quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Tempos Difíceis


«Era uma cidade de tijolo vermelho, melhor, de tijolo que seria vermelho se o fumo e as cinzas o tivessem consentido: assim, era uma cidade vermelha e preta, como o rosto pintado de um índio. Era uma cidade de máquinas e de altas chaminés, das quais saíam sem cessar serpentes intermináveis de fumo. Tinha um canal negro e um rio poluído por tintas mal cheirosas, e imensas pilhas de edifícios cheios de janelas, onde todo o dia havia estremecimentos e onde os êmbolos das máquinas a vapor subiam e desciam ritmadamente. Tinha várias grandes ruas, todas parecidas umas com as outras, e muitas ruas pequenas, ainda mais parecidas entre si, habitadas por gente também toda igual, que entrava e saía à mesma hora, fazendo toda o mesmo barulho no pavimento, para irem fazer o mesmo trabalho e para quem cada dia era igual ao anterior e ao seguinte, e cada ano idêntico ao último e ao próximo.
Estes atributos de Coketown eram na maior parte inseparáveis da indústria que a sustentava (...).
Não se via nada em Coketown que não fosse severamente laborioso. Se os membros de uma seita religiosa ali construíam uma capela - como tinham feito os de dezoito seitas - transformavam-na num grande armazém piedoso de tijolo vermelho. Todas as inscrições públicas eram iguais, pintadas em severos caracteres pretos e brancos. A prisão podia ter sido o hospital e vice-versa, ou as duas coisas ao mesmo tempo, ou qualquer outra coisa. Realidade, realidade, por toda a parte no aspecto material da cidade; realidade, realidade, por toda a parte, no imaterial. A escola do senhor M'Choakumchild era toda ela realidades; nas relações entre trabalhador e patrão tudo era realidades; e tudo mais era realidade desde a maternidade até ao cemitério, e o que não se pudesse exprimir em números ou provar que se podia comprar mais barato e vender mais caro, não era, nem nunca seria realidade!»
Charles Dickens, Tempos Difíceis


3 comentários:

anamar disse...

:))
Tempos di´fíceis também...

Ana, falei em ti ao manuel Duarte... vou mandar-lhe o link do teu blogue ppois ele quer reconhecer-te... pelo nome não vai lá...
Estou a gostar do livro dele, O HOMEM ENCALHADO. Um romance ficcionado contemporâneo qe nos diz `a nossa geração...
Abracinho, Ana

Mar Arável disse...

Memórias difíceis

Patriota disse...

Que bom reler o Dickens, ele retratou como ninguém a era da revolução industrial. Acredito que, pelas vicissitudes da sua própria vida, o facto de a família ter estado presa por dívidas ou o facto de ele próprio ter trabalhado na infância numa fábrica, sofrendo todas as privações, tenham criado na obra uma sensibilidade profunda para com os humildes.
Por exemplo, não encontro essa referência no nosso Eça de Queiroz que retratou como ninguém, sem dúvida, a sociedade portuguesa, mas parece-me que se distanciou dessa amálgama de gente condenada a sofrer as privações da vida (o que não o desvaloriza, longe disso, nem diria tal coisa).

Gostei de ler, talvez venha a comprar o livro :)

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