quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Poema repetitivo




As mãos de vidro fino
no ar translúcido indolente e raro
prendem o tempo nas palavras ditas
e nisso movem-se subtis
pois quando dizem escrevem
e é só no papel que são gentis

Havia um imperador no oriente
e um belo livro de gravuras
ali na mesa à esquerda de onde estás
um belo palacete tu herdaste
aqui no teu pequeno ocidente
o espaço tempo do universo inteiro
na curva abrupta e curta do teu reino

[poderes nas mãos
os homens têm
e só nas horas vagas são mortais]

As mãos que são de veias latejantes
no ar opaco denso e impaciente
que comem tempo indo febris à boca
dançam colhendo gestos insensatos
que tiram da gaveta aqui ao centro
bebem-te a vida e o licor de flores
ali no teu armário da direita
e tu imperador nas mãos a chave

[licores de flores
que travo amargo têm!
mas só nas horas vagas são fatais]

Havia um homem livre num mosteiro
que aí a vida toda contemplava
no topo da montanha o céu brilhava
e o uno fragmentado se avistava
no livro raro as suas mãos escreviam
e todos em uníssono nele bebiam

[têm os livros raros
a alma posta em sossego
e só nas horas vagas são carnais]


Ana Paula S.B.




Imagem:
Study of a Woman's Hands, Leonardo da Vinci (Drawing - Royal Collection, Windsor)


19 comentários:

observatory disse...

Havia um homem livre num mosteiro
que aí a vida toda contemplava
no topo da montanha o céu brilhava
e o uno fragmentado se avistava
no livro raro as suas mãos escreviam
e todos em uníssono nele bebiam

A.C.Valera disse...

Notável.
Bem me parecia... :)

Miguel Gomes Coelho disse...

Uff!!!
E como eu gosto!
Um abraço, Ana Paula.

Violeta disse...

Não conhecia o poema, gostei muito, muito mesmo.
Bjocas

Anónimo disse...

Um grande abraço de parabéns; adorei! Trata-se de um poema que exige uma leitura no papel, provoca-me a vontade/desejo de analisá-lo com fazia quando era estudante. Mas uma análise não académica, na qual os afectos e a razão se cruzam pela elevação do ser como as "mãos" que tudo podem: criar ou destruir - acariciar ou bater, amar ou guerrear. Nas mãos também está a sabedoria.

audrey disse...

.......Catharsis...

belo ocmo sempre

prazer
passar por aqui...................

José Ricardo Costa disse...

Belíssimo poema. Despojado mas, ao mesmo tempo, de uma enorme riqueza visual.
JR

vbm disse...

Várias e diferentes percepções
do poder de mãos humanas;

só parando o olhar
em cada intuição
as distinguirei...

Mas noto uma falha...
as mãos que acariciam
e curam!

Hei-de reler :)

As mãos da escrita
aprisionam o tempo, sim,
e voam pelo espaço. Sempre
me emociona ler textos
de 2 mil e 500 e mais anos!
prefácios e despedidas de pessoas
que já não vivem...

Lembro-me sempre das palavras dos editores do incompleto Tratado da Reforma do Entendimento publicado pouco depois da morte de Espinosa, uma mensagem comovente que perpassa o tempo e o espaço, imaterialmente na memória do universo

Paulo disse...

Ana Paula, fantástico poema. Parabéns

Martinha disse...

Lindo e impulsionador da criatividade emocional de quem o lê.
Obrigada. Beijinhos.

Ricardo António Alves disse...

Parabéns, Ana Paula :|

Maria Josefa Paias disse...

Parabéns, Ana Paula. Gostei de ler e reler e também me apetecia tê-lo aqui em papel :)
Beijinho.

Manuela Araújo disse...

Ana Paula
Adorei, uma beleza de poema! Parabéns e um abraço

Ana Paula Sena disse...

Muito obrigada a todos pela vossa atenção a esta minha experiência poética.

Na verdade, por vezes, escrever ou tentar escrever um poema é algo para mim muito libertador, face ao trabalho muito mais condicionado de escrever dentro dos limites da razão.

Abraços :)))

maria joão carrilho disse...

"um homem livre no mosteiro",sim , sugestiva imagem,fico à espera de mais palavras destas que nos acariciam a alma...pode ser?

abraço

Ana Paula Sena disse...

Muito obrigada, Joana :)

Um abraço

CNS disse...

Uma experiência com um excelente resultado, Ana Paula. :)

um abraço

Porfirio Silva disse...

Ana Paula,
Gostei. Não é coisa fácil, de consumo imediato, toma tempo e espírito para se ler - mas, de outro modo, não valeria a pena.
By the way... vou linkar!
Felicitações.

Ana Paula Sena disse...

Muito obrigada, Cristina :)

Um abraço


Porfirio: muito obrigada pela atenção e pelo link. Irei ver como ficou, assim como actualizar a minha leitura dos seus sempre interessantes apontamentos.

Um grato abraço :)

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