Há registos e registos. E registos e registos. E, entre eles, pode encontrar-se também o registo inócuo. E o registo neutro. E o registo que não chega a registar-se.
Pela manhã, durante a tarde, quando a noite cai... não importa a hora ou o lugar, parece existir tanto para dizer... Mas, perante a imensidão do que há para ser dito, do que se teria para dizer, são inúmeros os instantes nos quais uma vaga sensação de inutilidade ganha terreno e começa a dominar.Também a memória se impõe, nesse entretanto, lembrando que, provavelmente, já tudo foi dito.
Mais insustentável é esquecer que, provavelmente, já tudo foi feito. Ainda que a possibilidade de alguma coisa ter ficado por acontecer no mundo vá pontuando os dias, dando-lhes uma certa cor e necessidade.
E perante estas quimeras de teor mais ou menos filosófico, a verdade é que para lá das catadupas de acontecimentos que se atropelam no mundo, muito do que se faz é tarefa de "copista".
Ainda assim, nada querendo dizer, nada querendo fazer, muito se diz, muito se faz. Na minha livre interpretação, o que a figura de Bartleby introduz como problema é a possibilidade e a anterioridade da escolha na acção. Digamos que o ideal parece ser sempre a possibilidade da escolha. Em tudo. Mesmo que não se tenha a hipótese, permanece o desejo de escolher. Ele pode eclipsar-se, pode recuar para uma dimensão e um terreno que é o do nada. Anterior a qualquer escolha, a qualquer decisão, a qualquer iniciativa. Pode não "copiar" mais nada. Pode não (re)escrever mais nada. E, apesar disso, escolheu. Marcou, escreveu nas linhas e nas entrelinhas do mundo.
Bartleby não faz nada. Pelo que a sua acção está assim mesmo, desde logo, definida. Bartleby não pode escapar do mundo. Apesar disso, é certo que ele dirá sempre
Há fases em que me sinto um bocadinho (ou muito) Bartleby. Espero que não seja grave.
Imagem: pintura de Egon Schiele
Pela manhã, durante a tarde, quando a noite cai... não importa a hora ou o lugar, parece existir tanto para dizer... Mas, perante a imensidão do que há para ser dito, do que se teria para dizer, são inúmeros os instantes nos quais uma vaga sensação de inutilidade ganha terreno e começa a dominar.Também a memória se impõe, nesse entretanto, lembrando que, provavelmente, já tudo foi dito.
Mais insustentável é esquecer que, provavelmente, já tudo foi feito. Ainda que a possibilidade de alguma coisa ter ficado por acontecer no mundo vá pontuando os dias, dando-lhes uma certa cor e necessidade.
E perante estas quimeras de teor mais ou menos filosófico, a verdade é que para lá das catadupas de acontecimentos que se atropelam no mundo, muito do que se faz é tarefa de "copista".
Ainda assim, nada querendo dizer, nada querendo fazer, muito se diz, muito se faz. Na minha livre interpretação, o que a figura de Bartleby introduz como problema é a possibilidade e a anterioridade da escolha na acção. Digamos que o ideal parece ser sempre a possibilidade da escolha. Em tudo. Mesmo que não se tenha a hipótese, permanece o desejo de escolher. Ele pode eclipsar-se, pode recuar para uma dimensão e um terreno que é o do nada. Anterior a qualquer escolha, a qualquer decisão, a qualquer iniciativa. Pode não "copiar" mais nada. Pode não (re)escrever mais nada. E, apesar disso, escolheu. Marcou, escreveu nas linhas e nas entrelinhas do mundo.
Bartleby não faz nada. Pelo que a sua acção está assim mesmo, desde logo, definida. Bartleby não pode escapar do mundo. Apesar disso, é certo que ele dirá sempre
- Preferiria de não (« I would prefer not to »)
Há fases em que me sinto um bocadinho (ou muito) Bartleby. Espero que não seja grave.
Imagem: pintura de Egon Schiele
11 comentários:
Uma inacção de uma completa turbulência
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mover por dentro.
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bjo
obrigada pela dica
O melhor é fazê-lo, sem pensar no para quê. Porque tem de ser feito. Talvez após estar feito ganhe sentido. É um pouco como a história da montanha e do alpinista: ela está lá, tem de ser vencida, por mais que já tenha sido feito...
é verdade...
bartleby
tenho momentos que penso assim: eu preferia nao o fazer mas...
lá vai
faço-o a meu jeito:)
nao calcula o gozo que da
inventar uma forma para nao perceberam que nao o fiz assim
mas de outra forma
a meu jeito
continua muito bem
tenho que voltar para ler o post em baixo. voce nao adormece na forma nem no sectarismo
Ana PAula
Obrigada pelo teu excelente texto. Foram vários os motivos por que o apreciei, mas o principla é que me sinto assim, quase sempre, em determinados parâmetros da minha vida, em algumas situações, profissionais, pessoais... e não tinha um nome para lhe dar.
"Pela manhã, durante a tarde, quando a noite cai... não importa a hora ou o lugar, parece existir tanto para dizer... Mas, perante a imensidão do que há para ser dito, do que se teria para dizer, são inúmeros os instantes nos quais uma vaga sensação de inutilidade ganha terreno e começa a dominar."
Feliz dia!
Pois eu não são fases. É o tempo todo que me sinto Bartleby: "Prefiro não o fazer". Até não precisar de almoçar.
beijo
Síndrome de Bartleby, esse mal endémico das letras contemporâneas, a pulsão negativa ou a atracção pelo nada que faz com que certos criadores, nunca cheguem a escrever, ou escrevam um ou dois livros e depois renunciem à escrita.
É não só uma tendência contemporânea mas também uma etapa da nossa literatura, e pode ser o caminho que permanece aberto à autêntica criação literária.
Dessa pulsão negativa, poderá nascer uma nova literatura.
Por vezes é bom “parar” e recuperar energias para uma nova caminhada. Temos andado a cavalgar o mundo, perdidos nas distâncias e nas almas.
Um beijinho
Interessante esta tua dissertação sobre opção de escolha e " preferia não o fazer".
Não conhecia a estória de Bartleby, só tu... :)
Achei muito interessante.
baixemos os braços então...deixemos correr para uma outra coisa toda este desastre do "fazer alguma coisa". Sejamos originais então.
De qualquer modo não escaparemos ao mundo.
Um beijo
bom fim de semana.
É curioso que tenha referido este caso, porque no curso que ando a dar em Serralves, ele veio à baila, a propósito da noção de potência, de G. Agamben, e da ideia de suspensão. Porque a suspensão não é a preguiça, é algo mais profundo que vem de Aristóteles, como o próprio Agamben explica.
Gosto muito do seu blogue. Parabéns.
Sabe que vem a Serralves o Jean-Luc Nancy? É a não perder!! Pode ver-se na página da Fundação de Serralves.
Cordiais saudações
Vítor Oliveira Jorge
http://trans-ferir.blogspot.com
esta agora deixou-me de boca aberta..onde é que posso aprender mais sobre este sindroma de bartleby?
(tou a ler os links :P ok!)
"preferia não faze-lo" grande arma, tou ansiosa por usá-la :DDDDD
muito obrigada pela passagem de conhecimentos
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