

O enredo que poderia ser abordado segundo um qualquer horror banalizado, como muitas vezes acontece, ganha e conquista aqui uma dimensão épica. Pela construção psicológica de personagens fortes, corajosas e lutadoras. A História faz-se também e, talvez, sobretudo pela intervenção do cidadão mais comum, muitas vezes anónimo. Se os ideais de justiça e de solidariedade humana implicam coragem na sua defesa, são muitos os que lutaram por eles sem serem reconhecidos. É que, geralmente, destes cidadãos comuns não reza a história. Mas ela vai-se escrevendo... assim. Entre o individual e o social.
Depois de ver, fica-se a pensar.


Imagens: pesquisa do Google

sábado, 10 de janeiro de 2009

Dia de Festa

Hoje é um dia de festa em Catharsis. Uma festa pequenina que é como gosto mais, e os tempos não estão para grandes festas. Também não gosto de barulho. Só às vezes. Quando a música é sinónimo de descontraída alegria e exaltação.





Apesar de provavelmente estar mais sensata (?), ainda tenho dúvidas acerca do facto de ter alcançado a idade da razão. Lembrei-me da Simone de Beauvoir, a este propósito. Mas concluo finalmente que todos os dias são um misto de razão e emoção. Durante toda a vida...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Gaza

É impossível não me confrontar com o inferno que este lugar do mundo parece ser. Do que o mundo precisa é de paz. Mas é a guerra que o assola. Não sei (?) se o progresso tem que ser "escrito por linhas tão tortas". Mas estou certa de que escapar ao retrocesso implica obedecer a um imperativo: encontrar (urgentemente!) um caminho mais justo e humano.




A questão é por demais problemática e polémica. Difícil de resolver. Exige reflexão, mas também tomada de posição.
Estaremos todos de acordo quanto ao essencial da situação actual?! Os inocentes são inocentes e têm que ser salvaguardados das atrocidades que resultam de longos e complexos desentendimentos!
As imagens que nos obrigam à consciencialização, ainda que nem sempre totalmente reveladoras da dimensão da tragédia (deveriam sê-lo?, deveremos procurar o confronto com elas? : o que coloca a questão do pudor acerca das imagens, a da sua violência inerente e específica, à qual estamos sujeitos), são uma conquista da nossa civilização. Conseguimos obtê-las facilmente nesta nossa era, temos os meios técnicos e tecnológicos para as criar e divulgar. Mas... e os meios para impedir a guerra?! E os meios para proteger os inocentes nela envolvidos?!
Alguma vez esta questão será verdadeiramente resolvida?! Como é difícil o diálogo e a cooperação entre os povos!

Estas são algumas opiniões e conclusões que me pareceram interessantes (e suficientemente ponderadas) acerca deste conflito recorrente, e da muito dramática situação vivida no território da faixa de Gaza. Só lamento que o cansaço da guerra não tenha sido ainda suficiente, para evitar o actual estado das coisas...







Imagem: pesquisa do Google

domingo, 4 de janeiro de 2009

Branca de Neve


É difícil os contos de fadas e afins perderem o encanto, mesmo com o passar do tempo. Foram muito das fantasias da minha infância e gosto de os partilhar com os mais pequenos. Na verdade, com todos, de qualquer idade. Sobretudo, gosto muito de os reviver, reinventando-os agora com toda a carga simbólica que neles encontro. Quanto ao encanto, esse, permanece intocável.

Fui assim atraída pela recriação do conto "Branca de Neve" - um bailado contemporâneo e romântico de Angelin Preljocaj, o qual pude apreciar recentemente no CCB. Não como entrada no novo ano, mas sim como despedida do anterior.

Acerca deste bailado há a destacar: a música de Gustav Mahler (sempre deslumbrante!), os figurinos de Jean Paul Gaultier (magníficos!), e a coreografia de Angelin Preljocaj (que desconhecia e me cativou!) . Mais aqui
e aqui

É excelente constatar que o passado pode renovar-se com grande qualidade. Sem perder o encanto.

Aqui fica a minha nota e o meu registo: Valeu a pena!




Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...