A beleza pode ilustrar um ideal, uma perfeição. Ou, devido à sua identificação com as mulheres (mais exactamente, com a Mulher), pode desencadear a habitual ambivalência decorrente do secular aviltamento do feminino. Muito do descrédito da beleza deve ser entendido como um resultado da inflexão do género. Também a misoginia poderia estar subjacente ao impulso de metaforizar a beleza, colocando-a desse modo acima do reino do "meramente" feminino, o menos sério, o superficial. Na verdade, se as mulheres são veneradas porque são bonitas, são tratadas com condescendência pela sua preocupação em se tornarem ou manterem bonitas. A beleza é teatral, é para ser contemplada e admirada; e a palavra tanto faz pensar na indústria da beleza (revistas de beleza, salões de beleza, produtos de beleza) - o teatro da frivolidade feminina - como nas belezas da arte e da natureza. Como explicar de outra maneira a associação entre beleza - isto é, mulheres - e vacuidade? Preocupar-se com a sua beleza é incorrer na acusação de narcisismo e frivolidade. Consideremos todos os sinónimos de beleza, a começar por "adorável", o meramente "engraçada", que clama por uma transposição viril.
Diz-se: "Bonito é o que bonito parece." (Mas não: "Belo é o que belo parece.") Embora se possa aplicar tanto quanto "belo" à aparência, "bonito" - desligado de associações com o feminino - parece um modo mais sóbrio, menos efusivo de elogio. A beleza não é normalmente associada à gravitas. Assim, é possível que se prefira designar o livro que serve de veículo à divulgação de imagens insuportáveis de guerra e de atrocidades como "um bonito livro", como eu fiz no prefácio a uma compilação de fotografias de Don McCullin, receando que considerá-lo "belo" (que o era) fosse visto como uma afronta, dado o seu tema chocante.
Susan Sontag, Um Debate sobre a Beleza
1 comentário:
Olá Ana Paula
As pessoas belas são especiais. Possuem uma aptidão diferente da maioria: conseguem sentir todas as matizes e todas as variações de cores e afectos, enquanto que a maioria apenas distingue o preto do branco. São as pessoas belas aquelas que vêem uma papoila a caminho de casa, que saboreiam os pequenos prazeres como grandes milagres da vida. Também são aquelas que mais se entristecem com os atrocidades de todos os dias, que choram com o sofrimento dos mais fracos. São as pessoas belas que conseguem eternizar tanto a Beleza como o Horror porque não esquecem, nunca se esquecem…
Eduarda
Enviar um comentário