domingo, 5 de abril de 2009

António Damásio




Esta imagem representa (digo-o simplificadamente) a comunicação existente entre neurónios. O neurónio-emissor e o neurónio-receptor comunicam entre si (sem contacto directo), com o precioso auxílio dos chamados neurotransmissores. Assinalo este fenómeno porque julgo residir nele aquilo que podemos designar por "magia". Parece "magia". Porque é absolutamente fantástico e maravilhoso. E é o que ocorre no nosso cérebro constantemente, sem darmos conta.

Talvez esta pequena introdução, ou preâmbulo, consiga mostrar alguma da minha admiração pelo cérebro humano, assim como o meu maior respeito por quem se dedica a estudá-lo. É por isso que me congratulo pelo facto de António Damásio ter sido recentemente convidado para um programa de televisão ( Grande Entrevista na RTP-1), em horário nobre (no dia 02/04/09). Considerando essa enorme admiração que sinto pelo seu trabalho ( ao ponto de em tempos ter criado um blogue que pretendia prestar-lhe homenagem, intitulado Marcador Somático - infelizmente não disponho de tempo suficiente para desenvolver essa ideia com o rigor que exige); considerando, portanto, o meu interesse, curiosidade e admiração (repito) por este neurocientista português; por tudo isto, não poderia deixar passar aqui em branco a sua presença em Portugal, e a sua comunicação mediaticamente disponível ao grande público.

Um dos seus maiores méritos, além dos que são por demais evidentes, é o da divulgação científica que tem feito, de forma acessível à maioria, com os seus livros: O Erro de Descartes; O Sentimento de Si; Ao Encontro de Espinosa.



Nesta entrevista a que me refiro, Damásio avança alguns dados mais recentes sobre o estudo do cérebro e antecipa o futuro das neurociências e sua aplicação. Relembrando o funcionamento integrado do nosso cérebro, no qual razão e emoção não existem separadamente, mas sim como um todo - a razão informada pelos dados emocionais e a emoção como uma forma importantíssima de inteligência; esta noção que se traduz na superação do chamado Erro de Descartes, dá-nos uma nova perspectiva acerca de nós próprios: do modo como a nossa vida mental possui um fundamento biológico, aperfeiçoada no sentido de uma crescente complexidade, ao longo do nosso percurso evolutivo...

Damásio assinalou ainda a forte "programação" social do nosso cérebro: somos seres que vivem em comunidade há muito tempo. Também nos entreabre uma porta para o futuro, o qual, numa perspectiva que encerra um possível optimismo e alguma esperança, poderá ser o de evoluirmos no sentido da busca do bem-estar, dado que não somos seres que se contentem apenas com a sobrevivência. Espero sinceramente que venha a ser assim...

Um dos campos que nos cria maiores expectativas, com base nas investigações das neurociências, é o da memória. Todos queremos recordar-nos rapidamente, e sempre, de muitas e muitas coisas, mas... com o passar do tempo, a memória tende a falhar. Pois o futuro apresenta-se com a possibilidade de tudo isso ser ultrapassado com uma espécie de "pílula da memória". Virá de facto a existir?! Tudo parece indicar que sim.

Focou igualmente a problemática do chamado stress emocional: possuímos um cérebro mais lento e um cérebro mais rápido; o primeiro é emocional; o outro processa informação. O problema do stress pode residir precisamente neste desfasamento entre ambos: o emocional não tem tempo de gerar as emoções correspondentes à informação total que o outro processa. De notar o caso das imagens que assimilamos rapidamente, mas acerca das quais não há tempo para sentir as emoções que produziriam num mundo onde se vivesse mais devagar.

Finalmente, é de reter o que nos adiantou em relação aos tratamentos futuros para os estados depressivos: intervenções cirúrgicas realizadas com grande precisão, proporcionadas pelo conhecimento muito mais rigoroso e exacto do cérebro, como é o de que actualmente dispomos (em grande medida, graças às chamadas técnicas de imagiologia cerebral), a aprofundar e a aperfeiçoar no futuro. Nesta área, muitos apresentam reservas, atendendo aos fantasmas das lobotomias praticadas no passado. No entanto, os tratamentos com fármacos continuarão a ser válidos e utilizados.
A possibilidade, também ela algo "mágica", de eliminar a tristeza, parece-nos uma irrealidade. A ser verdadeira, de facto, coloca questões importantes e exige reflexão e debate, certamente, dada a necessidade de regular seriamente este tipo (e outros) de intervenção. É o futuro da Humanidade que está em causa. As neurociências mostram-nos um caminho. Como mantê-lo ao serviço do bem-estar de todos os seres humanos?

