quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O tempo pergunta ao tempo, quanto tempo o tempo tem, e o tempo responde ao tempo, que o tempo tem tanto tempo, quanto tempo o tempo tem.

Como é que sabemos que o tempo passa? Há um número de respostas infindável, claro que há... Eu, por exemplo, hoje, sei que o tempo passa por coisas tais como: há médicas que assaltam ourivesarias; há transplantes de fígado, agora possíveis para os seres humanos, mas que não se fazem em Portugal porque... e que só podem fazer-se em... porque...; o SNS está em risco; as minhas constipações demoram mais tempo a curar; a EDP tem capital chinês; há cada vez mais gente com fome; há cada vez mais gente que não pode comprar o que cada vez mais lhes é oferecido a cada esquina; quem trabalha, trabalha mais e ganha menos; falta muito agora do que se desperdiçou no passado; os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres; comentar tornou-se uma carreira promissora; o sonho americano parece cada vez mais ensombrado pela miséria dos States profundos; a Europa é Europa-Troika; descobrem-se novos planetas semelhantes à Terra que provavelmente nenhum humano virá a habitar; o Bosão de Higgs nunca mais aparece, mas ameaça...; recapitulamos um ano que finda porque gostamos de recapitular ano após ano; há gente fanática na Coreia do Norte e o líder morreu; há uma nova teoria da conspiração latino-americana; a terra continua a girar em torno do Sol - inexoravelmente, há noites e dias; o modo como o mundo era parece afastar-se de mim; eu sinto que devo reaproximar-me do mundo; eu "preciso" de fazer updates do meu estado regularmente... Na realidade, o tempo passa... Por tudo isto e muito mais... Não tanto porque não tarda estaremos em 1 de Janeiro de 2012. Mas também por isso, dado tudo o que essa convenção significa. A cada um, o seu significado. A cada um, os seus desejos. Registo: se há coisa que ambiciono continuar a fazer em 2012, é a ouvir música. Com tudo o que isso significa... 
Assim sendo, Ano Bom para todos! Com tudo o que isso possa significar!




A Toupeira (servida fria)


Tinker Taylor Soldier Spy ou A Toupeira (2011) do sueco Tomas Alfredson é um filme e tanto... Para já, são 127 minutos a exigirem extrema atenção, perante o complexo enredo e múltiplas personagens - ou seja, ninguém deve ir ver este filme para pura distração. No entanto, mesmo o mais atento sentirá que o intuito é ir desvelando... pois, tal como na vida mais autêntica, nada é dado de antemão. A teia tece-se devagar... mas, sobretudo, friamente. De resto, é este o ambiente, e a atmosfera: gélida. O sentimento está perfeitamente amarrado, e a couraça é mostrada com altivez. Ficamos, então, perante uma história de espionagem que decorre no período da Guerra Fria - adaptação do excelente best seller de John le Carré -, e o realizador faz jus a este "fria" com temperaturas negativas absolutamente espetaculares em termos estéticos e de desenvolvimento temático. Lealdade ou honra, o que fica é o caráter imperturbável de George Smiley/Gary Oldman, numa interpretação, a meu ver, soberba e extraordinária. 
Notável é também o escape total à abordagem cinematográfica mais comum deste tipo de histórias. Aqui, não há perseguições, tiros a granel, saltos impossíveis, ou vamps Mata-Hari ao estilo tão fatal como o destino. Na verdade, o espião é um funcionário, e a toupeira, inflitrada, move-se sempre por dentro de uma burocracia MI6 e seu simétrico correspondente Bloco de Leste. Admirável ainda a reconstituição dos ambientes e cenários da época. Um bom filme, sem dúvida. Pena a frieza extrema, sobretudo para quem o viu no final do dia de Natal. De qualquer modo, pareceu-me um excelente digestivo. Perfeito contra excessos.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Fé neuronal

As coisas fascinantes com que nos confrontamos via neurociências! É só escutar ou ler V. S. Ramachandran, por exemplo. Sugestões: Aqui ou Aqui.
Entre muitas ideias e investigações super-interessantes, Ramachandran fala-nos de sinestesia, neurónios-espelho, da consciência/sentimento de si (self), ou ainda de qualia. A rapidez de pensamento é absorvente, e as conclusões suscitam-nos ainda mais curiosidade sobre esse mundo fascinante do cérebro e da mente. Que pensar da existência de circuitos neuronais especializados na féE da sua relação com a epilepsia e os lobos temporais? Prepara-se o futuro para concretizar a hipótese de cada vez mais comportamentos induzidos, com base no conhecimento cada vez mais profundo de como funciona o nosso cérebro? Será possível suscitar estados mentais determinados, a um nível apenas imaginado possível em livros e filmes de ficção científica? Ou, por outro lado, a complexidade do cérebro e da vida mental manterão sempre uma porta aberta para o imprevisível?

