Claro que nada disto é novidade. Mas, olhando à minha volta, face a tantas incertezas deste nosso mundo actual, perante as complexas previsões para o nosso futuro, sou conduzida a uma espécie de consciencialização acrescida das marcas deste novo século. As tendências do desenvolvimento, a orientação mais ou menos desorientada que lhe é imprimida, as novas faces que revelam as nossas identidades, e, ainda mais, o modo como lhes damos maior ou menor consistência - em fusão com os mais sofisticados meios tecnológicos; tudo razões para pensar a irreversibilidade do tempo, para mergulhar, mais ou menos penosamente, com maior ou menor entusiasmo, na complexidade do universo de que fazemos parte, enquanto elementos integrantes das sociedades humanas.
Verifico que já não é possível pensar com base em dicotomias simples. Podemos acreditar, sem dúvida, que um modelo de desenvolvimento assente numa intervenção total do Estado falhou, quando o confrontamos com os resultados dados pelo passado; podemos também inquietar-nos com a crise alcançada pelo modelo em que temos vivido, onde a contínua criação de riqueza nos transmitiu grande optimismo. Sentimos agora que ele encontra dificuldades em manter-se sustentável. Necessariamente, surge inquietação. Também preocupação.
Podemos, no entanto, perspectivar esta espécie de enclausuramento do mundo nos próprios caminhos que traçou, segundo uma óptica mais optimista: pode residir precisamente neste estado de coisas, nesta relativa desordem do actual mundo económico e social, a primeira etapa para criar novas soluções. Necessárias. E se arriscarmos em modelos híbridos, é preciso clarificá-los. Medir riscos, e ainda assim corrê-los. Cada vez temos menos certezas. Mas o mundo não pára...
18 comentários:
De facto cada vez menos
certezas
mas mais convicções
Digo eu
Estas reflexões são interessantíssimas. É verdade que, neste mundo globalizado, de "sobreproduções" e interrelações múltiplas, tomar o todo pelo perceptível nos leva a tirar ilacções precipitadas e, quase sempre, distorcidas. Todavia, será que cada um de nós, no quotidiano, funciona/pensa nestes termos? Eu inclino-me mais para o Berkeley.
Um beijinho.
Ana Paula
O tempo das certezas incertas já se foi, agora paira sobre nós esta incerteza constante sobre a certeza de qualquer coisa que nos impeça de nos sentirmos perdidos.
Um bj
Bom domingo..., pleno de certezas.
:))
A “queda” de um deus regulador “deixou-nos” ao abandono e à tarefa de escolher. Claro que a partir daí o que deixamos como testemunho – pessoal, social, histórico – é da nossa responsabilidade. (E é a nossa liberdade).
Obviamente que não podemos olhar para o mundo como se ele fosse apenas a preto e branco. A Natureza dá-nos, quotidianamente, a lição da pluralidade.
O problema, creio, advém do facto de julgarmos (o passado, o outro, o estranho, etc., etc.) colocando-nos sempre no alto da montanha onde, como diz Sartre, «pensamos sempre poder fazer o “nosso ninho de águia”».
Para além disso, há ainda a questão das mudanças de paradigma, a dúvida se a educação deve ou não preservar certos paradigmas, e a questão dos “universais”.
Interessantíssimo o "compositum" da reflexão. Vou procurar saber mais sobre a Ilya Prigogine, fiquei curiosa.
O que mais me impressionou quando li Prigogine - há vários anos, lembro-me pouco! -, foi aquela explicação de como era possível formar seres ou conjuntos de grande complexidade e, por esse facto, neguentrópicos, isto é, justamente, situações particulares que contrariam a lei da entropia crescente do mundo!
Ora, a explicação que dá é uma verdadeira surpresa: esse crescendo de complexidade, de vida organizada, só existe, exige, pressupõe um enorme e abundante desperdício de energia, pelo que o saldo da neguentropia da organização é mais do que contrabalançado com o despedício que ele necessita para existir!!!
Eu nunca tinha pensado nisso, fiquei maravilhada e algo "aparvalhadamente" surpreendido e, na verdade, compreendi que a lei era uma das que é inviolável e a solução de tal contradição era tão da nossa proximidade que nem nos apercebemos no dia a dia!
A vida complexa no nosso planeta terrestre pressupõe, requer, necessita, do imenso "despedício" da constante energia do vento solar que nos assola todos os dias, sem o que tudo aqui não passaria de fogo extinto, cinzas, pó e nada; ou seja, complexidade-zero.
Por vezes as certezas só dependem de nós. E claro, as incertezas também!
