segunda-feira, 24 de março de 2008

Slavoj Zizek - 1

É indiscutivelmente gerador de polémicas. Controverso e surpreendente. Tido por alguns como inconsistente. Tem a visão provocadora de um psicanalista do século XXI. Criador de uma filosofia ecléctica e inovadora.

Se nos parece estranho, não deixa de nos oferecer momentos de genial lucidez. Se nos parece irreal, consegue levar-nos a pensar a hiperrealidade como uma nova face do real. Quais as consequências?


" (...) hoje, a nossa percepção da realidade é mediada pelas manipulações estetizadas dos media de tal maneira que já não nos é possível distinguir a realidade da sua imagem mediática: a própria realidade é experimentada como espectáculo estético. As explosões de violência irracional devem ser entendidas neste quadro: como tentativas desesperadas de estabelecer uma diferença entre a ficção e a realidade através de uma passagem ao acto - ou seja, de atravessar a teia de aranha da pseudo-realidade estetizada e de alcançar a dura realidade. (...)

O problema dos media contemporâneos não consiste na sua capacidade de nos fazerem confundir a ficção com a realidade, mas antes no seu carácter «hiperrealista», por intermédio do qual saturam o vazio que mantém aberto o espaço para a ficção simbólica. A ordem simbólica só pode funcionar mantendo uma distância mínima em relação à realidade, graças à qual possui, em última análise, o estatuto de uma ficção. Basta que lembremos aqui a ansiedade que emerge quando as nossas palavras se realizam «à letra». (...) Quando, por exemplo, um empregado de hotel me cumprimenta com um «Como está hoje, o senhor?», a melhor maneira de lhe causar surpresa é levar a sua pergunta a sério e responder-lhe («De facto, tive um dia mau. Primeiro, uma enxaqueca terrível da parte da manhã. Depois...). (...)

O que é que se produz, então, quando esta hipertrofia imaginária satura o espaço para a ficção simbólica?(...) A consequência necessária da proximidade excessiva de a a respeito da realidade, sufocando a actividade da ficção simbólica, é, portanto, uma «des-realização» da própria realidade: a realidade já não é estruturada por intermédio de ficções simbólicas; as fantasias que regem a hipertrofia imaginária intervêm nela directamente. E é então que a violência entra em cena, sob a forma da passagem ao acto psicótica."
Slavoj Zizek, "A Guerra das Fantasias" in As Metástases do Gozo

É esta passagem ao acto pela violência, algo inevitável, hoje? O fenómeno é complexo, mas é esta a questão que não se pode deixar de colocar; para a qual são urgentes respostas que contribuam para uma auto-compreensão das sociedades actuais.

Discutível, e ainda bem, a nossa radical interpelação é um traço característico de Slavoj Zizek.
Ainda há tempo para a imaginação e espaço para a ficção simbólica?
Resposta de Zizek:




15 comentários:

Bandida disse...

belo post, AP!!muito bom, mesmo!!

i also want the third pill...

beijo

Isabel Victor disse...

" As Metástases do Gozo "


Fabulosa metáfora do admirável mundo novo ...

e voltamos à questão dos espelhos ... e a Lacan.

Ando ás voltas com isto :))


Vou pensar sobre o assunto.

Volto já :))



Bjs admiráveis * iv

Isabel Victor disse...

A realidade dentro da própria ilusão ...

(Afinal tudo é contrução)

Muito interessante, Ana paula

...


iv* de cinema

Anónimo disse...

um texto exigente, de profunda intelectualidade. a ténue fronteira entre a ficção e a realidade. o não sabermos nunca em qual delas nos movimentamos afinal. gostei muito de ler, ana paula. um grande beijinho.

isabel disse...

adorei o texto (e so sotaque :)

a realidade dentro da ilusão. o desfazer do engano?

beijo Ana Paula

isabel disse...

do*

Xarroque disse...

Zizek, possuidor desse olhar crítico e incisivo sobre a sociedade moderna. Abre-nos novos caminhos para olhar o mundo. Ao alcance de poucos.
Bom post!
Abraços.

Lord of Erewhon disse...

Não diz nada de novo. Tem é um talento que falta a muito filósofo: sedução dos públicos.

O Savater é outro. Ainda não escreveu nada que mereça ser recordado daqui a 100 anos, mas cai bem.

Dark kiss.

e-ko disse...

um seguimento lógico do post anterior... a hiperrealidade ou o deslizar sub-reptício dos diferentes déjà vus, não, Ana Paula ?

mas até na domesticação do real, ficcionado ou não, que nos invade em intermitência, de fora e de dentro, é possível o tempo para a imaginação e espaço para a ficção simbólica... mas isso também se aprende e se treina, como tudo o resto... como o espírito crítico em relação à evidência do mundo hiperreal mediático que nos cerca.

este teu post, como os outros, é muito interessante e faz eco a algumas questões que me atravessaram em certas alturas, para além das que estão relacionadas com a educação dos jovens e a presença avassaladora das inúmeras imagens, não só violentas, nos médias de massa, mas também as explicitamente eróticas ou pronográficas de acesso muito facilitado.

sem tentar desenvolver esse espírito crítico e a distância necessária, estará tudo perdido, no entanto... esta é uma questão duma extrema importância. hoje, nem o tédio haverá que permita a interrogação (a sociedade actual propõe, continuamente, tudo o que é necessário para que ninguém sinta tédio, todos os tempos livres devem ser preenchidos e os desejos satisfeitos e, se não for possível, só resta o recurso à violência para os poder satisfazer)

gostava de desenvolver um pouco mais estas questões, com mais tempo. vou passando...

beijinhos

SMA disse...

