Hoje, deu-se um acidente à minha porta. Na estrada, atravessando fora da passadeira, uma mulher ainda jovem foi parcialmente colhida por um carro. O condutor apitou no momento em que lhe batia. E seguiu a sua viagem, dominado pela velocidade vertiginosa que imprimiu à viatura. Não parou, não ofereceu ajuda, seguiu... como se tivesse pisado uma formiga.
O acontecimento, que por mera coincidência pude presenciar, foi muito rápido! Ninguém, eu incluída, fixou a matrícula do automóvel. Os olhares convergiram de imediato na mulher ali caída. Desde logo, chorava e queixava-se de muitas dores. Tive oportunidade de testar a minha humanidade. Cheia de pressa e afazeres, parei e fiquei por ali, dando algum apoio com palavras calmas e (talvez) um pouco reconfortantes. Telefonei a pedir ajuda. Claro que não fiz nada de especial. Era o mínimo. Outras pessoas também ficaram para ajudar e apoiar. No entanto, a ajuda era escassa. Não podíamos fazer rewind neste pequeno filme, e fazer com que aquela mulher pudesse continuar a sua luta diária. Ia a correr para o local de trabalho... Não podíamos viver a sua dor e toda a sua vida transtornada, no lugar dela. Nem quereríamos tal. Não seríamos certamente capazes de tanto.
Fiquei a pensar... e todo o resto do dia ficou a sensação estranha e revoltante de podermos ser apenas umas formigas uns para os outros. Vezes demais!
Eu gostaria de ter perguntado ao condutor daquele carro: «Diga-me... afinal, somos humanos ou somos formigas?!».
Acho que ele ficaria a rir-se de mim. Porque na ordem cósmica do universo, é certamente muito menos do que uma formiga!! Elas não páram, seguindo o seu programa genético pré-definido e fechado. Aquela pessoa, conscientemente, com capacidade de escolha e de decisão, optou por ficar abaixo do comportamento de uma formiga. Porque viu num(a) outro(a) aquilo que de facto é ele que é.
E as formigas até são bem interessantes! Ao contrário de certos seres "humanos".
Este pequeno vídeo é um excerto do filme "Waking Life" de Richard Linklater
Imagem: Moebius Strip II-Ants de M.C. Escher
11 comentários:
Não consegui ver o vídeo, mas fiquei impressionada com o teu relato. Vamos de mal, a pior.
Um abraço
em azul
somos lobos e formigas. quadros de efeitos vários. alegres como tristes. silêncios comprados na loja da esquina. onde todos vamos de vez em quando comprar cerejas.
um beijo AP
Ana PAula
Imagino como te deves ter sentido e a pobre da atropelada nem se fala.
As pessoas são assim, cada vez mais individualistas, indiferentes, querendo atropelar tudo e todos.Afinal não é assim que educamos as nossas crianças?
Bjos e espero que te sintas bem.
Sim, ele (por muito assustado que eventualmente pudesse estar...) está abaixo de classificação.
um mundo cada vez mais e mais impessoal.
a informática , as cidades, a mulher no trabalho, os divórcios. A ausência de religião e de valores familiares. A globalização.......
Tudo isso!
Mas há ilhas....
Eu "tento" pertencer a uma delas mas , infelizmente divido-me e disperso-me por coisas a mais e apenas dedico uma tarde.
É a Associação de Gereontologia de Algés. Preciso de cortar pequenos fait-divers que me ocupam vários dias da semana e dedicar-me mais ao próximo., Na verdade só nos grupos ligados à Igreja católica ainda se podem viver essas solidariedades.
Os neocatuménicos são excelentes. Pena eu não poder seguir o caminho deles.levaram-me a desistir. são demasiado exigentes mas é nessa exigência que está a qualidade deles ............
São os únicos
(...)
não somos quem poderíamos ser.
beijo
gerontologia... quis dizer...
muito obrigada pelo dardo do lado, trazia outro... mas vou fazer como tu.
há tantas formigas que tombam em silêncio, longe dos olhares dos passantes, nas nossas sociedades democráticas e civilizadas!
de passagem
bom...
falta de humanidade e mais qualquer coisa que nao vou aqui dizer
e porque nao vamos todos pro...
eden?
veja um apontamento curioso
a minha mae conheceu o meu pai porque um sacana atropelou um cao.
pois... os atropelamentos tambem dao para perceber certas coisas: quem está e quem nao está.
Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
Eugénio de Andrade
a situação é chocante mas acredito q o condutor n terá noites de sossego
Enviar um comentário