sexta-feira, 9 de novembro de 2012

coisas de outros tempos. ou não.

Uma criada dá sempre a direita aos senhores excepto no «passeio», em que lhes compete sempre o lado de fora.
Se sai do automóvel segue a mesma regra e, portanto, abre a porta do lado direito para a senhora entrar e depois dirige-se para a porta do lado esquerdo. Se vão três pessoas o lugar inferior é o do meio.
Ao subir uma escada, se esta tem corrimão, deve deixar esse lado para os senhores.
A criada bem-educada sempre que a sua senhora passe por ela desvia-se respeitosamente dando-lhe a direita, nunca deixando que a senhora passe por detrás dela.
Quando fala com os seus senhores deve ter o cuidado de não empregar termos grosseiros, não falar de costas ou sentada. Lembre-se que está a falar a superiores e que a delicadeza nunca é demais. 
Deve falar sempre em voz baixa e submissa, nunca interrompendo os seus senhores.
«Instrução Profissional: Aprender para saber. As criadas perante os seus senhores.» in Inês Brasão, O Tempo Das Criadas

4 comentários:

AMCD disse...

Fiquei curioso em saber a data desse excerto a que se reporta a obra de Inês Brasão.

Quando eram esses outros tempos do excerto? Séc. XIX? Anos 60 do séc. XX? ("Googlei" e não encontrei)

Parece que o regresso das sopeiras, ou criadas, é acompanhado pelo regresso de muitas outras profissões "submissas" ou "reparadoras" que julgávamos já erradicadas há muito (como acontece com certas doenças). Regressaram também os amola-tesouras, os sapateiros que se animaram, os engraxadores, as varinas com os seus pregões de rua, os reparadores de electrodomésticos, de TV e doutra parafernália electrónica, etc.

Parece que algo morreu da sociedade de consumo - aquela sociedade em que o sapato estragado ou a TV que não funcionava eram logo jogados fora, ainda que tivessem arranjo, preferindo-se adquirir de imediato um novo par de sapatos ou uma nova TV. Uma Era de desperdício, em que ainda vivemos, embora agora de forma mais atenuada, por causa da crise.

Mas regressam também as profissões ligadas à diferenciação (desigualdade extrema, polarização) entre os ricos, os abençoados pela vida, e os pobres, os castigados.

"Malhas que o Império tece".

Patriota disse...

O Camões tinha razão: "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", e pensar que este passado é tão surpreendente para nós, hoje, um mundo tão hierarquizado e tradicional. Obrigado por partilhar este documento tão interessante, já tinha ouvido falar neste livro da Inês Brasão, talvez o venha a comprar.

Ana Paula Sena disse...

AMCD, vou tentar situar melhor o excerto:

- o livro de Inês Brasão, "O Tempo das Criadas", refere-se a uma história das criadas domésticas em Portugal. o título é explicitado com o subtítulo 'A condição servil em Portugal (1940-1970)'.

- esta passagem que citei aparece na pág. 211 do livro (edição de bolso da Tinta da China); surge como mote para o capítulo intitulado "Da Dominação".


- o excerto foi retirado do periódico "A Voz das Criadas", nº 330, Agosto; não há nenhuma outra indicação bibliográfica, mas como há uma referência que data o nº 154 de 1946, podemos situar o nº 330 uns anos depois.

- o livro tem uma série de interessantes referências relativas à Acção Social da Igreja no período do Estado Novo - há muitas passagens curiosas sobre as Zitas, por exemplo.

Grata pela questão colocada, hei-de voltar ao livro...

...creio que existem, de facto, novas formas de servilismo no nosso tempo; a sociedade de consumo está em plena crise (o que pode ter aspectos positivos), mas o aproveitamento ideológico dessa situação apresenta muitos contornos de um "oh tempo!, volta para trás".
gostaria mais de observar uma "ida para a frente" de progresso humano e civilizacional, uma que não representasse o paradoxo de um futuro como regresso a uma espécie de "ser humano das cavernas" - sem electricidade, sem vida cultural, sem tempo para viver uma vida para além da luta pela sobrevivência, etc...

como será isso possível e quando? pois...

Ana Paula Sena disse...

Daniel, o livro é mesmo interessante, se quisermos compreender melhor a mentalidade daquela época, e conhecer melhor o contributo das criadas domésticas para a organização da vida quotidiana das famílias portuguesas antes do 25 de Abril. Mas também para ficar a saber que ser criada naquele tempo talvez fosse melhor do que sê-lo hoje, em determinados aspectos - por incrível que pareça!

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