Um último aspecto que me pareceu deveras interessante nesta sua entrevista: segundo ele, o que de melhor possui para o desenvolvimento das suas investigações, nos EUA, é a partilha com outros investigadores, o trabalho em equipa, o gosto e a curiosidade em comum, assim como o crescente desejo de avançar, ainda que muito pouco de cada vez, no conhecimento do cérebro humano.



Vídeo da entrevista - RTP-1 AQUI


Imagens: pesquisa do Google


16 comentários:

Mié disse...

Olá Ana Paula

Também vi a entrevista e, como sempre, ouvir António Damásio é uma delícia pelos vistos não só para mim como constacto :)... até já adivinhava que o estarias a ver também. É realmente um privilégio.

A ciência não pára.
Facilitadas que estão as interacções nas trocas de informação e conhecimento multidisciplinares, na área da pesquisa científica entre universidades de todo o mundo por via do avanço das novas tecnologias de informação nas últimas duas décadas e meia, os resultados de novas descobertas e a consequente ultrapassagem de barreiras para desvendar novos caminhos, são muito mais rápidos. A investigação científica é realmente o maravilhoso mundo novo.

António Damásio abre-nos novos horizontes de esperança, dá-nos a luz ao fundo do tunel para problemas que hoje nos parecem sem solução e que nos afectam uns por via directa outros indirectamente , com aquele olhar penetrante, brilhante, e um sorriso tão franco e travesso. A Ciência é realmente um mundo e maravilhoso :)...digo eu que queria ser bióloga... fui apanhada numa guerra que me estragou os planos...mas fiquei depois pelo Direito que também gosto muito :)

Debruçaste-te no essencial da entrevista complementando-a como tu sábiamente o sabes fazes, de uma maneira muito enriquecedora.

PS. Desejo-vos uma Páscoa muito feliz.
(sei que ainda é cedo... mas eu já ando desligada da net... tirei férias de casa e o tempo é pouco para tanto que há por aqui)

Um beijo imesamente terno.

...amanhã vou andar de avionete ou ultra leve que é a mesma coisa, ...ver se tiro umas fotos para depois vos mostrar :))

+ um beijo
fica bem.

vbm disse...

Ainda não li as três mais divulgadas obras de Damásio, O erro de Descartes, O sentimento de si, Ao encontro de Espinosa. Tenho-as na estante, mas adiei-lhes a leitura. Chocou-me o título da primeira e não desgostaria de ver no prêlo um título como "O erro de Damásio", assinado por Descartes! :)

Digo isto um pouco levianamente; sei muito bem que Descartes era um empirista-racional, possivelmente bem mais próximo de Damásio do que este imagina, até na extrema semelhança da "glândula pineal" com as sinapses dos neurónios que activam o desencadear das ideias e suscitam as emoções.

Na verdade, choca-me o título espampanante do seu primeiro livro, e tenho muito ainda que aprender com Descartes para me permitir simpatizar com a demagogia do "Sr. Damásio".

Porque eu tenho um preconceito, - que em todo o caso não fará de mim um dualista, penso -, a saber: por muito que se determine neurologicamente o que se passa no cérebro, não se irá nunca além do conhecimento das condições em que emerge e se viabiliza o pensamento, a conexão lógica entre as ideias.

Ora, um conjunto de condições de algo por certo se correlaciona plurivocamente com uma variedade de explicações e configurações emocionais. Logo, subsiste a indeterminabilidade do pensamento pela matéria.

Digo que isto não me converte em dualista porque ignoro se porventura pode haver pensamento sem matéria.

Da nossa experiência animal, humana, não vejo como isso possa ser, pois se me anestesiam o corpo, cesso de pensar e de sentir e a fortiori assim será se o meu corpo se dispersar.

Por isso, o que a neurociência descobrirá é o modo como a química condiciona o pensamento, o que não é pouco, mas não é tudo.

E não vejo onde é que Descartes erra se justamente ele hipostasia que deve existir um elo entre o corpo e a mente, a «glândula pineal» que o Damásio "escarafuncha"! :)

vbm disse...

Mas por acaso, só por acaso,
vi a entrevista e não sou ninguém
para me opor a um investigador
tão sério e respeitável como Damásio.

No entanto, convém tentar situar as coisas na sua realidade, a princesa Elizabeth já tinha mostrado a Descartes que não compreendia como é que a "alma" comunicava com o "corpo" - não é preciso agora o Sr. Damásio vir dizer que Descartes errou, que isso já se sabe há muito tempo.

O Tratado das Paixões da Alma que Elizabeth induziu Descartes a escrever mostra bem como este balbuciou perante as objecções da princesa. Damásio é dispensável como seu crítico. Basta-me a princesa.

