Muita da atracção (e do encanto) de fenómenos que normalmente englobamos no domínio da percepção extra-sensorial, resulta da sua natureza resistente. Resistentes ao conhecimento, resistentes, portanto, à clarificação. Em última análise, resistentes à sua possível e fértil utilização. Porque, na medida em que radicam na mente de cada um, pertencem somente ao próprio.
Refiro-me a todos os conteúdos mentais, conscientes e inconscientes. No limite, refiro-me a toda a actividade da mente, a qual pode ser estudada no contexto das neurociências cognitivas. E refiro-me também a tudo o que parece resistir e escapar a este conhecimento científico.
A questão é: no futuro próximo, algum conteúdo da nossa vida mental conseguirá permanecer oculto?
Vi recentemente um pequeno documentário, no qual essa possibilidade de manter a privacidade do que pensamos tem os dias contados. Talvez coisa de uns cinco anos, de acordo com os investigadores norte-americanos (não são os únicos a estudar o caso, os japoneses, por exemplo, também têm investido muito nesta área). O que foi afirmado peremptoriamente é qualquer coisa desta magnitude: "Você pode estar sentado numa sala de espera do aeroporto; um invisível raio laser é-lhe apontado à testa - área do córtex pré-frontal - e os seus pensamentos serão "lidos"/conhecidos" por outros que neles estão interessados". Ora, uma situação destas, em vias de se tornar científica e tecnologicamente possível, terá certamente consequências no futuro da nossa vida humana: éticas, políticas, militares, etc, para lá das científicas e filosóficas, propriamente ditas.
A visão do ser humano como um imenso agrupamento celular, que atinge a sua mais alta complexidade ao nível do córtex cerebral, parece-nos redutora. Não seremos nós tanto mais do que isso? Consciência individual e liberdade, por exemplo? Por outro lado, talvez sejamos tão-só um animal complexo, o qual, numa perspectiva algo darwinista, evolui no sentido do auto e hetero-conhecimento. Num ou noutro caso (em especial - parece-me - no segundo), o futuro exigirá protecção. Para que o termo "humano", aplicado a nós, continue a fazer sentido.
Foi também por isto que veio à minha memória um livro interessantíssimo, lido há uns anos atrás. Retiro dele o seguinte:
"Aparentemente, a consciência é o tipo de coisa que os cientistas cognitivos estudam - de facto, neste momento é a grande moda entre os cientistas de toda a espécie. Decidiram que a consciência é um «problema» e que tem de ser «resolvido».
Para mim isto foi uma novidade, mas não particularmente bem-vinda. Acho que sempre considerei que a consciência era do domínio das letras, especialmente da literatura, e ainda mais especialmente do romance. A consciência, afinal, é aquilo sobre que versa a maioria dos romances, certamente aquilo sobre que versam os meus. A consciência é o meu ganha-pão. Talvez precisamente por isso nunca tenha visto nela nada de problemático enquanto fenómeno. A consciência é simplesmente o meio onde se vive e se tem uma noção da identidade pessoal. O problema é representá-la, especialmente nos diferentes eus de uma só pessoa. (...) Quase me sinto ofendida com a ideia de a ciência meter o nariz neste mundo, no meu mundo. Será que a ciência ainda não se apropriou o suficiente da realidade? Agora também tem de reivindicar a essência intangível e invisível do eu?"
A questão é: no futuro próximo, algum conteúdo da nossa vida mental conseguirá permanecer oculto?
Vi recentemente um pequeno documentário, no qual essa possibilidade de manter a privacidade do que pensamos tem os dias contados. Talvez coisa de uns cinco anos, de acordo com os investigadores norte-americanos (não são os únicos a estudar o caso, os japoneses, por exemplo, também têm investido muito nesta área). O que foi afirmado peremptoriamente é qualquer coisa desta magnitude: "Você pode estar sentado numa sala de espera do aeroporto; um invisível raio laser é-lhe apontado à testa - área do córtex pré-frontal - e os seus pensamentos serão "lidos"/conhecidos" por outros que neles estão interessados". Ora, uma situação destas, em vias de se tornar científica e tecnologicamente possível, terá certamente consequências no futuro da nossa vida humana: éticas, políticas, militares, etc, para lá das científicas e filosóficas, propriamente ditas.
A visão do ser humano como um imenso agrupamento celular, que atinge a sua mais alta complexidade ao nível do córtex cerebral, parece-nos redutora. Não seremos nós tanto mais do que isso? Consciência individual e liberdade, por exemplo? Por outro lado, talvez sejamos tão-só um animal complexo, o qual, numa perspectiva algo darwinista, evolui no sentido do auto e hetero-conhecimento. Num ou noutro caso (em especial - parece-me - no segundo), o futuro exigirá protecção. Para que o termo "humano", aplicado a nós, continue a fazer sentido.
Foi também por isto que veio à minha memória um livro interessantíssimo, lido há uns anos atrás. Retiro dele o seguinte:
"Aparentemente, a consciência é o tipo de coisa que os cientistas cognitivos estudam - de facto, neste momento é a grande moda entre os cientistas de toda a espécie. Decidiram que a consciência é um «problema» e que tem de ser «resolvido».
Para mim isto foi uma novidade, mas não particularmente bem-vinda. Acho que sempre considerei que a consciência era do domínio das letras, especialmente da literatura, e ainda mais especialmente do romance. A consciência, afinal, é aquilo sobre que versa a maioria dos romances, certamente aquilo sobre que versam os meus. A consciência é o meu ganha-pão. Talvez precisamente por isso nunca tenha visto nela nada de problemático enquanto fenómeno. A consciência é simplesmente o meio onde se vive e se tem uma noção da identidade pessoal. O problema é representá-la, especialmente nos diferentes eus de uma só pessoa. (...) Quase me sinto ofendida com a ideia de a ciência meter o nariz neste mundo, no meu mundo. Será que a ciência ainda não se apropriou o suficiente da realidade? Agora também tem de reivindicar a essência intangível e invisível do eu?"
