quinta-feira, 31 de julho de 2008

Kafka - Um fragmento



As minhas leituras de Kafka começaram com a sua "Carta ao Pai", ao entrar na idade que designamos por adulta. Logo de seguida, devorei a inesquecível "Metamorfose". Um pouco mais tarde, embrenhei-me n' "O Processo", tendo relido dele vários capítulos no Verão passado. Continuei com "O Castelo" que me apetece reler. Leio e releio os seus "Contos" periodicamente...

Confesso que adoro o estilo e considero-o intemporal. Acabadinho de ler, por mim, está este "O Fogueiro - Um Fragmento". Pequeno texto que na sua aparente simplicidade não deixa de ser interessantíssimo.

Alguns aspectos a considerar: trata-se do primeiro capítulo do romance "O Desaparecido"; Kafka minimizava a qualidade e o valor dos seus textos e revia-os, escolhendo para publicar muito pouca coisa - foi este o caso d' "O Fogueiro" e, por isso, insistiu com o editor em apresentá-lo como sendo apenas um fragmento; é assim que este texto vem a ser publicado em Maio de 1913, na primeira série da colecção «O Dia do Juízo», a qual viria a tornar-se importante para a história do expressionismo alemão.

"Era realmente como se o fogueiro não existisse mais. Karl olhou atentamente para o tio, cujos joelhos quase tocavam nos dele, e duvidou que aquele homem alguma vez pudesse vir a substituir o fogueiro. O tio evitou o seu olhar e fitou as ondas, que faziam baloiçar o escaler."
in "O Fogueiro", Kafka

O fogueiro é uma personagem sui generis que serve de pretexto para mostrar - dentro do universo de absurdos onde nos encontramos enredados - que as relações humanas podem ser mais espontâneas e afectuosas, autênticas e consequentes, quando as pretensões relativas a uma certa e determinada posição social estão ausentes dos relacionamentos.
É assim que o jovem Karl, protagonista da história, conclui preferir uma vida incerta, tendo um fogueiro como amigo e partilhando com ele os seus problemas profissionais. A bordo de um navio alemão que acaba de chegar a Nova Iorque, Karl despede-se deste improvável amigo, depois de inesperadamente ter descoberto que era procurado pelo seu tio, um homem de posição elevada. Dentro de si a sensação de estar condenado à frieza e ao distanciamento na vida nova que o espera...
Tudo se passa de modo inconfundivelmente kafkiano.


segunda-feira, 28 de julho de 2008

Tempo para um Filme


Lust, Caution de Ang Lee: um filme que estreou algures no princípio deste ano de 2008 em Portugal. Não fui vê-lo ao cinema, mas coloquei-o na minha lista de pendentes a não perder. Para quando tivesse tempo para o apreciar.
Finalmente, vi o filme. Ou o Filme.



Se eu já era admiradora deste realizador de cinema, agora sou-o incomparavelmente mais... É preciso possuir um especial ponto de vista estético para criar assim... Uma visão sensível, delicada, intensa, dramática, sensual, grandiosa e profunda. Tocante.



Uma homenagem a grandes filmes clássicos, que não pode deixar os seus admiradores indiferentes.



Baseado no conto da escritora chinesa Eileen Chang. A autora da história também merece destaque. Um enredo de grande riqueza dramática, uma brilhante e profunda análise da natureza humana, onde a vivência do patriotismo se confronta com emoções e desejos individuais.



Nada no filme surge ao acaso. Nada é gratuito. É preciso vê-lo e apreciá-lo como um todo. Admirar a criação artística que mergulha na alma humana sobretudo com o olhar.
Interpretações excepcionais.

Uma impressão que marca também a minha opinião: o filme foi criticado por alguns quanto à sua lentidão. Relativa, evidente. De facto, o filme marca um tempo que não corre depressa. Se há filmes que nos agarram pela velocidade, outros agarram pela lentidão. Apreciei precisamente essa forma de nos dar tempo, de permitir entrar devagar no ambiente, de assimilar a época, os lugares, as atmosferas. Pode não ter nada a ver directamente, mas este "ter tempo para" fez-me lembrar uma característica dos romances da Jane Austen, cuja leitura tanto me atraiu no passado... Também aí o tempo é marcado com diferentes ritmos. Uma cena tão simples como um lento passeio pelo jardim pode representar para a história um momento essencial, pelo qual o leitor pode vir a "ficar" realmente nela. Tal como aqui, no filme, o espectador.

