domingo, 27 de novembro de 2011

Melancholia, sim ou não?


Vi o filme mais recente de Lars von Trier, Melancholia (2011), na sessão de encerramento do Lisbon & Estoril Film Festival. Na altura, não quis falar do filme. Bom, a verdade é que, de algum modo, podemos considerar que Lars von Trier está próximo da loucura. Mas a forte impressão que os seus filmes deixam ficar, talvez possa levar-nos a perguntar o que é a loucura?. Filmar/criar ambientes dificilmente suportáveis parece ser uma estranha ocupação. Na verdade, assusta-me bastante mais, a mim, a loucura da normalidade (para parafrasear Arno Gruen). 
Afinal, há motivos para melancolia? Ao ponto de ela nos aparecer como um planeta? Um que vai eclipsar a Terra, dar-lhe um fim irreversível, e a tudo o que nela existe? De um só trago, engolir-nos e acabar com a vida tal como a conhecemos? Pois, eu penso que sim, mas só até certo ponto. Que há um fim de tudo é inevitável assumir. A consciência do fim é geradora de angústia, a mesma que nos dias lúcidos se torna melancolia. Mas Lars von Trier quer muito mais... E reconstitui com mestria um cenário épico de apocalipse. Um tema desde sempre muito abordado. Mas nunca desta forma, quero eu dizer, nunca de modo tão original. Sim, é verdade, gostei deste filme, apesar do ambiente absolutamente depressivo que recria, chegando a maçar quem está de fora e é espectador, por exemplo, do peso existencial absurdo que domina uma das duas irmãs, as que traçam, em dois capítulos, o desenrolar da história.
E que mais? Bom, as interpretações de Kirsten Dunsten e de Charlotte Gainsbourg são excelentes. A fotografia é deslumbrante e perfeita. Os efeitos especiais são discretos e os cenários simples são recriados surrealmente. Olha-se para o firmamento e as fronteiras do universo não estão aqui, não nos lugares que habitamos. Mas há uma câmara nervosa, inquieta e errante, ao longo de toda a primeira parte, um olhar turbulento e instável que nos incomoda. A mulher depressiva e incompreensível revela-se, depois, afinal - algures na segunda etapa desta narrativa apocalíptica, a mais preparada para lidar com a catástrofe anunciada. A previsão do fim transporta-nos para a claustrofobia. Total e esmagadora. E quando ele chega, não podemos deixar de sentir respeito e admiração, goste-se ou não, pela forma técnica e psicologicamente perfeita como nos é mostrado.
Devo dizer que gostei bastante de vários filmes anteriores do mesmo realizador. Mas, se nunca consegui ver até ao fim o destrutivo e mesmo delirante Antichrist (2009), este último filme parece mostrar, agora, um tímido sinal de esperança, apesar de com ele esbarrarmos num fim de tudo. A experiência do eclipse total da espécie e do planeta conseguem produzir o efeito contrário: o amor e apego à vida humana, e também a este magnífico lugar azul que habitamos. Resta, no desespero do que nele vivemos hoje, um ainda maior desejo de protecção, com a mesma força de uma mãe que sente vital proteger os filhos.

Para ver, sem dúvida (estreia, por aí, dia 01 de Dezembro). Para criticar também, claro está. Pode guardar-se depois.




4 comentários:

Fernando Vasconcelos disse...

Hum parece ser um filme interessante ... gostei das imagens que vi do trailer.

vbm disse...

Tencionava ver esse filme,
mas agora fico apreensivo
se não será deprimente
em excesso...

É que, embora
tudo tenha fim,
o modo são de viver
é semear o futuro ridente;

mesmo sabendo que tal
depende do cruzamento
aleatório de séries
causais independentes,
de efeito imprevisível...



O que não me interessa;

sei quão dependente
sou da fecundidade
da natureza, da argúcia
do engenho humano,
dos benefícios da civilização,
e devedor dos que prosseguem
na investigação e descoberta
do que é, e como vai o mundo!

:)


O "pessimismo"
de Lars von Trier
nada me ensina.

Ana Paula Sena disse...

É realmente muito interessante, Fernando. Por detrás, há um génio que brilha, ainda que triste.

Ana Paula Sena disse...

...mas, acho que ias gostar, Vasco :) É poético.

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