terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Livro da Consciência

O novo livro de António Damásio tem os seguintes objectivos e justificações, considerando as palavras do próprio autor:

«Este livro aborda duas questões. Primeira: como é que o cérebro constrói uma mente? Segunda: como é que o cérebro torna essa mente consciente? Tenho perfeita noção de que abordar questões não é o mesmo que responder-lhes e que, no que respeita à mente consciente, seria disparatado partir do princípio que é hoje possível obter uma resposta definitiva. (...) Todavia, é razoável analisar as questões e usar os dados presentes, por mais incompletos e provisórios que sejam, para elaborar uma conjectura testável e sonhar com o futuro. O objectivo deste livro é reflectir sobre essas conjecturas e discutir um corpo de hipóteses. O ponto central é a estrutura necessária ao cérebro humano e a forma como tem de funcionar para que surjam mentes conscientes.
Todos os livros devem ser escritos por uma boa razão e a razão para este foi começar de novo. Há mais de trinta anos que estudo a mente e o cérebro humanos e já escrevi sobre a consciência em artigos científicos e livros. Todavia, a reflexão sobre descobertas relevantes em projectos de investigação, recentes e antigos, tem vindo a alterar profundamente o meu ponto de vista em duas questões particulares: a origem e a natureza dos sentimentos, e os mecanismos por trás da construção do eu. Este livro constitui uma tentativa de debater noções actuais. Em grande medida, o livro é também sobre aquilo que ainda não sabemos, mas gostaríamos muito de saber.»
António Damásio, O Livro da Consciência 

(o título do livro rende homenagem a Fernando Pessoa, um dos grandes trabalhadores literários da consciência, segundo António Damásio)

Começar de novo parece-me uma excelente razão para escrever. Para ler também.


 [o sublinhado é meu]

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Inclinações naturais

Que tipo de amigos preferimos?

«Schiller, a quem Herder chamou "o mais inspirado de todos os kantianos", opôs-se ao rebaixamento das inclinações naturais e troçou disso num belo epigrama. (...) (Gosto de ser prestável para os amigos, mas infelizmente faço-o por inclinação natural; por isso muitas vezes me torturo por não ser virtuoso). Mas não servimos apenas o amigo por inclinação; julgamos também os seus actos de amizade perguntando a nós próprios se ele os fez ou não por calorosa simpatia natural. Se fossemos kantianos puros e consequentes, faríamos o contrário: apreciaríamos acima de tudo aquele que, embora instintivamente nos detestasse, interrogasse a moral responsável e fosse por ela forçado a tratar-nos convenientemente, apesar das suas inclinações naturais. Na verdade, sentiremos quando muito, diante de um tal benfeitor, uma forma atenuada de respeito, ao passo que sentimos uma calorosa afeição por aquele que nos trata como amigo porque "lhe apetece" e isso lhe dá prazer, sem que lhe venha à cabeça fazer qualquer coisa que mereça o nosso reconhecimento.»

A questão evidente é a de apurar até que ponto as inclinações naturais são determinantes para o comportamento dos seres humanos, face ao peso de uma moral responsável. Posto que, à questão de saber se, no nosso caso, há inclinações naturais, Konrad Lorenz responderia afirmativamente. Pelo que também escreveu:

«(...) a moral responsável actua como mecanismo compensador num sistema do qual a inclinação natural - que não é necessariamente desprovida de valor - forma outra parte indispensável.»

Excertos de: Konrad Lorenz, A Agressão - Uma História Natural do Mal


[A minha pergunta inicial - "Que tipo de amigos preferimos?" - admite implicitamente a possibilidade de uma concepção/vivência da amizade fundada inicialmente numa moral responsável]



Imagem: Misty Gamble  AQUI

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Com as primeiras chuvas



I woke up in my clothes again this morning
I don't know exactly where I am
 I should heed my doctor's warning
He does the best with me he can

He says I suffer from delusions
Oh I'm so confident I'm sane
This can't be no optical illusion
So how do you explain
Shadows in the rain
Shadows in the rain

Now if you see us on the corner
We're just dancing in the rain
I tell my friends there when I see them
Outside my window pane
Shadows in the rain
Shadows shadows in the rain

Shadows in the rain


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ler é um prazer, conversar também

Que podemos fazer quando alguém escreve tão bem? Certamente, ler e reler - indiferentes a essa outra forma de tirania, a da eterna juventude.

