terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Leio-te, mundo, escrevo-te? mundo

"O infinito, meu caro, é bem pouca coisa; é uma questão de escrita. O universo só existe no papel." 
Paul Valéry, Monsieur Teste

Sim, o tempo foge, mas eu não fugi com ele, embora também vá passando... Ultimamente, tenho andado absorvida com a sensação de que a vida é uma Grande Leitura - o que me suscita uma crise do tipo síndrome de Bartleby, tanto mais aguda, quanto mais há para ler: aquele livro, aquela opinião, aquele comentário, aquele jornal... mas, também  e cativantes, aquele rosto, aquela expressão, aquele movimento dos astros, esse constante ondear do mar, aquele riso e aquelas lágrimas... na verdade um imenso infinito de escritas, em papel ou não (até porque o papel hoje é outro), e que está aí para ser lido. Tudo se escreve, porque tudo se escreverá, mas nem tudo se lê, e não sei se tudo virá a ser lido. Por mim, não, pelo menos. Mas esta predisposição para ler, decifrar e interpretar tem como correlato incontornável uma espécie de recolhimento e de silêncio que procura escrever, sem conseguir, essa crescente densidade do universo que criamos. O universo é uma imensa e contínua criação, um feito de infinitas galáxias e constelações, onde cada um procura orientar-se (quando quer) a partir de uma grande leitura. Acontece termos que deixar de ler, para escrever. E, depois, ler... Uma vezes planeta, outras satélite.

18 comentários:

Miguel Gomes Coelho disse...

Ainda bem que quebrou o silêncio. Também não posso falar muito porque "fechei para descanso do pessoal".
No meu caso dei-me uma semana, mais ou menos, para me afastar de tudo,tudo, mesmo de tudo.
De quando em pouco é necessário.
O seu texto como sempre é uma bela peça.
Saudades e uma abraço, Ana Paula.

vbm disse...

"O infinito, meu caro,
é bem pouca coisa;
é uma questão
de escrita.

O universo só existe no papel."

____________________________________

Sempre Valéry me encanta.
Para lá de que... tem razão!

Como poderia o não-finito
ser outra coisa que uma figura do pensar?

E como pode o universo congeminar-se
senão como uma hipótese responsável
pela nossa transitoriedade?


Mas, por muito que diminuamos
a substância do nosso pensar,
escrever e falar

é a vibrante intercomunicação dos espíritos
que dá testemunho da realidade do mundo.

:)

Ricardo António Alves disse...

o recolhimento e o silêncio são fundamentais, e cada vez mais

Luini Nerva disse...

muito bom!

Porfirio Silva disse...

Ana Paula,
Para acrescentar à sua interessante reflexão: apesar de continuar a ler de tudo (sou omnívoro, o que dá um trabalho acrescido por estar sempre a habituar-me a outras casas), cada vez sinto mais a necessidade de ir podando. Estou a focar-me, a escolher o que poderá ser essencial, o que implica começar a afastar-me de muitas coisas que me interessam mas não poderão ser tão intensamente exploradas. E o focar começa a implicar o repetir: voltar aos textos fundadores, aos que guardam sempre mais por dizer do que aquilo que já nos disseram.
Boas leituras de si, lhe desejo.

Mar Arável disse...

Olhar por dentro

Ana Paula Sena disse...

Miguel: muito obrigada pela atenção e pela compreensão deste estado de espírito :)
Por vezes, é importante abrandar a velocidade de navegação. Estamos de acordo.

Um abraço amigo e igualmente saudoso.

Ana Paula Sena disse...

Olá, Vasco! Obrigada pela tua presença neste nosso espaço de intercomunicação, que desejamos vibrante, sem dúvida.

(tem mesmo razão, não é?)

P.S. - Boa (nova) foto! Que bem que estás :)

Ana Paula Sena disse...

Ricardo (RAA):
Fazem cada vez mais falta, também me parece - ainda que até certo ponto, é claro. O silêncio sepulcral conduz ao imobilismo e, consequentemente, a uma espécie de morte. Mas o barulho das vozes movidas pela precipitação, foi algo que sempre me fez "dor de cabeça" :)

Ana Paula Sena disse...

Luini:
Obrigada pelas boas palavras e pela visita :)

Ana Paula Sena disse...

Porfírio,
O que acrescenta é tão ou mais interessante e, sobretudo, toca em dois pontos fulcrais: a selecção das leituras e a leitura de mim mesma.
Ou seja, eu que tendencialmente também sou omnívora, acho que devo seguir o seu exemplo e concentrar-me nessas leituras sempre repetidas do que nunca se esgota e, portanto, é consistente. Por outro lado, a par disso, não posso realmente esquecer-me de fazer uma leitura de mim mesma. E isso é, certamente, o mais difícil, e leitura para uma vida inteira - provavelmente também é escrita para uma vida inteira...

Muito obrigada pelo estímulo. Já agora, aproveito para dizer que gosto muito de o ler.

Porfirio Silva disse...

Quando podamos o que lemos, podamos em nós mesmos. E só podados crescemos. Para dentro.
Lê-la é um gosto.

Ana Paula Sena disse...

Mar Arável: "olhar por dentro", sim!
:)

Ana Paula Sena disse...

É verdade, Porfírio, há todo um trabalho a fazer, para crescer interiormente.

Obrigada :)

C. disse...

A lucidez de procurar, ainda que temporariamente, o silêncio. A lucidez de não deixar que ele nos carregue de imobilismo. A lucidez de combater a cacofonia quotidiana em que andamos mergulhados.

Inteligente e lúcido este texto. É de quem não se limita a sobreviver, mas a procurar a vida (qui est toujours ailleurs:-)))

Beijinho (silencioso, claro está)

anamar disse...

Por ter que parar também, há tempo que aqui não vinha...
Há tanto para "podar" e semear...
Belo texto Ana Paula.
Beijinho grande
Ana

eduarda disse...

O silêncio, não é de todo enfermiço.Sabendo aproveitá-lo, fazemos escolhas, que há muito andamos a protelar.
Belíssimo texto Ana Paula.
Beijinho

Alberto Ó disse...

Aprecio ler uma boa reflexão. Como esta. E depois escrever sobre o nosso pequeno/grande universo das palavras que somos nós.

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