Mas, no fundo, eu acho que Descartes no fim da vida subcreveria o pensamento actual, - que completa o de Pascal, - de que «A razão tem emoções que o coração desconhece». E deve ter sido desse modo que Descartes se desculpou perante a princesa Elizabeth :)

Ana Paula Sena disse...

Olá, Mié :)

Andar de avioneta...humm, que maravilha! Andei quando era miúda e nunca esquecerei a sensação de um friozinho na barriga... :)

Espero e desejo que passes uns tempos óptimos! E Boa Páscoa para ti também! Fico à espera das tuas fotos que sei vão ser excelentes, pelo que conheço de ti :)

Um grande beijinho!


vbm: compreendo a relativa "indignação" :) No entanto, permito-me afirmar que Damásio revelou desde sempre a maior admiração por Descartes e outros filósofos. Apesar das investigações que leva a cabo conduzirem a uma eventual perspectiva "materialista" acerca dos mistérios do ser humano (o que seria uma longa questão a debater), o título "O Erro de Descartes" não tem um carácter depreciativo, como pode parecer à primeira vista. Provavelmente, foi escolhido para suscitar curiosidade. Por outro lado, Descartes, no seu tempo, não possuía a tecnologia que actualmente há para investigar o funcionamento do cérebro. Se a tivesse, julgo que seria muito próximo de Damásio. Na verdade, interessou-se muito pela medicina, tendo inclusivamente participado em autópsias, curioso que era em relação à anatomia humana, organismo vivo e subsequentemente morto.

O erro de Descartes (admirável pensador), segundo António Damásio, consistiu apenas em dissociar razão e emoção. O que parece não ser a nossa forma de viver. Descartes considerou as "paixões" como contraditórias face à razão; se nos guiarmos por esta, ignoramos a emoção, também designada por "coração".

Pascal, quanto a este aspecto foi mais cauteloso, ao afirmar que "o coração tem razões que a razão desconhece". Ou seja, há uma inteligência emocional, como diria António Damásio.

O filósofo pelo qual, no entanto, revela maior admiração, é Espinosa.

Agradeço sinceramente o interessante debate de ideias :)

vbm disse...

:) Arrisco-me sempre a ser disparatado ou não pertinente porque, sem dúvida, só tacteio as razões do que me apetece repudiar, e desse modo não é surpresa se sair asneira ou enunciados gratuítos...

Eu gosto muito de Espinosa mas retraio-me um pouco perante o que talvez se possa apodar o seu "pan-psiquismo": matéria e espírito, 'coisa extensa' e 'coisa pensante', dois atributos de uma só realidade, de uma só substância...

É que fico com saudades de alguma mecânica acéfala, matemática, geométrica, cartesiana, coisa dura, bruta, sem pensamento, que podemos poeticamente utilizar como peças-lego do nosso livre construir! :))

ARTISTA MALDITO disse...

Olá Ana Paula

Li atentamente o seu texto e vou reflectir. Admiro António Damásio, mas tantas questões são colocadas que quero primeiro repousar sobre elas. Uma é precisamente a dissociação entre razão e emoção. Há de facto uma inteligência emocional no ser humano que "colide" com a nossa tendência para racionalizar ao ponto de esquematizar os actos mais "impulsivos" do coração. E penso que é essa colisão que leva o ser humano a disfunções psicológicas e, inclusivé, a flutuações do comportamento e estados de humor contrastantes: tristeza/alegria.

Mas volto com a minha mente mais organizada.

Um Bom Domingo e beijinho grande
Isabel

Violeta disse...

Este vou ler...
Em relação ao comentário de vbm, não compreendo proque o título lhe causa tanta indignação, será por ventura Decartes Sagrado?
Obrigada pelo post

Porcelain disse...

:-P Tenho ali os três dele, mas ainda não os consegui ler... :-S

Eu acho que se formos aplicar a teoria de que de facto existe uma conexão entre razão e emoção na prática muita coisa deveria mudar... os dados emocionais deveriam ter muito mais peso do que têm na nossa actual sociedade, em que são vistos como uma espécie de ameaça, algo em que não podemos confiar. Ainda que não sejam fidedignos, deveriam ser, pelo menos, ouvidos, analisados, correntemente, exercitados nas escolas, como se fazem com outras capacidades.

Também acredito que algum dia, neste planeta, se deixe, basicamente, de se sobreviver, para se começar a viver!!! Acredito que essa seja a evolução normal de todo o ser humano e que de alguma forma estejamos biologicamente predestinados para isso.