Beijinhos
Prefiro a incerteza das andorinhas
no ciclo das marés
Quase tudo o resto se conquista
conforme as estações
Olá, Ana Paula
Venho abraçá-la com grande amizade e agradecer-lhe as suas palavras carinhosas. É com muita alegria que regresso aqui para lê-la, "sentir" a sua voz.
Espero não ter mais nenhuma ausência forçada, seria bom sinal.
No meio de tantas incertezas parece que o tempo se dilata e o espaço se torna essencial na geografia de uma labiríntica contingência: o princípio do nada.
Um beijinho com muita estima, Ana Paula,
Isabel
"Mas o mundo não para..."
Assim como não pára, aquilo que motiva os humanos na sua vida...
Não estou assim tão certo desse crescendo de incerteza. Como se mede o grau de incerteza? É apenas uma percepção individual — e nesse caso como é que sabemos o que vai na cabeça de "todos" os outros? Ou é uma percepção societária — e nesse caso como é que se faz a "média" das percepções individuais das incertezas? E como é que se comparam as incertezas "médias" da actual geração com as das anteriores?
Vejamos o caso das doenças: a certa altura no passado eram atribuídas a castigos divinos e, eventualmente, resolúveis com rezas e sacrifícios, mas, na percepção dos indivíduos, sempre dependentes da volubilidade divina. Ainda hoje se pratica este trato, mas a ciência diminuíu muito a incerteza relativamente às causas, evolução e tratamento das doenças. Pode dizer-se com segurança que a incerteza aumentou?
Relativamente à possibilidade de eclosão de uma guerra mundial: terá aumentado a incerteza, relativamente aos tempos da guerra fria e do "equilíbrio" do terror nuclear?
Nesse tempo haveria (simplifiquemos...) 2 modelos de sociedade (A e B), logo, incerteza quanto ao que seria melhor. Como o "modelo de desenvolvimento assente numa intervenção total do Estado falhou", ficámos com um grau de incerteza menor: em vez de quatro dúvidas (modelo A? modelo B? modelos A+B? Nenhum deles?) ficámos com duas (modelo A? outro modelo?)
Suspeito que quem acompanhou a recente crise financeira terá estado mais inseguro há uns meses atrás do que agora, que surgem sinais de que o "remédio" funcionou, mas tenho dúvidas: estará mais seguro do que antes (porque afinal o sistema se reequilibra) mais inseguro (porque afinal uma grande crise financeira pode eclodir do nada)? O que pensará quem ficou desempregado ou falido? O que pensará quem se "safou"? E qual destes dois é representativo da Sociedade? Será verdade que há 10% de desempregados? E o que pensam os outros 90%? O desemprego aumenta a insegurança? Qual era então a nossa segurança quando tinhamos o desemprego nos 4%?
Ora aqui está. Ser realista sem ser cínico. Tentar perscrutar nas brechas abertas do outrora chão seguro, as possibilidades de refundar o modo como vivemos. A abertura de espírito e de pensamento e a necessidade imperiosa de não pensarmos com base em preconceitos. Os conceitos que funcionavam numa determinada ordem perdem eficácia na necessária desordem que há-de levar a uma nova ordem...
Mas, minha querida Ana Paula, quem sou eu para acrescentar seja o que for aos teus estimulantes textos.
Beijinhos
:)))
Puma: concordo, já que as convicções são factores realmente importantes. Eu também tenho algumas, ainda que muito dominada por dúvidas :)
Ausateriana: sem dúvida, ao nível do quotidiano, é-nos difícil perspectivar o todo e a sua complexidade. Vivemos, antes de mais, num aqui e agora. O que nos conduz ao elemento subjectivo na análise que possamos fazer dos factos. Julgo ser esse mesmo o caso, o de estarmos "mergulhados" no mundo, enquanto o analisamos. Com todas as consequências que isso implica.
Julgo que é também por tudo isto que eu gosto igualmente de Berkeley, em certos aspectos :)
Retribuo: um beijinho, e o recíproco apreço pelas suas interessantes reflexões e análises!
Violeta: é como dizes, há uma certa sensação de estarmos "perdidos", desorientados. A incerteza traz insegurança, geralmente. No entanto, acho que cada vez mais teremos que conviver com ela. Talvez por isso, tenho procurado descobrir os seus aspectos positivos ou estimulantes.
Um beijo para ti também :)
Olá, Anamar :) Desejo-lhe uma boa semana, espero que com algumas certezas também, é claro...
