«Quão belo e bem moldado é o teu volante, assente no aço
Até Sitt Nafour, esta noite, ninguém cede ao cansaço.»
Até Sitt Nafour, esta noite, ninguém cede ao cansaço.»
"Caros senhores, peço-vos que não suponham que o Mustafá Saíd se tinha transformado numa obsessão que me acompanhava em todos os meus gestos. Por vezes, passavam meses sem que me ocorresse tão-pouco que ele tinha morrido afogado, ou que se tinha suicidado, só Alá o sabe. Milhares de pessoas morrem todos os dias. Se nos ocupássemos das razões da morte de cada um e do modo como morreram, o que nos aconteceria a nós, os vivos? A vida prossegue, quer queiramos quer não. Eu, tal como milhões de outros homens, prosseguia. Avançava, na maior parte dos casos, mercê do hábito, numa longa caravana de camelos que subia e descia, que se detinha e, de novo, partia. E a vida, nesta caravana, não era inteiramente má. Vós sabê-lo-eis, sem dúvida alguma. A viagem poderá ser árdua, durante o dia. Os desertos estendem-se, à nossa frente, como mares sem costa. O suor cobre-nos o rosto. As gargantas secam-se de sede. Atingimos o limite para lá do qual julgamos não ser possível avançar mais. E, então, o Sol põe-se e o ar arrefece. Milhões de estrelas fulguram no céu. Nesse momento, comemos e bebemos, e o cantor da caravana começa a cantar. Alguns de nós rezam, atrás do shaykh. Outros formam círculos, dançam, cantam e batem palmas. Sobre nós há um céu quente e aprazível. E, por vezes, viajamos durante a noite, durante tanto tempo quanto nos agradar. E quando a linha branca se separa da linha negra, dizemos: «Quando a manhã nasce, os homens congratulam-se por terem caminhado de noite.» Ainda que, por vezes, as miragens nos ludibriem e pensamentos destituídos de verdade e clareza atravessem a mente febril, pelo efeito do calor e da sede - os espectros da noite dissipam-se com a aurora e a febre do dia arrefece com a aragem da noite. Haverá outro modo de ser, diferente deste? Era assim que eu passava dois meses de todos os anos, nessa aldeia pequena, junto à curva do Nilo."
Um livro que nos traz o grande exotismo de uma região atravessada pelo rio Nilo: o Sudão. A magia dos lugares onde África se mistura com o mundo árabe. Contrastes culturais experimentados por um Mustafá e por um narrador, ambos tendo estudado em Inglaterra.
Mas este exótico e rico universo cultural é o de uma região dominada pelos mais graves problemas: instabilidade política, confrontos culturais e religiosos; e a vivência tenebrosa da Fome. Um lugar que é também o Darfur.
Na edição da Cavalo de Ferro pode ler-se:
"Considerado o romance árabe mais importante do século XX, «Época de Migração para norte» é uma obra polémica e ainda proibida em diversos países do Médio Oriente e de África."
"Esta obra faz parte da Série de Obras Representativas da Humanidade escolhidas pela UNESCO."
"Considerado o romance árabe mais importante do século XX, «Época de Migração para norte» é uma obra polémica e ainda proibida em diversos países do Médio Oriente e de África."
"Esta obra faz parte da Série de Obras Representativas da Humanidade escolhidas pela UNESCO."
Imagens: pesquisa do Google (clicar no mapa para aumentar)
5 comentários:
«Quando a manhã nasce, os homens congratulam-se por terem caminhado de noite.»
Lindo.
Adorei.
Olha vou comprar o livro!
Gostei muito do excerto, despertou-me a curiosidade. :|
Para que conste que o mundo árabe não desaparece entre as cinzas do terrorismo, mas antes, renasce pela força da cultura, este livro é a prova, e, enquanto existir gente, homens e mulheres de letras que saibam como usar as palavras, acredito que o mundo árabe ainda tenha hipóteses de se levantar dos tenebrosos anos da guerra, da fome, da miséria...
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
É urgente resistir
obrig. pela info...
Chuac!_
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