"O infinito, meu caro, é bem pouca coisa; é uma questão de escrita. O universo só existe no papel."
Paul Valéry, Monsieur Teste
Sim, o tempo foge, mas eu não fugi com ele, embora também vá passando... Ultimamente, tenho andado absorvida com a sensação de que a vida é uma Grande Leitura - o que me suscita uma crise do tipo síndrome de Bartleby, tanto mais aguda, quanto mais há para ler: aquele livro, aquela opinião, aquele comentário, aquele jornal... mas, também e cativantes, aquele rosto, aquela expressão, aquele movimento dos astros, esse constante ondear do mar, aquele riso e aquelas lágrimas... na verdade um imenso infinito de escritas, em papel ou não (até porque o papel hoje é outro), e que está aí para ser lido. Tudo se escreve, porque tudo se escreverá, mas nem tudo se lê, e não sei se tudo virá a ser lido. Por mim, não, pelo menos. Mas esta predisposição para ler, decifrar e interpretar tem como correlato incontornável uma espécie de recolhimento e de silêncio que procura escrever, sem conseguir, essa crescente densidade do universo que criamos. O universo é uma imensa e contínua criação, um feito de infinitas galáxias e constelações, onde cada um procura orientar-se (quando quer) a partir de uma grande leitura. Acontece termos que deixar de ler, para escrever. E, depois, ler... Uma vezes planeta, outras satélite.
18 comentários:
Ainda bem que quebrou o silêncio. Também não posso falar muito porque "fechei para descanso do pessoal".
No meu caso dei-me uma semana, mais ou menos, para me afastar de tudo,tudo, mesmo de tudo.
De quando em pouco é necessário.
O seu texto como sempre é uma bela peça.
Saudades e uma abraço, Ana Paula.
"O infinito, meu caro,
é bem pouca coisa;
é uma questão
de escrita.
O universo só existe no papel."
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Sempre Valéry me encanta.
Para lá de que... tem razão!
Como poderia o não-finito
ser outra coisa que uma figura do pensar?
E como pode o universo congeminar-se
senão como uma hipótese responsável
pela nossa transitoriedade?
Mas, por muito que diminuamos
a substância do nosso pensar,
escrever e falar
é a vibrante intercomunicação dos espíritos
que dá testemunho da realidade do mundo.
:)
o recolhimento e o silêncio são fundamentais, e cada vez mais
muito bom!
Ana Paula,
Para acrescentar à sua interessante reflexão: apesar de continuar a ler de tudo (sou omnívoro, o que dá um trabalho acrescido por estar sempre a habituar-me a outras casas), cada vez sinto mais a necessidade de ir podando. Estou a focar-me, a escolher o que poderá ser essencial, o que implica começar a afastar-me de muitas coisas que me interessam mas não poderão ser tão intensamente exploradas. E o focar começa a implicar o repetir: voltar aos textos fundadores, aos que guardam sempre mais por dizer do que aquilo que já nos disseram.
Boas leituras de si, lhe desejo.
Olhar por dentro
Miguel: muito obrigada pela atenção e pela compreensão deste estado de espírito :)
Por vezes, é importante abrandar a velocidade de navegação. Estamos de acordo.
Um abraço amigo e igualmente saudoso.
Olá, Vasco! Obrigada pela tua presença neste nosso espaço de intercomunicação, que desejamos vibrante, sem dúvida.
(tem mesmo razão, não é?)
P.S. - Boa (nova) foto! Que bem que estás :)
Ricardo (RAA):
Fazem cada vez mais falta, também me parece - ainda que até certo ponto, é claro. O silêncio sepulcral conduz ao imobilismo e, consequentemente, a uma espécie de morte. Mas o barulho das vozes movidas pela precipitação, foi algo que sempre me fez "dor de cabeça" :)
Luini:
Obrigada pelas boas palavras e pela visita :)
Porfírio,
O que acrescenta é tão ou mais interessante e, sobretudo, toca em dois pontos fulcrais: a selecção das leituras e a leitura de mim mesma.
Ou seja, eu que tendencialmente também sou omnívora, acho que devo seguir o seu exemplo e concentrar-me nessas leituras sempre repetidas do que nunca se esgota e, portanto, é consistente. Por outro lado, a par disso, não posso realmente esquecer-me de fazer uma leitura de mim mesma. E isso é, certamente, o mais difícil, e leitura para uma vida inteira - provavelmente também é escrita para uma vida inteira...
Muito obrigada pelo estímulo. Já agora, aproveito para dizer que gosto muito de o ler.
Quando podamos o que lemos, podamos em nós mesmos. E só podados crescemos. Para dentro.
Lê-la é um gosto.
Mar Arável: "olhar por dentro", sim!
:)
É verdade, Porfírio, há todo um trabalho a fazer, para crescer interiormente.
Obrigada :)
A lucidez de procurar, ainda que temporariamente, o silêncio. A lucidez de não deixar que ele nos carregue de imobilismo. A lucidez de combater a cacofonia quotidiana em que andamos mergulhados.
Inteligente e lúcido este texto. É de quem não se limita a sobreviver, mas a procurar a vida (qui est toujours ailleurs:-)))
Beijinho (silencioso, claro está)
Por ter que parar também, há tempo que aqui não vinha...
Há tanto para "podar" e semear...
Belo texto Ana Paula.
Beijinho grande
Ana
O silêncio, não é de todo enfermiço.Sabendo aproveitá-lo, fazemos escolhas, que há muito andamos a protelar.
Belíssimo texto Ana Paula.
Beijinho
Aprecio ler uma boa reflexão. Como esta. E depois escrever sobre o nosso pequeno/grande universo das palavras que somos nós.
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