C., obrigada pelas suas palavras e contributo para esta minha pequena reflexão :)
É certo que o mundo não é a preto e branco, há toda uma gama de tonalidades intermédias por onde vamos circulando. E, de facto, segundo Prigogine, não estaremos no alto da montanha, mas antes no seu interior. Bem lembrado, Sartre. Um autor a revisitar!
vbm (Vasco): obrigada pela tua intervenção :)
Sem dúvida, a noção de entropia também me suscitou enorme curiosidade há muito tempo atrás, quando pela primeira vez me deparei com ela. Pelos vistos, essa energia que perdemos, de algum modo é aproveitada. E o quanto temos que desperdiçar, para criar alguma coisa - isto faz-nos realmente pensar!
Caro Mar Arável: concordo consigo. É que eu também prefiro a incerteza das andorinhas :))
Olá, Helena :)) Gosto de te ver por aqui!
Beijinhos também para ti.
Artista Maldito (Isabel): estou super-contente por sabê-la bem, por vê-la aqui e poder usufruir de novo da sua companhia :)) Festejo o seu regresso, como fazemos com todos aqueles que nos são caros.
Um grande beijinho, Isabel!
Faroleiro: agradeço a visita :)
Concordo...as motivações humanas não páram, incorporadas no mundo...
J.A.Aldeia: agradeço-lhe a intervenção, assim como as inúmeras questões interessantes que aqui deixou.
Na verdade, uma certeza é a de que eu não possuo respostas cabais para todas elas. No entanto, concordo que elas lançam um maior grau de incerteza nas minhas eventuais afirmações. As quais poderão resumir-se numa: a de que o mundo está mais incerto. Evidentemente, os pressupostos desta afirmação são discutíveis. Assumo a subjectividade da minha apreciação, embora me pareça que essa impressão está longe de ser exclusivamente minha.
Embora este não seja o lugar para discussões mais exaustivas, aquelas que os temas imporiam; sendo, no entanto, o lugar (também é discutível se a blogosfera consiste em lugares...) para marcar orientações pessoais e sociais, para fornecer tópicos de análise e de reflexão, de alguma informação, também distracção, e aspectos meramente pontuais de todos os géneros (isto, em minha opinião); assim sendo, posso, no entanto, dizer que a incerteza reside, para mim, e até certo ponto, no futuro e opções melhores para o construir. Apesar de tudo, nos tempos da Guerra Fria, a opção era mais simples, ou A ou B. Depois, a opção parece ter-se quase esgotado, já que terá ficado apenas A, por exemplo. Acontece que A foi revelando fragilidades. Nesta óptica, parece que será preciso descobrir outras soluções económicas e sociais. Quais? Bom, essa seria a discussão interessante a dar ao grande público. A todos acessível e estimulada.
Mas uma outra possível resposta é que a opção (a sê-lo) continua a mesma, já que há sinais de saída da crise. Obviamente, suponho que esta solução é igualmente discutível.
Sendo eu apenas uma leiga na área da economia, embora com curiosidade, não deixo de me espantar com os casos actuais de uma Índia e de uma China, por exemplo.
Por outro lado, a maior crise talvez seja a de ideias, porque me parece que as situações não são todas iguais e que o avanço do tempo introduz novidades que nem sempre são previsíveis. É por isso que me é caro o conceito de "racionalidade limitada", entre outros. E é, portanto, nessa perspectiva que me parece de todo o interesse e actualidade um autor como Prigogine.
mdsol: disseste-o muito melhor do que eu. Tudo o que acrescentas é sempre bem-vindo :)
Repara, eu é que devo dizer:mas quem sou eu?! Tu és uma excelente leitora e interlocutora, serena, equilibrada, sensata e sensível.
Não sei se me pronuncio ao mesmo nível, mas gostaria :)
Um beijinho grande!
Na incerteza que impera, transversal a toda a problemática inerente a uma Sociedade, apenas tenho uma certeza: urge fazer algo. O quê? Não sei!...
Perante uma sociedade indiscutivelmente doente (e sem a querer ver apenas a preto e branco!) torna-se, por demais evidente que a passividade é um risco. Que medidas tomar? Que atitudes CORRECTAS?
Aqui chegados, resta a angústia de nada saber.
Apenas mais uma "coisinha". Vou ficar por aqui.
Beijinho
Gostei de ler o teu texto e por isso aplaudo de pé a forma como o escreves...
Parabéns...
Deixo-te também um convite:
O autor Luis Ferreira, e a editora Temas Originais têm o prazer de o/a convidar a estar presente na sessão de lançamento do livro “Sentir as palavras”, a ter lugar na sala Green Room do Freeport - Alcochete, no próximo dia 26 de Setembro, pelas 17:00.
O autor e a obra serão apresentados pela Dr.ª Carmo Miranda Machado
O lançamento terá a presença do Trio Opus Musique e da SamariTuna - Tuna Feminina da Universidade Lusófona.
hello... hapi blogging... have a nice day! just visiting here....
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