sábado, 5 de novembro de 2011

Coisas giras, que a vida deve ser levezinha

Vamos falar de uma coisa girinha: vamos falar da censura. Do célebre lápis azul. Não do lapis lazuli, pedra bela semi-preciosa que faz os meus encantos. Não, é mesmo do lápis azul, o que até pode ser de qualquer cor, ou até incolor, conforme der jeito.
A censura é realmente uma coisa muito moda. Senão, repare-se: imagine-se que, em tempos, em tempos que fazem história, se escrevem grandes tratados sobre o tema, assinalando-se didáctica e pedagogicamente, no âmbito de um determinado contexto cultural, o quão empobrecedora é a censura... Imagine-se ainda que, deste modo, se coloca toda a ênfase possível no atraso decorrente do nosso país, reduto à beira-mar plantado de mentes limitadas e paraíso para pequenos ditadores (às vezes, para grandes). Até aqui, tudo bem, até porque uma pessoa fica bem vista como grande defensora da liberdade, tema bonito pós-25 de Abril. Acrescentemos a tudo isto, agora, a passagem do tempo. O tempo que decorre lenta e inexoravelmente esculpindo mentes, corpos e, afinal, vidas! Com tendência para a rigidez. A das articulações, a das redes neuronais encerradas em si mesmas, a das "vistas curtas". O resultado é fatal para a liberdade e para qualquer postura democrática consistente. Sobretudo se a rigidez é mantida vivaz com uma trela. E está quase tudo dito acerca do destino fatal do ideal/intervenção social anti-censura. Resta só imaginar ainda os actos concretos pós-acção do tempo e suas vicissitudes. Chegar-se, por ex., ao ponto de censurar comentários inócuos em lugares abertos à apreciação do público. Comentários inócuos, é de frisar. A radicalidade da censura não resulta de grandes ideias nem de grandes feitos, tão só de pequenos interesses, de pequenas submissões a trelas multicolores com as quais se engana a incontornável passagem do tempo. Esse tempo que pode ser muito malvado e pouco danado para a brincadeira.
Posto isto, posta esta hipotética viagem pela imaginação, há que ser rigoroso. Afinal, o que é ser livre? Pode um acto de liberdade decidir censurar porque é assim que se quer e mais nada? Eu julgo que sim. E, portanto, esta hipótese gira acerca da censura está validada do ponto de vista da liberdade pessoal. Agora, perguntemos ainda: este acto tem consequências? Obviamente, tem. Isto que estou a escrever é uma delas. Provavelmente, a menor e a mais inofensiva de todas. Quem é livre, que assuma as suas responsabilidades. 
Tenho dito, sobre coisas levezinhas.

3 comentários:

vbm disse...

Tens toda a razão, ana paula.

A rigidificação de ideias
é notória na comunicação
social. Eu já não posso
com aquela frase
pseudo-exemplificativa:

"Estamos a falar de..."!

Ultimamente, tenho recordado Bertrand Russell que sempre teve uma vida de pensamento desassombrado, em corajoso confronto com a ditadura da opinião pública, quer na sua vida pessoal quer política.

É do que Portugal precisa, cidadãos desassombrados que concordem ou discordem do governo e ou da opinião popular e digam da justiça das suas razões.

observatory disse...

gosto de si assim

pensa :)

spring disse...

Na época da famosa censura escrevia-se muito nas entrelinhas, e só lia quem queria. Recordo-me como um jornal falou do golpe das Caldas, referindo-se a um desafio de futebol. Com a chegada da liberdade, depois desse momento de euforia em que se lia os livros proibidos e se via os filmes cortados finalmente na íntegra e o jornalismo respirava cultura, nasceu uma outra censura, chamada económica, acompanhada pela famosa ditadura das audiências, que tem destruído a cultura, em todas as suas vertentes, com o seu rolo compressor, oferecendo-nos a vida dos famosos e as tragédias, porque o sangue e a morte vendem bem. É claro que não estou a defender a censura, apenas lamento a perda da criatividade, e as fracas opções que os agentes culturais oferecem, em todas as áreas. Por vezes penso que essa personagem que com o seu sino censurava as imagens dos filmes em "Cinema Paraíso", vive no meio de nós.
Gostei do seu texto magnifico.
Rui Luís Lima

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