segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Inclinações naturais

Que tipo de amigos preferimos?

«Schiller, a quem Herder chamou "o mais inspirado de todos os kantianos", opôs-se ao rebaixamento das inclinações naturais e troçou disso num belo epigrama. (...) (Gosto de ser prestável para os amigos, mas infelizmente faço-o por inclinação natural; por isso muitas vezes me torturo por não ser virtuoso). Mas não servimos apenas o amigo por inclinação; julgamos também os seus actos de amizade perguntando a nós próprios se ele os fez ou não por calorosa simpatia natural. Se fossemos kantianos puros e consequentes, faríamos o contrário: apreciaríamos acima de tudo aquele que, embora instintivamente nos detestasse, interrogasse a moral responsável e fosse por ela forçado a tratar-nos convenientemente, apesar das suas inclinações naturais. Na verdade, sentiremos quando muito, diante de um tal benfeitor, uma forma atenuada de respeito, ao passo que sentimos uma calorosa afeição por aquele que nos trata como amigo porque "lhe apetece" e isso lhe dá prazer, sem que lhe venha à cabeça fazer qualquer coisa que mereça o nosso reconhecimento.»

A questão evidente é a de apurar até que ponto as inclinações naturais são determinantes para o comportamento dos seres humanos, face ao peso de uma moral responsável. Posto que, à questão de saber se, no nosso caso, há inclinações naturais, Konrad Lorenz responderia afirmativamente. Pelo que também escreveu:

«(...) a moral responsável actua como mecanismo compensador num sistema do qual a inclinação natural - que não é necessariamente desprovida de valor - forma outra parte indispensável.»

Excertos de: Konrad Lorenz, A Agressão - Uma História Natural do Mal


[A minha pergunta inicial - "Que tipo de amigos preferimos?" - admite implicitamente a possibilidade de uma concepção/vivência da amizade fundada inicialmente numa moral responsável]



Imagem: Misty Gamble  AQUI

6 comentários:

vbm disse...

«Sim, mas...»

A passagem de uma moral por simpatia natural à de uma de respeito pelo imperativo do dever em si, faz-se não por decreto ou reflexão, mas pela vivência interior de uma entrega a algo mais forte do que a simpatia pelo semelhante, o sentimento de exaltação cósmica de como as coisas deveriam ser na perfeição.

O trânsito de uma para outra moral é de melhoria incerta porque o erro tanto pode habitar a «inclinação natural» quanto a vibração de um «imperativo categórico»... essencial sendo a veridicção da justiça e utilidade de cada prática social.

Anónimo disse...

penso que a empatia que se estabelece numa amizade pode ultrapassar as questões morais... adorei ler, ana paula. um grande beijinho.

Mar Arável disse...

Ser amigo

é patilhar também os seus defeitos

partilha de silêncios disse...

Aceitar sempre o outro, tal qual ele é.O respeito mútuo, para além da empatia e da inclinação natural.
Um grande beijinho

Manuela Freitas disse...

Olá querida Ana Paula,
Eu penso que no relacionamento humano deve ser sempre preponderante uma moral, mas que é sempre agradável agir pelas inclinações naturais sem pensar nessa moral, mas também não a subestimando.
Beijinhos,
Manuela

José Rui Fernandes disse...

Aqueles que escolhemos para amigos são no fundo uma escolha racional entre aqueles por quem sentimos uma inclinação natural. Digamos que a intuição nos aponta caminhos mas a razão ajuda-nos a escolhê-los.

Um bom desafio à reflexão...

Abraço

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