quarta-feira, 11 de abril de 2012

atmosferas


às vezes sou levada a tentar descrever atmosferas, ainda que não goste delas. uma atmosfera, neste sentido que pretendo algo figurado, é uma espécie de envolvente que respiramos enquanto inteiros, talvez aquilo que absorvemos de um modo vago e difuso também com o nosso corpo. para mim, o interessante de tentar descrever uma atmosfera, passa precisamente por tentar tornar definido e preciso o que está no ar e que parece escapar. enfim, algo da espécie processo lento e gradual de consciencialização. um tema estimulante que fica para outra oportunidade.
ora, o que é que está no ar? acho que sei. no entanto, é-me difícil dar-lhe um nome. mas um génio cinematográfico como Hitchcok foi capaz de criar e recriar magistralmente atmosferas. portanto, socorro-me do seu brilhantismo para discorrer sobre o momento actual. 
um dos grandes filmes deste mestre do suspense, Os Pássaros ou The Birds (1963), consegue fazer-nos sentir a presença de uma inexplicável ameaça que paira à nossa volta, uma atmosfera de potencial ataque e de perigo iminente corporizada na figura de um sem número de pássaros que circundam e definem um cerco cada vez mais apertado. presença constante, lá estão eles, aproximando-se assustadoramente de nós - isto, uma vez que acabamos por nos situar dentro do filme (proeza de que só alguns movie makers são capazes). enquanto a vida parece decorrer com normalidade... ocupados todos nas suas tarefas diárias, a atmosfera adensa-se. os pássaros são cada vez mais numerosos. à volta formam uma massa escura e perturbadora. há uma sensação de pesado silêncio. o mundo é um lugar estranho. tal como o amor - que faz parte do mundo.
é impossível esquecer a célebre cena da cabine telefónica. nela, Tippi Hedren/Melanie Daniels apercebe-se finalmente da dimensão da ameaça. da sua realidade opressiva e da sua monstruosidade. tudo parece tornar-se agressivo. o céu azul cobre-se de pontos negros que escapam esvoaçantes e atacam esfomeados. as vagas de atacantes tornam-se cada vez mais espessas. onde encontrar refúgio? bom, quanto ao mais, é ver ou rever o filme, um dos que merecem sempre renovada atenção.


hoje, já estamos na cabine telefónica assistindo incrédulos a um cenário voraz. amanhã, o mais tardar, é preciso procurar abrigo. a propósito: no filme, sabemo-lo, sobrevive muita gente. com marcas para a posteridade, como não podia deixar de ser. 


4 comentários:

Mar Arável disse...

Por vezes melhores são

os vagarosos instantes

analima disse...

Um dos filmes (de sempre) que mais impressão me causou. E isso deve-se, sem dúvida, a Hitchcock. Muito bem pensada a associação com o nosso estado geral de ansiedade face às várias ameaças que nos cercam.

Ana Paula Sena disse...

pois é, Mar Arável :) sobretudo quando nos dão a real dimensão das coisas...

Ana Paula Sena disse...

é mesmo um grande filme, Analima. deixa uma impressão que perdura através do tempo...

estes tempos... estes tempos... que nos consomem...

um abraço :)

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