quarta-feira, 10 de outubro de 2012

povo (I)

Qualquer interpretação do significado político da palavra «povo» tem de partir do facto singular de, nas línguas europeias modernas, ela designar sempre também os pobres, os deserdados, os excluídos. Uma mesma palavra nomeia, assim, tanto o sujeito político constitutivo como a classe que de facto, senão de direito,  está excluída da política. (...)
Hannah Arendt lembrou que «a própria definição do termo nasceu da compaixão e a palavra tornou-se sinónimo de má sorte e de infelicidade - o povo, os infelizes aplaudem-me, costumava dizer Robespierre; (...)».  (...)
Uma ambiguidade semântica tão difundida e tão constante não pode ser casual: deve reflectir uma ambiguidade inerente à natureza e à função do conceito de «povo» na política ocidental. Tudo se passa, pois, como se aquilo a que chamamos povo fosse na realidade não um sujeito unitário, mas uma oscilação dialéctica entre dois pólos opostos; por um lado, o conjunto Povo como corpo político integral, por outro, o subconjunto povo como multiplicidade fragmentária de corpos necessitados e excluídos; no primeiro caso, uma inclusão que se pretende sem restos, no segundo, uma exclusão que se sabe sem esperança; num extremo, o Estado total dos cidadãos integrados e soberanos, no outro, a coutada do bando - corte dos milagres ou campo - de miseráveis, de oprimidos, de vencidos.
Giorgio Agamben, O que é um povo?

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