Vi o filme mais recente de Lars von Trier, Melancholia (2011), na sessão de encerramento do Lisbon & Estoril Film Festival. Na altura, não quis falar do filme. Bom, a verdade é que, de algum modo, podemos considerar que Lars von Trier está próximo da loucura. Mas a forte impressão que os seus filmes deixam ficar, talvez possa levar-nos a perguntar o que é a loucura?. Filmar/criar ambientes dificilmente suportáveis parece ser uma estranha ocupação. Na verdade, assusta-me bastante mais, a mim, a loucura da normalidade (para parafrasear Arno Gruen).
Afinal, há motivos para melancolia? Ao ponto de ela nos aparecer como um planeta? Um que vai eclipsar a Terra, dar-lhe um fim irreversível, e a tudo o que nela existe? De um só trago, engolir-nos e acabar com a vida tal como a conhecemos? Pois, eu penso que sim, mas só até certo ponto. Que há um fim de tudo é inevitável assumir. A consciência do fim é geradora de angústia, a mesma que nos dias lúcidos se torna melancolia. Mas Lars von Trier quer muito mais... E reconstitui com mestria um cenário épico de apocalipse. Um tema desde sempre muito abordado. Mas nunca desta forma, quero eu dizer, nunca de modo tão original. Sim, é verdade, gostei deste filme, apesar do ambiente absolutamente depressivo que recria, chegando a maçar quem está de fora e é espectador, por exemplo, do peso existencial absurdo que domina uma das duas irmãs, as que traçam, em dois capítulos, o desenrolar da história.
E que mais? Bom, as interpretações de Kirsten Dunsten e de Charlotte Gainsbourg são excelentes. A fotografia é deslumbrante e perfeita. Os efeitos especiais são discretos e os cenários simples são recriados surrealmente. Olha-se para o firmamento e as fronteiras do universo não estão aqui, não nos lugares que habitamos. Mas há uma câmara nervosa, inquieta e errante, ao longo de toda a primeira parte, um olhar turbulento e instável que nos incomoda. A mulher depressiva e incompreensível revela-se, depois, afinal - algures na segunda etapa desta narrativa apocalíptica, a mais preparada para lidar com a catástrofe anunciada. A previsão do fim transporta-nos para a claustrofobia. Total e esmagadora. E quando ele chega, não podemos deixar de sentir respeito e admiração, goste-se ou não, pela forma técnica e psicologicamente perfeita como nos é mostrado.
Devo dizer que gostei bastante de vários filmes anteriores do mesmo realizador. Mas, se nunca consegui ver até ao fim o destrutivo e mesmo delirante Antichrist (2009), este último filme parece mostrar, agora, um tímido sinal de esperança, apesar de com ele esbarrarmos num fim de tudo. A experiência do eclipse total da espécie e do planeta conseguem produzir o efeito contrário: o amor e apego à vida humana, e também a este magnífico lugar azul que habitamos. Resta, no desespero do que nele vivemos hoje, um ainda maior desejo de protecção, com a mesma força de uma mãe que sente vital proteger os filhos.
Para ver, sem dúvida (estreia, por aí, dia 01 de Dezembro). Para criticar também, claro está. Pode guardar-se depois.
Ambiente musical: Wagner - Tristão e Isolda (Prelúdio)
4 comentários:
Hum parece ser um filme interessante ... gostei das imagens que vi do trailer.
Tencionava ver esse filme,
mas agora fico apreensivo
se não será deprimente
em excesso...
É que, embora
tudo tenha fim,
o modo são de viver
é semear o futuro ridente;
mesmo sabendo que tal
depende do cruzamento
aleatório de séries
causais independentes,
de efeito imprevisível...
O que não me interessa;
sei quão dependente
sou da fecundidade
da natureza, da argúcia
do engenho humano,
dos benefícios da civilização,
e devedor dos que prosseguem
na investigação e descoberta
do que é, e como vai o mundo!
:)
O "pessimismo"
de Lars von Trier
nada me ensina.
É realmente muito interessante, Fernando. Por detrás, há um génio que brilha, ainda que triste.
...mas, acho que ias gostar, Vasco :) É poético.
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