«Como parte da consciência da sua existência, enquanto a velhice assaltava a mente outrora infantil, fez esforços ocasionais para visionar a sua situação tal como a ciência mostrou que ela era. Olhava para a meia-lua e tentava vê-la, não como a deusa Diana ou uma decalcomania de uma revista de banda desenhada, mas como uma esfera suspensa no vazio, com o seu lado iluminado como uma infalível indicação de onde o Sol brilhava, no outro lado da enorme massa redonda da Terra. Tentou imaginar a superfície sob os seus pés como sendo curva e a deslocar-se para trás, em direcção ao nascer do Sol. Com um esforço maior, tentou imaginar o vazio como algo parecido com a sua verdadeira vastidão, com cada estrela a anos-luz da seguinte e o vácuo quase-absoluto do espaço interestelar contendo partículas virtuais que, de alguma forma, geravam uma energia contrária à gravidade, empurrando e afastando as estrelas e as galáxias cada vez mais depressa, até o Universo se tornar invisível para si próprio, frio e escuro para todo o sempre, ámen. (...) As coisas eram como eram e tendiam a ser sempre iguais, geração após geração.» 
John Updike, Os Guardiões in As Lágrimas do Meu Pai (colectânea de contos)


Uma conversa com John Updike 

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A ternura do mestre

Tetro é um filme que tão cedo não sairá da minha memória.


Uma fotografia de suster a respiração. Uma trama intimista marcada por instantes sublimes. Uma música belíssima. E a ternura do mestre. Coppola é, na maturidade da sua carreira, um verdadeiro mestre.




Perdi o filme no Estoril Film Festival. Voltei a perdê-lo mais tarde, por isto e por aquilo. Mas não poderia perdê-lo sempre. Está Esteve em reposição no Cinema King, em Lisboa, apenas no dia 04 de Setembro - feito para ver e rever, agora em DVD.



Sobre o filme no Lauro António Apresenta

sábado, 4 de setembro de 2010

Claro-escuro

 "Sem dúvida, mesmo aquele que viveu de modo mais suportável percebe que, no todo, a vida é um disappointment, (...), ou, por outra, traz o carácter de uma enorme mistificação, quando não, ostentação."
(Schopenhauer, Do sofrimento do mundo)

Sinceramente, há dias nos quais tomar nota de certas notícias constitui um verdadeiro atentado à sanidade mental. Ouvi dizer, ainda há pouco, num programa da Sic Notícias (repetição sobre o processo Casa Pia- perdi o primeiro, pelos vistos), que Portugal continua a ser um país nas trevas. Que o país esteja em tal estado tenebroso, parece-me grave. Isto, a fazer fé no que afirmam as doutas pessoas com direito a tempo de antena.
Quem se sabe vivo nas trevas e, ainda assim, nas trevas fica, mais sombrio parece ser. Pois, é que dito assim, tal como ouvi dizer, eu não gosto. Parece que estão a chamar-nos nomes... Há que admitir , no entanto, a possibilidade de a existência humana ser um longo jogo de luzes e sombras... Verdade, verdade, isto é tudo muito vago. Afinal, o que são, exactamente, essas trevas? E o que é a luz? Talvez tudo fosse mais claro se nos elucidassem começando por aí...

Posto isto, dá vontade de brincar com coisas sérias, e dizer que tudo ficaria mais luminoso neste  longo e interminável processo (um grande facto inexplicável); sim, seria um descanso, se tudo acontecesse segundo o modelo do Lie to me. Porque toda a mentira seria, então,  rápida e eficientemente desocultada. Não sendo assim, eu começo por respeitar a justiça e as suas decisões, entretanto divulgadas, e, em simultâneo, mantenho também o meu respeito pela defesa que os visados continuem a empreender acerca de si, o que lhes é garantido pela mesma justiça. Na certeza, porém, de que o caso continuará a ser um verdadeiro paradigma da história interminável...



(Agradeço ao Bicho Carpinteiro a dica relativa à divertida série Lie to me)


Imagem de Kumi Yamashita

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...