sábado, 8 de fevereiro de 2014

violência passiva


 
Fui ver 12 anos escravo. É um filme sério. Muito sério. Regra geral, a escravatura é tema abordado segundo a sequência: de uma total ausência de liberdade rumo à sua busca incessante. Aqui, o que temos é o inverso: de uma vida em liberdade até à sua perda brutal. Talvez seja isso que faz toda a diferença, ou talvez seja tão só a perfeição das imagens e a inteligente montagem do filme, ou as excelentes interpretações, ou algo mais, ou algo menos, não sei. Mas é alguma coisa que nos revolta ao nível mais profundo da existência. Alguma coisa que tem a ver com todas as vidas humanas e que perpassa o filme... alguma coisa tão antiga como a própria humanidade, e alguma coisa que ameaça o seu futuro.

É um filme sério, dizia eu. E digo. Tão sério que custa encarar. Aliás, o filme tem uma das poucas cenas que, em cinema, não consegui ver na íntegra: insuportáveis a dor e a vergonha. Quem o vir, saberá qual. É nesta seriedade e gravidade, peso e brutal realidade, é nisto mesmo que reside o melhor e o pior desta verdadeira obra de arte. Sério porque a nossa vida em comum é séria. Mas falta-lhe o toque de irreverência e humor que nos dá forças para enfrentar a injustiça, e a brutalidade que o nosso mundo encerra. Mas nada em nós é perfeito. Nem este filme. 

Quero deixar registada uma cena. Uma cena silenciosamente espectacular. Qualquer coisa como, dizendo-o muito aquém de... Um homem está semi-enforcado. Pende da corda que roça à volta da sua garganta ameaçando cortar o fio que ainda o liga a uma miserável vida.  Permanece durante horas... neste equilíbrio instável. Com movimentos ligeiros da ponta dos pés toca a lama. Tenta afrouxar a força da corda que ameaça partir-lhe o pescoço a qualquer momento. E isto durante muito tempo... Mas agora, o dia nasce. Em pano de fundo, os outros escravos retomam as suas tarefas diárias. Andam de lá para cá, passam por ele, trabalham, comem. Na maior indiferença. Ninguém parece dar conta da barbaridade, do sofrimento, da brutalidade, da injustiça. Não há movimentos de revolta. Apenas resignação: "ainda não foi a minha vez". E a vida decorre com o sofrimento e o desumano mesmo ali ao lado. Mesmo ali ao lado. Companheiros de escravatura. Em silêncio total. Em pesado silêncio. Finalmente, a medo e furtivamente, alguém tem coragem para dar um pouco de água ao quase enforcado. Mas logo foge. E depois, a vida corre para o amanhã. Quando tudo será igual.

A indiferença tornada magnífica. Revoltante.

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...