When I Am Laid in Earth

Quando penso no reflexo musical de uma certa elegância e delicadeza de espírito, oscilo sempre entre Händel e Purcell... Pois, que mais dizer desta maravilhosa interpretação de Andreas Scholl de um tema tão fácil de estragar? Se há céu algures, ele passa por aqui.



E fica também a já lendária interpretação do mesmo tema por Janet Baker (When I Am Laid on Earth - Dido's Lament - de Dido e Aeneas)


parêntesis curvo

(rejeitemos as trevas. assustador não é o negro da noite e sim a escuridão das almas enclausuradas por motu proprio. longínquo o amanhecer e entretanto há quem não queira acender a luz)


Por mares que gosto de navegar: comer ou tragar?


Maio, 25
"Cada vez me apetece menos classificar os rapazes, dar-lhes notas, pelo que eles «sabem». Eu não quero (ou dispenso) que eles metam coisas na cabeça; não é para isso que eu dou aulas. O saber - diz o povo - não ocupa lugar, porque o que vale, o que importa (e para isso pode o saber contribuir e só contribuir) é que eles se desenvolvam, que eles cresçam, que eles saibam «resolver», que eles possam perceber.
No exercício escrito deste período, um dos temas, como atrás se viu, era o seguinte: «Que verso preferes? Este: Que a não puderam comer, ou este: Que a não puderam tragar? Porquê? 
Houve quem respondesse admiravelmente e ingenuamente (ingenuamente digo eu a pensar em certas explicações-pastiche universitárias para certos pormenores literários). E houve rapazes, como o Ludovico, que preferiram comer, porque ignoravam o verdadeiro sentido de tragar e lhes pareceu esta palavra desusada ou pouco bela. Ora o Ludovico em tudo me satisfez; a valoração deste tema era de 1,5; dei-lhe 20 no exercício, não me importando nada que ele não soubesse o que quer dizer tragar.
A aula de hoje foi feita à base do exercício e foi uma aula feliz. Houve interesse, «aprendeu-se». Agradeci-lhes terem sido honestos e pessoais; mostrei-lhes que tinham sabido ler a «Nau Catrineta» e que ver se tinham sabido ler a «Nau Catrineta» fora a única preocupação do exercício; depois tratei demoradamente cada alínea, falando eu o menos possível, salientando e dando a máxima importância a tudo que eles tinham visto melhor que eu. Eles estavam a ouvir-se, por isso a aula foi serena como nunca."
Sebastião da Gama, Diário


domingo, 4 de dezembro de 2011

Give me Power!


The Ides of March (2011) é um filme de George Clooney, e bastante interessante. Faz um retrato algo impiedoso dos bastidores das campanhas eleitorais para a presidência dos EUA. Nesta reconstituição, estamos na fase das primárias. A luta renhida para ser escolhido e ficar à frente passa por cima de escrúpulos e dilemas. O objectivo é apenas um: ganhar. Numa época em que a credibilidade daqueles que se dedicam à política é posta em causa, George Clooney não está com contemplações, e mostra que chegar ao poder não é brincadeira nenhuma. É caso sério, realmente: a partir do momento em que todos estão focados no objectivo primordial, os obstáculos só existem para ser ultrapassados. O resto são efeitos colaterais.
A visão de Clooney, certamente realista, mostra que o poder tem um preço elevado: é preciso "vender a alma ao diabo" e viver no permanente sobressalto da traição - que pode chegar de onde menos se espera. O terreno é pantanoso e venenoso, como é de prever, se envolve poder. E é caso para dizer, aqui, que os fins justificam os meios. Justificarão? Se sim, até que ponto? Pode muito bem ser até às últimas consequências. 
Um pormenor que retive, porque sempre foi um aspecto que me intrigou (até certo ponto), foi a importância dada a números. Numa campanha eleitoral, um candidato deve apresentá-los. Isso dá-lhe credibilidade, pois apresenta-nos uma imagem de cuidado, rigor e informação/preparação. Muito bem. Mas, se as coisas forem como o filme mostra, estes números tão sonantes, e gráficos e coisas do mesmo tipo... fabricados para o efeito, não representam necessariamente a realidade. Por tudo isto, e muito mais - veja-se, por exemplo, "o espalhar notícias", jogadas de informação e contra-informação, entre muitas outras hábeis estratégias; pergunto: não estará na altura de mudar alguma coisa nessa nobre actividade que é (deveria ser) a política? Sobretudo, ao constatar-se/constatarmos que estes métodos não têm dado lá muito bons resultados - para não dizer péssimos. É que se tudo isto é mesmo assim, e só pode ser assim (?), no mínimo, o que se espera de quem chega ao poder, depois de se despedaçar todo para lá chegar, é que faça alguma coisa, concreta, de jeito. 
Além da competente realização de George Clooney, o filme tem várias excelentes interpretações. Destaco a de Ryan Gosling/Stephen Meyers, cujo trabalho pode ser também avaliado em Drive (2011) - actualmente em exibição, e vencedor do prémio de melhor realizador no Festival de Cannes. 
Um filme diferente, um papel diferente - em ambos os casos, igualmente duros.


sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...