no banco de jardim encontrava-se assim. eu passei por ele. como quem passa por qualquer um. mas voltei atrás. a sua imagem entrou-me pelo canto do olho. acho que foi pelo esquerdo. normalmente o meu olho esquerdo sofre atracções irresistíveis. de modo que lá fui eu sentar-me ao lado de assim. ele queria falar e eu nem por isso. o silêncio pesava-lhe já havia dois meses. a mim pesava-me a falta dele. avisou-me logo que diria pouco. essa era a sua medida. fiz-lhe perguntas. para escutar esse pouco dele. e ele lá respondeu. como te sentes? estou bem. que achas disto? está bem. que achas daquilo? está bem. antecipando que me irritasse achou por bem avisar-me. eu digo sempre o mesmo. mas eu fingi não me ralar com a previsível monotonia. ousei dizer. dizer o mesmo e pouco é melhor que nada dizer. está bem. disse-me assim. não me perguntem porquê mas achei esta conversa interessante. se fosse assim a falar diria que está bem. eu ainda introduzo uma variante. a de que talvez esteja bem. enquanto pensava nisto fiquei em silêncio. pelo canto do olho dei por assim a olhar para mim. também achei interessante. um olhar que é de outro e logo com os dois olhos é dizer imenso. sei que estás aí. disse-me o olhar dele. e eu deixei o canto do olho alargar-se até o abarcar todo. como gente. telepaticamente assim disse-me muito. não me pergunto porquê mas achei esta parte dolorosa. o que também achei interessante mas menos. se fosse assim diria está bem. eu ainda acrescento um duplo sentimento. sinto que está bem senti-lo assim. na verdade está bem assim assim. mas adiante. perguntei então se podia dar-lhe a mão. está bem. disse-me. já de mãos dadas dissemos tudo. foi um silêncio dialogante. nem eu nem assim ficámos perturbados. o que me parece estar bem. foi um momento-contacto. tenho-o visto em filmes. por isso fiquei a saber. que estava triste mas bem. perguntei-lhe porquê. o que está bem é estar triste. disse-me no fundo das pupilas trémulas. ia eu responder-lhe quando tocou um telemóvel. assim atendeu. o que o fez mecânico. não fosse estar tudo bem espantar-me-ia. ele falou imenso. o que fui ouvindo. com o ouvido direito. ele sentado a meu lado. descobri então uma mão vazia. até me deu jeito. agarrei a mala. disse-lhe com os olhos. está bem. mas ele não viu. passei por assim. como quem passa por qualquer outro. está bem. pensei baixinho.
passaste por mim. como por qualquer outra. até perguntaste. como estás? estou bem. respondi.
Foto A.P. (Marvão - Julho 2011)
Foto A.P. (Marvão - Julho 2011)
2 comentários:
Há desencontros
assim
Há. Na vida, hoje, às vezes, há um desencontro recorrente. Comunicação directa off.
(sobretudo com adolescentes)
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