«A imagem da praia, este vislumbre dos representantes da cultura que gozam despreocupados à beira-mar os prazeres dos sentidos, distraiu-o e alegrou-o como sempre. (...)
Quero ficar, pensou Aschenbach. Que outro lugar seria melhor? E com as mãos cruzadas no colo, deixou que os olhos se perdessem na imensidão do mar, deixou que o olhar fugisse, se fundisse e diluísse na neblina monocórdica do espaço deserto. Amava o mar por razões profundas: a necessidade de repouso do artista fatigado que tenta encontrar abrigo na vastidão não complexa para as muitas formas e caprichos da sua fantasia; uma inclinação, contrária ao seu trabalho e logo também mais apetecível, para o desmedido, para o incomensurável e eterno, para o nada. Repousar na perfeição é o desejo de todos os que procuram a excelência; e não será o nada uma forma de perfeição?»
Quero ficar, pensou Aschenbach. Que outro lugar seria melhor? E com as mãos cruzadas no colo, deixou que os olhos se perdessem na imensidão do mar, deixou que o olhar fugisse, se fundisse e diluísse na neblina monocórdica do espaço deserto. Amava o mar por razões profundas: a necessidade de repouso do artista fatigado que tenta encontrar abrigo na vastidão não complexa para as muitas formas e caprichos da sua fantasia; uma inclinação, contrária ao seu trabalho e logo também mais apetecível, para o desmedido, para o incomensurável e eterno, para o nada. Repousar na perfeição é o desejo de todos os que procuram a excelência; e não será o nada uma forma de perfeição?»
in Thomas Mann, A Morte em Veneza
16 comentários:
Belas quadros, belos textos... adorei conhecer este seu espaço e beber das palavras
Luis
Bem lembrado! Excelente ligação imagem/excerto.
Neste momento, e mesmo não sendo artista,o "Nada" ( = "férias")afigura-se-me uma forma de perfeição...
Um beijinho.
Ehehehe, eu acho que depende do nada! ;D
Repousar na perfeição... se não houver perfeição não conseguimos repousar... nem que ela seja engendrada a partir do interior e baseada no facto de ignorarmos a imperfeição!! ;D
Porque a imperfeição motiva-nos a não repousar... a imperfeição move-nos. Que bom é quando conseguimos detectar as imperfeições ao nosso redor e as nossas próprias (sobretudo estas últimas) e mover-nos no sentido de as aperfeiçoar... :)
Beijinhos!
Aí está um livro que não li. Tenho que o fazer.
bjs
Não sei se o filme é tão opressivo quanto o livro. A julgar pela escolha do Adagietto do Mahler, diria que sim...
Não sei o que é melhor; o livro ou o filme. Creio que este superou o texto. Lembras-te bem este texto. Um abraço e boas férias. Vou dar mais umas voltas.
Obrigada, Luís :) Seja bem-vindo!
Austeriana: É isso também para mim.
Ou seja, faço minhas, as suas palavras: «neste momento, mesmo não sendo artista, o "Nada" = Férias", é uma forma de perfeição»!
Um beijinho cheio de férias :))
Porcelain: a imperfeição também tem vantagens, mas a perfeição é sempre a meta, a referência. Se ela se encontrar, por breves instantes que seja, acho que podemos ficar um bocadinho mais perfeitos também :)
Um beijinho cheio de férias perfeitas!
Violeta: eu também não li montes :)
Este, li-o depois de ver o filme. Ambos são verdadeiras obras de arte. Belíssimos, ainda que tristes também.
Beijos também para ti.
RAA: "opressivo" é a palavra. Mas uma opressão carregada de beleza. Se é que tal é possível...
Vi primeiro o filme, li depois o livro. Ambos são belíssimos, mas, a meu ver, o filme elevou a atmosfera do livro a uma opressão ainda mais intensa. Dilacerante. A par da beleza sufocante de algumas cenas. O Adagietto do Mahler é a pedra de toque, um rasgo de expressividade que enriquece todo o drama.
Poematar: como vês, concordo contigo. O filme vai mais além na grandiosidade, ao expôr o drama.
Beijinhos e boas férias também para ti :) Com voltas perfeitas!
um dos mais belos livros que li........ um dos mais belos filmes que vi (...visconti..)....
uma das mais belas músicas em consonância (mahler)....
sim agosto é azul.
agosto será mar,
será céu...........
um beijo
Há um outro pequeno conto de Thomas Mann que não fica atrás d'"A Morte em Veneza": "O Cisne Negro". Vale a pena!
comprei um peq livro de mão de uma elegante srº com pequenos apontamentos manuscritos dedicatorias desenhos 1896-1908 :)
algumas das passagens sao de um tempo de termas (a norte) :)
faz sonhar :)))))
beijo
E embora que muitas se vezes se ouça...por vezes, o mar - fundir-se com ele, não está ao alcance de todos...
Como só vi o filme há muito tempo, lembrei-me de ir hoje aqui à nossa melhor livraria ver se ainda lá estava "A Morte em Veneza", que vi da última vez que lá tinha estado numa caixa de livros em promoção, mas nessa altura interessaram-me outros principalmente Bernard-Henri Lévy (agora ando encantada com o homem), e de T. Mann só o sítio. Aliás, o livro que naquele dia de calor, em que me deixou um comentário solidário, que agradeço, fui buscar à biblioteca, também é dele: "O Século de Sartre", mais de 7oo pp de Bernard. Por isso não vou dizer nada sobre "O NADA" porque, como deve calcular, com estas leituras, o meu cérebro só processa conceitos do "Nada" de, por exemplo, o "Ser e o Nada" de Sartre, e não quero que fique a bocejar, mas que tenha umas boas férias. Já agora, e porque me informaram que algumas editoras incluindo a Imprensa Nacional, vão destruir os livros excedentes, estes livros que estão em promoção nesta livraria custam entre €1,00 e €7,00. Por um de Rilke paguei €2,00. Não será esta uma forma mais adequada de mostrar mais respeito pelos livros?
Um abraço. Boas férias.
Muito obrigada a todos por este pequeno momento de reflexão partilhada sobre o mar, e a sua capacidade de nos deslumbrar e apaziguar :))
Maria Josefa Paias: muito obrigada pelo comentário tão enriquecedor :)
Nunca ficaria a bocejar com os seus tópicos e considerações. Pelo contrário, constituem sempre um estímulo dos melhores. Na verdade, também os meus neurónios processam o conceito de Nada muito filosoficamente, ainda que, por vezes, para fazer jus à noção, tente permanecer num limbo que, em rigor, só alcanço intermitentemente.
Agradeço-lhe imenso também a sugestão acerca do Bernard-Henri Lévy. Fiquei com muita curiosidade e vontade de ler algo dele. Conheço o autor, mas superficialmente.
Quanto aos livros, estou com o coração apertado! Destruir?! Mil vezes preferível dar ou vender por preços simbólicos. Sinceramente, vou tentar adquirir alguns, o mais rápido possível. Muito, muito obrigada :)
Boas férias!
Um livro que se lê vezes sem conta, é daquelas obras inesquecíveis pela beleza rara do ambiente. O filme, extremamente belo!
Beijinhos, Ana Paula,
Isabel
um prazer sempre renovado: ler o livro, ver o filme, ouvir Mahler...
obrigada.
beijo, ana paula
Imagem fabulosa desse nevoeiro do Lido, encontrei-o (sem os chapéus de Sol) ali a oeste, na serra del rey! esse filme cria-me uma nostalgia entusiasmada, tenho de o rever! bjo
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