A música é lindíssima!



domingo, 20 de julho de 2008

Um conto para um elevador




O tempo de férias também pode ser um convite para escrever. Estão todos convidados a participar nesta viagem ao mundo da imaginação. Passem por http://elevadorantologia.blogspot.com para saber como funciona. Depois... é só escrever um conto, um poema, um texto ao vosso gosto! Ou simplesmente passar por lá para ler...! Também podem contribuir com imagens, desenhos, pinturas, etc...
Desde já, obrigada a todos pela atenção.


Imagem daqui


terça-feira, 15 de julho de 2008

Twist

Tenho muita pena que já só se dance raramente o twist. Estes são instantes de um filme que oscila entre o sério e o divertido... Com um certo sentido de humor que não se deve perder ao longo da vida...




domingo, 13 de julho de 2008

A Sala Magenta

«A Sala Magenta» é o último livro de Mário de Carvalho e também a minha leitura mais recente e já concluída.
Fabuloso exercício literário que mistura a (aparente) simplicidade dos ambientes com a extrema densidade psicológica e dramática de um anti-herói que nos agarra desde o início com a sua radical auto-análise e o seu peso existencial diário.

A sala decorada em tons magenta, onde um revólver aparece, aparentemente bastante descontextualizado, é o lugar simbólico onde se tecem os desejos e as ansiedades, os sonhos e as expectativas... lugar que funciona como salvação-ilusão-decepção face ao mundo real.
Ou de como a vida pode passar sem se agarrar realmente...



"Na sala de tons magenta, cortados por vermelhões e negros súbitos, num conchego alcatifado, a um tempo tranquilizador e abafadiço, predominavam as linhas horizontais, os volumes arrastados dos velhos sofás, a luz indirecta de candeeiros de estilo, com muito uso de família. Maria Alfreda queria os cortinados sempre corridos, excepto quando estavam a sós, nas noites de Verão, em que ela punha a descoberto o céu e os telhados, num acto solene de descerrar o cenário, praticado com a gravidade das ocasiões raras.»
in A Sala Magenta, Mário de Carvalho

Imagem daqui


quarta-feira, 9 de julho de 2008

Walter Matthau



Agora que o tempo de férias começa a ganhar algum terreno, apetece-me recordar um dos meus actores de comédia preferidos: Walter Matthau. Mas o que me agrada mesmo é rever alguns dos seus filmes...
Um misto de divertimento malandro, bondade e serenidade, próprios do seu carisma, fazem as delícias de uma fã como eu. Quem parte sendo assim, fica para sempre presente...




domingo, 6 de julho de 2008

Passes de magia



Há algum tempo atrás adquiri um livro que depois ficou de lado. Pareceu-me traçar um cenário futuro de exagerada catástrofe. Trata-se de «O fim do petróleo - O grande desafio do século XXI» de James Howard Kunstler.

Face ao actual estado da economia e, sobretudo, face ao actual preço dos combustíveis, voltei a pegar no livro. Comecei a pensar que o autor talvez tenha razão quanto a algumas questões. Longe de concordar com muito da sua perspectiva, reconheço existirem motivos para nos preocuparmos com o futuro do planeta e com as condições de vida que deixaremos ficar para as gerações vindouras. De uma forma mais imediata (e também a médio e longo prazo), existem razões para nos preocuparmos com as consequências de uma tão grande e notória dependência do petróleo. Actualmente, quase toda a nossa vida depende, directa ou indirectamente, desta matéria-prima, um dos principais recursos naturais de que dispomos (ainda ?).

Uma tão extrema dependência nunca poderá ser positiva. Está na hora de procurar a todo o vapor energias alternativas e investir nas reconversões que se revelarem necessárias.

