sexta-feira, 18 de maio de 2012

ler devagar

tenho andado a ler bem devagar as seis conferências dadas por Orhan Pamuk na Universidade de Harvard, reunidas e publicadas entre nós sob o título O Romancista Ingénuo e o Sentimental. tal título deve-se ao facto de o escritor, nestas suas conferências, partir do ensaio de Schiller, Sobre a Poesia Ingénua e a Sentimental. a leitura lenta deve-se a alguma falta de tempo, mas tem as suas vantagens. desde logo, a de poder apreciar toda a temática em causa tal como se degusta uma espécie de vinho literário. as referências são muitas e, a cada passo, Pamuk reenvia-nos para outros textos - exigindo alguns deles uma consulta que se faz também devagar.
entre muitos aspectos eminentemente interessantes do ponto de vista literário, e até filosófico (atendendo ao terreno sempre fértil das relações entre filosofia e literatura - semelhanças possíveis, demarcações inevitáveis, etc); entre todos eles, encontrei um que me interessa particularmente, uma vez que agita a questão que muitas vezes me inquieta acerca do actual poder da imagem, e consequente redução dos hábitos de leitura. este fenómeno tem um peso fortemente significativo no caso das gerações mais jovens. daí, também, o meu interesse pelo assunto. pois então, de que aspecto estou a falar, presente nestas conferências do escritor turco? trata-se da analogia entre o pintor e o escritor. a dado passo, por ex., lembra-se a expressão de Proust: "Mon volume est un tableau". e, portanto, pergunta-se: escrever como quem pinta... é possível? escrever é criar imagens. mas as literárias exigem uma considerável extensão no tempo para serem criadas. está em causa um tipo de atenção diferente, quer da parte do escritor, quer da do leitor. diz Pamuk que tal se deve às características específicas da escrita e da leitura em geral, e das de romances, em particular - o ambiente criado, a atmosfera do romance, contém imagens. mas elas não podem ser dadas de uma só vez, como acontece na pintura. um quadro apresenta-nos uma história, e ela está toda ali, naquele espaço. o romance, no entanto, requer tempo - o necessário para ir criando a imagem geral, constituída por mil e um detalhes, cuidadosa e paulatinamente revelados. 
a relação entre imagens e palavras (escrita) sempre cativou a minha atenção. as conferências de Orhan Pamuk têm sido um excelente contributo para reflectir mais e melhor sobre o assunto. para o corroborar, vejamos o que diz utilizando duas categorias filosóficas fundamentais...

Permitam-me que utilize esta distinção a fim de articular a minha própria concepção de romance. Os romances, como os quadros, apresentam momentos que foram, por assim dizer, congelados. No entanto, os romances contêm mais do que apenas um desses momentos pequenos, indivisíveis (semelhantes aos momentos aristotélicos): proporcionam ao leitor centenas, dezenas de milhares. Quando lemos um romance, visualizamos esses momentos formados por palavras, esses pontos do Tempo. Ou seja, transformamo-los em Espaço na nossa imaginação.
Orhan Pamuk, O Romancista Ingénuo e o Sentimental

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