segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Expiação

Gostei deste filme que consegue ter uma atmosfera oscilante entre um olhar íntimo com belas pinceladas românticas e uma projecção quase épica do enredo. No entanto, o final remete para um anti-romantismo, implícito no desfecho real da história.

Muito pode ser dito sobre estas cerca de duas horas de emoção com uma muito bela sucessão de imagens. Assinalo apenas os aspectos que me pareceram mais interessantes:

- O cenário de devastação resultante da guerra que contextualiza o filme. Pareceu-me recriado de forma magnífica e original. Chega a ser surpreendente de tão real e, ao mesmo tempo, estranhamente surreal. Vale a pena ver o filme, no mínimo para conhecer estas cenas e o resultado do trabalho de recriação de um momento crítico para as tropas britânicas, no decurso da II Guerra Mundial: na praia de Dunkirk (1940) encontram-se cerca de 300.000 soldados à espera de serem evacuados (as cenas foram filmadas em Redcar, Northumberland). Tudo à volta, homens incluídos, mostra a destruição e os horrores da guerra. Vive-se o caos.





- A Keira Knightley surge lindíssima e oferece-nos uma representação brilhante em muitos aspectos. Mas o James McAvoy está igualmente muitíssimo bem e vale a pena admirá-lo.



- Finalmente, o final do filme traz à tona uma série de questões subjacentes ao enredo e que possuem grande densidade dramática. A questão da culpa e a questão religiosa, por exemplo.
Uma escritora (personagem importante da história e muito bem representada, sobretudo por Saoirse Ronan), a qual despoletou, ainda muito jovem, o desenrolar trágico da sua vida e da dos que lhe eram próximos, assume-se como aquela que pode alterar a realidade pela escrita. E, neste sentido, ela seria Deus pelo poder que possui de recriar esse real. A fronteira entre ficção e realidade, assim esbatida e indefinida, coloca-nos perante um processo de expiação muito singular e pessoal, via "palavra escrita".

Mas, na verdade, esta mulher entregue a si mesma, supostamente minada pelo peso da culpa, expia ou redime-se do seu acto anterior? Não. O que mais parece ser a sua suposta expiação é um logro, pelo qual ela continua a querer controlar o curso dos acontecimentos e a vida dos outros. Desuniu dois seres que se amavam, antes, na vida real. Agora, une-os, contrariando a realidade, na sua ficção. Foi sempre ela que decidiu.



Por outro lado, remete-nos este the end para o próprio romance de Ian McEwan (escritor que afirma ter sido D.H. Lawrence um dos seus inspiradores), do qual Expiação (ou Atonement, realizado por Joe Wright) é a adaptação ao cinema. Quer dizer, a posição religiosa do autor é a do ateísmo. E se há Deus, ele é escritor. Acima dele não há mais nada. O escritor vê-se entregue a si mesmo, com este poder "entre mãos". E tem que escolher o que fazer com tal. Inquietantes afirmações e constatações...

Sim, este é um bom escritor e merece ser lido com atenção. Vale a pena confrontar o escritor e o livro com a visão do realizador Joe Wright. Perspectivas distintas, certamente.
Vale a pena também tomar nota de algumas das posições de McEwan.

9 comentários:

Ricardo António Alves disse...

Gostei muito da sua leitura.
A Vanessa Redgrave também está admirável no seu desempenho.

Klatuu o embuçado disse...

Nos teus tempos de menina existia um aparelhómetro que fazia o gáudio de muita criança: o Viewmaster. Aquilo é que era, olhava-se lá para dentro, a rodar o cartãozinho circular de diapositivos, e o que a pequenada viajava!

Imagino o que seria a sensação! - até porque deve ser muito semelhante à que tenho quando vejo este tipo de filme. De que gostei. Mas o gosto é a grande cumplicidade do coração com o objecto.
Já gostei de mulheres cuja existência se resumiria numa frase, Hitler gostava muito de cães, etc.
Depois, há a maldita e antiquíssima e brutal realidade, onde os corrimões sempre foram amigos das meninas...

Dark kiss.

Convido-te a visitar: http://novaaguia.blogspot.com/
participar também podes.

Mié disse...

...não vo o filme


deixo-te um beijo

fica bem

Bandida disse...

acrescentas sempre vontades aos dias.

beijo, AP


B.

Anónimo disse...

Oi, lembra-se do Mondo Carecone, acabou-se! Tenho, agora, dois blogs... Em um deles, comento sobre alguns filmes que assisto, algo bem "coloquial" e nada literário. Comentei sobre este "Atonement". Não tive a visão do ateísmo, foi uma leitura interessante, não sei se concordo... Acho que tudo, no fim, é a mentira e a hipocrisia a prevalecerem... Por cá, no Brasil, traduziram como "Desejo e Reparação", tradução esta que descordo absolutamente, acho que "Expiação" está bem mais condizente . Quanto aos intérpretes, acho que a Keira sempre dá um show, sou apaixonado por ela. O McAvoy esteve bem, nada que se igual ao "Inside I'm Dancing" por aqui saiu como "Os Melhores Dias De Nossas Vidas", acho este, um filme incrível! E paro por aqui, se não este comentário torna-se um "post"... =)
Gostava de te ver nos meus novos blog... Beijo.

manhã disse...

Novo espaço! Sabe bem renovar, é ar fresco que entra! Oxigena! Ainda não fui ver, tenho de ir, estou a saborear este adiamento porque sei que vou gostar, não há nada tão prazenteiro como um bom drama romântico!

Tríade Aumentada disse...

Gostámos da viagem a esta renovada terra.
Mas se o sempre e o nunca não existem...

Mas com um passo adiante do caminho.Seja ele qual for.:))

Um filme a ver. Sim.


Abraço a triplicar.

Maria Eduarda Colares disse...

Pois vi, registei e aqui virei com maior ou menor assiduidade, mas sempre com interesse. Hoje já não tenho coragem, amanhã actualizarei o link.
Expiação... sim, mas falta-me ali qualquer coisa. Tem imagens lindíssimas, é verdade.
bjs

isabel mendes ferreira disse...

levei.te ao piano...



sorry.....mas � t�o bom este teu espa�o...

beijos. muitos.

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