Bjo grande

bela escrita...

boa semana


doce *

intruso disse...

Não sei se algo de realmente novo
(talvez algo de muito velho e universal...)
...mas que dá que pensar (oportuno, actual)

...

[eu também acredito no real da hiperirrealidade]


um beijo
[excelente post/leitura]

:)

Anónimo disse...

post verdadeiramente IRREAL...

porque toda a beleza será um misto de mágico e de possibilidades várias sobre a inteligência.


que em ti é visível e sentível.

bom dia Ana Paula,,,tenho tentado vezes sem conta vir aqui comentar...os deuses na sua indómita vontade sempre me fechavam as portas...hoje deviam estar distraídos e entrei!!!!

beijo-te.

na cumplicidade terna de quem te lê e fica a pensar..:)
_______________________.
Mulher CRIATIVA!!!!!!
TU!
e de um extremo bom gosto.
e saio.

feliz e re.saciada.


obrigada. e tb aos deuses que me deixaram entrar..:)


IMF.

e-ko disse...

voltei, para reler um pouco melhor o post e ver o vídeo que não pude ver ontem por problemas técnicos entre o meu computador e o youtube.

não conhecia o Zizec e estive a ler umas coisas e se ele diz algumas coisas interessantes sobre a sociedade actual, mas nada de fundamentalmente novo, incomoda-me o seu lacanismo... não era necesserário, porque razão complicar, quando se pode fazer simples?

Ana Paula Sena disse...

Agradeço a todos o interesse e a atenção dispensada à minha curta alusão a Slavoj Zizek.

Na verdade, gostaria de expressar resumidamente a minha posição face ao autor, sem qualquer pretensão de esgotar o tema. E em resposta à e-ko que deixou ficar uma interrogação no "ar", o que muito me agrada sempre. :)

A meu ver, o mérito de Zizek consiste em "cozinhar" um ponto de vista que nos perturba, quanto mais não seja porque nos exige a clarificação de certas ideias que defende e que nem sempre nos parecem acertadas, em especial por uma certa incongruência nas análises que faz.
A sua perspectiva filosófica está plenamente imbuída da óptica psicanalítica, em particular da de Lacan. Parece-me que o único sustentáculo da sua filosofia consiste numa reinterpretação lacaniana da realidade, adaptada às sociedades actuais. Se este edifício lacaniano desaparecesse, a construção de Zizek desabava. Isto, sem menosprezar o interesse que Lacan encerra, não nos deixa algo de Zizek verdadeiramente original e inovador.

Por outro lado, trata-se de um autor com predilecção por afirmações bombásticas, o que pode desagradar, porque o provocador, só por si, não favorece por aí além o progresso.

Pontos que nele obtêm a minha adesão:
- é um cinéfilo inveterado, o que me parece uma óptima qualidade;
- pensa o nosso tempo, por ex.,a questão da hiperrealidade, excelentemente abordada por Baudrillard, é um tema que dará que pensar no futuro, quanto a mim...e é tema de reflexão para Zizek;
- a forma como tenta chegar ao grande público, o que me parece sobejamente importante.

O que menos aprecio nele:
- a falta de sistematicidade, exigência de qualquer trabalho sério e consequente, em todas as áreas, e na filosofia também. No entanto, muitos foram aqueles que com pensamentos algo caóticos e desorganizados contribuiram para grandes e geniais descobertas, invenções frutíferas e renovação do mundo e das sociedades.

Finalmente, quanto ao facto de ser ou não inovador... é certo que são urgentes ideias novas, mas... como será possível a qualquer um de nós, hoje, pensar mediante a abstracção de todo o passado da humanidade, que é já longo, para acrescentar algo verdadeiramente inovador?! Essa tarefa, agora, é cada vez mais difícil... Deve ser por isso que, em todas as áreas, aquilo a que se assiste é a uma recuperação do passado, desde o campo da filosofia, até ao da moda, etc por aí fora... Porque é,talvez, cada vez mais difícil cortar com toda a tradição e com todo o desenrolar da história,uma vez que ela é imensa. É como querer construir uma cidade nova, a partir de uma já existente.
Apesar da dificuldade em criar algo que seja verdadeiramente inovador, julgo que, ainda assim, algo de novo vai surgindo, mas tudo acontece com pequenos avanços, os quais,por vezes, só se dão ultrapassando muitos retrocessos e períodos de estagnação.

Já me alonguei demais, mas deve-se à consideração que tenho pelas objecções colocadas pelos que aqui passam, aos quais mais uma vez agradeço a oportunidade que me deram de com eles pensar!
Obviamente, todas as minhas afirmações são discutíveis.

Nem com Zizek, nem sem ele, talvez através dele... :)

Anónimo disse...

Não há nada de mais "déjà vu" que pretender que tudo seja inovação. Ora, sabe-se, que não há nada de novo à face da Terra para ser dito. O que há de novo é a forma de dizê-lo. É a personalidade de quem diz que faz (e traz) a novidade do que é dito. Quanto a Zizek, que foi muito bem “vendido” por esse mundo fora, comprei todos os livros dele editados em Portugal, li metade de um e folhei os outros. É cinéfilo, o que me agrada, mas não me seduz particularmente. Quem sou eu, porém, para o julgar, se nem o li a sério? Nem tenho essa pretensão. Que outros cumpram essa função programática. Mas seria muito mais interessante discutir o que Zizek diz do que lançar simplesmente o anátema. Coisas.

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