Talvez valha a pena ler o livro, afinal... Ao retomar a sua leitura, entre tantos aspectos polémicos e interessantes nele focados, retive na memória uma passagem. Não pude deixar de ficar estupefacta face ao modo como se desenrola a economia... face aos verdadeiros passes de magia que se realizam nesta área... face à íntima relação entre ela e a vivência cultural... Se não, vejamos:



"A orgia de compra e venda de casas, que se verificou em princípios do século XXI, foi desencadeada pela política da Reserva Federal, no quinquénio de 1998-2003, de redução constante da taxa de juro que cobrava aos bancos para emprestarem dinheiro, o que se repercutiu por todo o sistema de empréstimos ao ponto de as hipotecas atingirem valores sobrenaturalmente baixos. As taxas de juro baixas foram acompanhadas por uma acentuada decadência das práticas de empréstimo, pelo que praticamente qualquer pessoa (...) conseguia uma hipoteca com uma entrada mínima ou mesmo sem ela. Outros factores favoreceram a transferência do capital de outros investimentos para a habitação. (...) só palermas recorreriam a cadernetas de poupança com uma taxa de juro de 1,75%. A derrocada das dot-com tinha feito com que muita gente abastada da classe média se sentisse enganada e desconfiada. É até possível que o profundo horror dos ataques de 11 de Setembro tenha inspirado uma espécie de mentalidade de bunker, que se traduziu numa mania de as pessoas construirem o seu ninho. (...) Uma grande parte da riqueza excedentária que ainda existia nos Estados Unidos em finais do século XX acabou no sector imobiliário, ao abrigo da teoria de que, ao menos, era real.

Na verdade, a população dos Estados Unidos estava a crescer, mas não a uma taxa que justificasse a construção de tantas «McHouses» novas, como se chamava às «unidades» nos bairros que iam surgindo. (...) E, subjacente a tudo isto, estava a máquina de criação de crédito da Reserva Federal de Alan Greenspan, fabricando electronicamente dinheiro que não existia realmente, que não se estava a acumular pelos meios tradicionais, na verdade os únicos meios autênticos de poupar com base em rendimentos obtidos por um trabalho real a produzir coisas reais. Tratava-se de um acto de magia.

As taxas de juro sobrenaturalmente baixas provocaram uma orgia de compra, a orgia de compra aumentou o preço das casas e, quando os preços das casas levitaram, os proprietários entraram noutra zona nova e estranha de acumulação alucinada de riqueza, recorrendo ao dispositivo mais recente: a «hipoteca refinanciada». Os refinanciamentos permitiram aos proprietários utilizar as suas casas como se fossem um caixa automático. Digamos, por exemplo, que uma pessoa comprou uma casa em 1999 por 250.000 dólares e que, em 2003, a casa foi reavaliada em 400.000 dólares; essa pessoa pode refinanciar-se com um substancial lucro em dinheiro, convertendo o aumento de valor imaginário em rendimento disponível, que pode ser usado para comprar barcos a motor, televisores plasma para ver cinema em casa ou viagens a Las Vegas. Num acto de prestidigitação, o refinanciamento terá proporcionado à economia americana cerca de 1,6 biliões de dólares em cinco anos, e grande parte desse «dinheiro» foi usado na aquisição de bens de «consumo», a maioria produzida fora dos Estados Unidos. (...)

Quando este livro for lido, é muito provável que a especulação imobiliária já tenha começado a causar aflições. (...)"
in James Howard Kunstler, "O fim do petróleo"

A ser verdade... pode concluir-se que o virtual também domina o sector económico...

Imagens: daqui e daqui


terça-feira, 1 de julho de 2008

Democracia quotidiana


É preciso ter algumas certezas. E é preciso ter algumas dúvidas. Certezas são tudo aquilo que nos faz avançar, diz-se... Interrogo-me se não serão as dúvidas que nos dão motivação para continuar...?

O mais simples exemplo é este:
Perante uma certeza que tenha, gostaria de encontrar nos outros assentimento. Os outros gostariam do meu assentimento perante as certezas deles. Quando não há assentimento mútuo, qual a etapa seguinte? Imposição ou diálogo?

Imposição ou diálogo não é dizer tudo. Nem sempre se adopta a imposição ou o diálogo, também se pratica o convencimento e o alheamento. Pessoas alheadas convivem aparentemente mas a cisão é óbvia e permanente. A imposição é de evitar, provoca ressentimentos. Resta uma forma algo híbrida, algures entre o diálogo e as cedências inerentes, inevitáveis, e o convencimento via argumentos racionais ou factuais (com o problema dos falsos argumentos). Procurá-los dá trabalho... É preciso não esquecer.

Uma ligeira reflexão sobre o futuro e a possibilidade das sociedades democráticas... algures no cerne de toda a convivência social.


Imagem: trabalho de Anselm Kiefer


Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...