Flaming June de Frederic Leighton (1830-1896) |
Já lá vai um tempo, citei Aqui Peter Sloterdijk, a propósito da Europa. Hoje, o projecto europeu coloca-nos uma série de questões novas, algumas delas talvez previsíveis, mas que agora irrompem em todo o seu esplendor. Olhando o horizonte dos possíveis... será que vemos o futuro que estamos a construir? Ou a destruir (conforme a perspectiva)?
Peter Sloterdijk é um filósofo alemão considerado dos mais importantes da actualidade (entrevista recente no El País). Extremamente polémico, sem dúvida, tem a marca inconfundível dos grandes pensadores. É certo que o seu pensamento me suscita algumas discordâncias e perplexidades, mas julgo que vale a pena relembrar algumas palavras suas, acerca desta Europa a que pertencemos.
«Hoje, a intelligentsia europeia deve a si própria um exemplo de que a política praticada em grande é possível para lá do Império e do desprezo imperialista. O poder que se exerce a partir de Bruxelas sobre a grande Europa encontra-se agora perante uma escolha. Ou quer passar para um imperialismo mais ou menos aberto, nomeadamente sob influência de cenários sugestivos que profetizam uma guerra económica entre os Estados Unidos, o Japão e a Europa, bem como uma guerra mundial por infiltração do Sul contra o Norte. Ou compreende que a sua oportunidade reside na translação do Império para um não-império, uma nova união de entidades políticas. Se se decidir por um novo Império, perde o resto da sua alma e provoca o seu próprio desaparecimento por depravação nas três gerações futuras. Apenas com a aliança da ambição e do cinismo, nenhuma cultura moderna percorrerá nem que sejam cem anos suplementares.
Só a recusa de todo e qualquer tipo de desprezo dará a uma nova Europa o fôlego longo da verdade que anima as mais íntimas pretensões ao êxito. Uma coisa é, porém, inegável: se acordar, a Europa virá a si própria na véspera de uma era de tempestades. Os nossos contemporâneos que espreitam o futuro poderão sentir que folheiam um catálogo das misérias anunciadas. Podem animar-se com o dito do herói do mar Vasco da Gama que correu mundo em barcos à vela e, uma vez, gritou para a tripulação desesperada durante uma tormenta no oceano Índico: "Avante, homens, treme o mar de nós!". Para nós, a nova política começa com a arte de criar palavras que designarão o horizonte aos humanos que vogam no navio do real.»
in Peter Sloterdijk, Se a Europa Acordar - Reflexões sobre o Programa duma Potência Mundial no Termo da sua Ausência Política
No navio do real, pergunto então: porque não treme já o mar de nós?
Nota: o livro foi publicado entre nós em 2008 pela Relógio D'Água Editores; em anexo ao livro foi publicada uma entrevista a Peter Sloterdijk, feita por António Guerreiro, a 24 de Março de 2007 (segundo indicação da contra-capa).
6 comentários:
Este post merecia uma séria reflexão, sim. Mas, querida Ana Paula, só me ocorre uma estrofe do Jorge de Sena:
"Eu estou cansado de não me dissolver /
continuamente em cada instante da vida, /
ou das pessoas, ou de mim, ou de tudo. /
Qu' ai-je à faire de l' eternel? I live here. /
Non abbiamo confusion. E aqui é que morrerei /
danado de cansaço, como hoje estou /
tão terrivelmente cansado."
[Os ânimos andam mesmo mal. Não há mar que possa estremecer. Talvez se os timoneiros gritarem em chinês, quem sabe...]
Gostei da reflexão...
Beijoca
Ana
Ana Paula minha querida amiga! embora sumida nos comentários não esqueço de passar por aqui e ler suas reflexões.
bjs
Olá Ana Paula
Boa reflexão, sim. E com citação de Vasco de Gama por um alemão, quem diria :)
Se todo o mundo está à beira de uma encruzilhada, a Europa está mesmo no meio dela. E tem a oportunidade e a antiguidade de poder traçar o caminho para a via certa. Terá a sabedoria?
Beijinhos
Quando a europa acordar
será solidária
É bom que acorde rápido
antes que fiquemos todos gregos
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