«Devaneio entre Cascais e Lisboa. Fui pagar a Cascais uma contribuição do patrão Vasques, de uma casa que tem no Estoril.
Gozei antecipadamente o prazer de ir, uma hora para lá, uma hora para cá, vendo os aspectos sempre vários do grande rio e da sua foz atlântica. Na verdade, ao ir, perdi-me em meditações abstractas, vendo sem ver as paisagens aquáticas que me alegrava ir ver, e, ao voltar, perdi-me na fixação destas sensações. Não seria capaz de descrever o mais pequeno pormenor da viagem, o mais pequeno trecho de visível. Lucrei estas páginas, por olvido e contradição. Não sei se isso é melhor ou pior do que o contrário, que também não sei o que é.
O comboio abranda, é o Cais do Sodré. Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão.»
Fernando Pessoa/Bernardo Soares, Livro do Desassossego -Segundo (8-4-1931)
Imagem: foto de A.P.
Imagem: foto de A.P.
11 comentários:
Por vezes também me acho membro do clube do desassossego...
Bjs
Boa noite, Ana Paula. Sabe sempre bem ler F.P., por ele ou pelos seus títeres. Final desconcertante como muitas vezes vezes o universo Pessoano nos interpela. Um abraço. SAÚDE!
Boa música, por aqui se pode ouvir... Um prazer!
Curioso como este excerto aplica-se ao meu dia-a-dia na Linha de Sintra. A paisagem não é mais que cores em movimento que não vislumbro, dado o pensamento longínquo em que encontro. É assim até chegar à estação de Benfica.
Este blog é um espectáculo!
Cumprimentos
.
Olá Ana Paula,
Já o tinha colocado ontem nos contributos, mas só agora tive possibilidade de lhe vir agradecer e deixar-lhe um beijinho :))
Bom Domingo!
Viva Ana Paula!
Belo trecho ... São muitas dessas emoçôes e sensações na viagem de comboio mais linda que existe....
para estes lados claro...
Beijinho e espero que as férias estejam à porta....
Ana
os pensamentos suscitados por sensações, nos pensamentos viaja-se sem fim. nos comboios não, chega-se sempre, embora se possa voltar a partir. boas férias (se for o caso, ou quando for).bjo
Fernando Pessoa
é uma permanente viagem
Há, pelo menos, uma conclusão: Que rica viagem!
Abraço.
Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!
Este Pessoa é um espanto. Por causa deste post lá me veio à cabeça "a coisa" da nossa identidade colectiva. Às vezes penso que encetámos uma longuíssima viagem lá pelos idos sécs. XIV e XV e que ainda não regressámos. E vemos, nesse ir e vir (que nos parece sempre de parte nenhuma), a realidade fugaz e fora de nós, a passar, a passar....
Será uma triste sina?
Ao menos, que as viagens de Lisboa a Cascais sejam retemperadoras.E o CoolJazzFest está aí!!!:-)
Beijiho
E Fernando Pessoa continua a desassossegar-nos, e continua alimentar-nos o sonho, e continua a querer mostrar um seu interior onde habita um olhar ao contrário, um olhar para dentro, um olhar que olha mas não vê.
O nosso Pessoa e a sua singularidade.
Beijinho.
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