Uma pílula da memória seria fantástica!! Eu já começo a precisar, acho que seria das primeiras na fila da farmácia ahahah!! :-D

Essa informação que dás acerca do cérebro emocional e do que processa a informação é muito interessante, desconhecia... eu pratico meditação e sempre constatei que se ficar muito tempo sem meditar e depois dedicar um certo tempo à reflexão, começo a sentir-me desorganizada interiormente, a ter mais dificuldade em reagir às situações e a andar mais desorientada... portanto, acho que essa questão se encaixa perfeitamente na minha experiência...

E quanto à depressão... falando por experiência própria... ainda acredito que o melhor remédio de todos é a auto-análise... mas a santa ajuda dos fármacos é uma grande bengala... e muito difícil de abandonar também... :-(

A possibilidade de eliminar a tristeza é sobretudo muito interessante por de facto nos obrigar a debruçar-nos sobre a sua função e necessidade... assim como de tudo no mundo que achamos um empecilho... se as coisas existem, por algum motivo deve ser... creio que a solução mais sensata é sempre a procura da utilidade das coisas; por mais desagradáveis que elas sejam, creio terem sempre alguma.

Beijinhos!!

Mar Arável disse...

Un sábio

que na simplicidade

das suas explicações

é uma referencia

Vi e entrevista

a tv distraiu-se

ainda bem

mdsol disse...

O Título do livro "O erro de Descartes" parece-me que é mais uma provocação do que outra coisa. Trata-se de "corrigir" o que durante muito tempo vingou, que a razão seria a "mãe" de tudo. Cogito ergo sum... penso logo existo. Ora, pelos vistos, a emoção ou o sentir ou seja o que for... é também uma enorme fonte de conhecimento e de vida... Vamos ver o que o futuro nos reserva... Contudo, o erro de Damásio pode desde logo estar na assumpção de que a dicotomia razão/emoção é válida... e não discutir se pensamento/emoção logo existo ou o contrário... Existo e... Digo eu cheia de atrevimento como é sempre a ignorância, mas só para participar na conversa tão interessante.

:))

ARTISTA MALDITO disse...

Bom Dia Ana Paula

Pois fui pensar e houve algo que me deixou apreensiva. De facto, e tendo presente a experiência terrível da lobotomia, a possibilidade de se poderem alterar e eliminar sentimentos como a tristeza causou-me alguma repulsa. Como se pode saber se estamos alegres se não temos termo de comparação? Estou a colocar de uma forma simples a questão da desmemoriação, melhor, do esquecimento. E, por acaso, ontem ouvi uma balada de Cat Stevens que classifiquei de triste. Alguém me respondeu: " triste mas bela!"

E fico por aqui, talvez não tenha acrescentado nada, por ignorância minha, mas a magia do nosso ser ultrapassa a do cérebro, para quem acredita na existência de um espírito presente em todos os seres vivos.

E tem razão a Fátima, que pena, isto sim, é triste, ver este país desertificar de pessoas que poderiam enriquecer o nosso património.

Beijinho, Ana Paula, e um bom início de semana
Isabel

Anónimo disse...

tenho muita pena de não ter visto a entrevista porque este é um dos cientistas cujo trabalho incansável que tem desenvolvivo muito admiro e gostei muito de ler o teu texto que me fez reflectir sobre o meu próprio cérebro até no aspecto do seu funcionamento quando escrevo :) e também posso acrescentar que já li dois ou três poemas deste autor de que gostei imenso. um grande beijinho, ana paula.

Ana Paula Sena disse...

Apesar da minha já assinalada admiração por António Damásio, importa referir a legítima existência de perspectivas diversas da sua, as quais têm procurado apresentar provas, mediante sérias investigações, de hipóteses explicativas que vão noutro sentido. Uma linha de pensamento inspirada na mecânica quântica, é um exemplo a assinalar, entre outros.

No entanto, a meu ver, não há incompatibilidade consistente. A meu ver...:)

Anónimo disse...

N vi a entrevista mas o que está aqui escrito é de certeza tão bom. Sou fã do António Damásio mas n sei dizer tão bem como tu pq (e concordo com tdos os teus porquês). N sou de biolgia nem de filosofia e há conceitos e substantivos q ele aborda q n os entendo (ler o teu texto ajuda bastante)

vou ver a entrevista, obgada!

Anónimo disse...

e evocação de espinosa+damásio parece-me ouro sobre azul mas custa-me admitir o "erro de descartes" (só se fosse por dizer q a ideia de deus é inata ahahahhaha de resto n estavamos onde estamos se n fosse a matemática cartesiana)

nota: tou a brincar com as palavras n li o erro de descartes :P

partilha de silêncios disse...

Também acompanhei a entrevista e li todas as obras que Damasio publicou até ao momento, é um assunto que merece o meu respeito e interesse.
Agradeço à Ana Paula o seu texto que como sempre, possui uma facilidade na escrita e um poder de síntese fantástico.
um beijinho

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