19 comentários:
Sei que o assunto é muito sério, mas lembrei-me daqueles chapéus feitos de película de alumínio caseira para evitar que os extraterrestres nos leiam o pensamento... Lá está: a prova de que existe vida inteligente noutros mundos é que ninguém se atreve a aproximar-se deste. Pelo menos enquanto por cá andarmos... O planeta Terra qualquer dia vem abaixo... Beijinho!
Olá Ana Paula
Este é um assunto que nos deve preocupar, na medida em que o último reduto da invisibilidade, ou da privacidade do ser, é assaltado de forma desabrida, não deixando nenhum espaço para o acto de pensar. Quem se atreverá a fazê-lo nestas circunstâncias? Eu concordo em absoluto que o nosso tempo psicológico está na Literatura, é nela que a Filosofia ainda hoje nos obriga a saber pensar e a questionar. Sem as duas o ser humano será o quê? Um autómato como previram escritores distópicos a partir do início do séc xx.
Beijinhos e bom início de semana,
Isabel
És um espanto...!
Doce beijo
não me surpreende o que aqui li, embora me assuste sentir-me tão invadida, ao ponto de num futuro se calhar bem mais próximo do que pensávamos possível, nem os nossos pensamentos serem isso, "nossos".
como sempre, aprendo muito ao ler-te, ana paula. um beijo grande.
Olá Ana Paula,
sou um bocado céptico no que toca a percepção de mentes alheias. Já tive alguns fenomenos de "telepatia", mas considero-os uma manifestão da empatia dos envolvidos, mais do que capacidades especiais... de qualquer das formas a visão de sermos lidos é assustadora, li um livro de Philip K. Dick que andava muito em volta disso, por exemplo: um jogo, como o Poker, à base de Bluff, entre telepatas... deficil não é? Saber que temos de fazer bluff mas estamos a ser lidos...
Sem ir para fantasia, aconselho alguns videos do Grande James Randi(The Amazing Randi) onde ele coloca à prova alguns telepatas, psiquicos... muito interessante.
Beijo**
só depois de ter comentado é que vi o video... é no minimo assustador... não fazia ideia que as coisas já iam neste estado.
As potencialidades destas descobertas são vastissimas, infelizmente podem ir nos sentidos mais benéficos ..como dos maléficos.
A frase do filme " A Ficção cientifica já não existe"... é um facto, para onde vamos?
Olá Ana Paula
Comecei a ver mas fui interrompida pelo telefone...
É assustadora uma hipótese dessas.
Eu não quero acreditar que um dia seja possível andar-mo-nos a ler uns aos outros. Nessa altura não somos já nós tal como nos conhecemos, seres humanos, seremos outra coisa muito diferente. E essa outra coisa assusta.
Schopenhauer em "O Mundo como Vontade e Representação"
«O ponto em que a Coisa-em-si entra mais imediatamente no fenómeno é aquele em que a consciência ilumina a Vontade.»
Penso que nós humanos, o modo como funcionamos, como a consciência e a vontade interagem não somos assim tão lineares.
Um beijo
enorrrrrrme :))
com chuva e frio :(
Bom Dia Ana Paula
Hoje de um modo mais ligeiro passo por aqui. Uma das coisas que mais me intriga é o olhar dos animais, principalmente dos meus gatos. Pelo menos deixam-me fixar os meus olhos nos deles à espera de uma migalha dos seus pensamentos. E é este enigma do outro que nos mantém humanos, quando o mistério se desvenda perde-se a magia e o transporte transcendental. É isso que mais me assusta. Que uso da palavra será feito quando tudo for desvendado? Uma inquietação apenas.
Beijinhos
Isabel
Paula
fiquei assustada... no meu mundo dos pensamentos nãoooooooooo
~por favor não me assustes...
bjs
Mesmo oportuna esta edição. A questão da ciência, e da técnica, acrescentaria eu, como manipuladores da mente-corpo humano, são uam das minhas maiores preocupações actuais. Lodge problematizou bem o assunto. A Isabel coloca a questão da privacidade e doespaço individual devassado. Eu diria também que a memória e a identidade são devassadas. Mas não esqueçamos que a Natureza é insondável, por muito que a ciêcnia arrogante pense dominá-la. Por outro lado, o mistério, está sempre presente. temos é que desligar, muitas vezes, da "realidade" dos meios de massas e ouvir a nossa voz interior, consciêcnia ou/e corpo. Temos de conseguir ouvir os aromas e descobrir os mais ocultos. Mesmo nesta barbárie urbana. Mas assusta.
Os teus comentários são sempre muito sensíveis e delicados, deixando sempre um incentivo. O teu blogue está cada vez melhor. Tudo de bom para ti na outra metade da guerra.
Bom Dia Ana Paula
Hoje ainda que chova, ainda que tudo esteja cinzento, venho com alegria trazer mais dois mimos. Ontem fiquei a meio caminho por ter apanhado com uma vassoura de bruxinha:)
Estes mimos são para mim expressões de carinho e é dessa forma que lhe trago o Troféu da Pedagogia do Afeto e o Selo da Proximidade.
Beijinho,
Isabel
uma frente e um dorso. vivas ao equilíbrio.
Abraços d´ASSIMETRIA DO PERFEITO
até lá... foi tudo na bola de neve
que o neo-liberalismo engordou...
No futuro próximo, algum conteúdo da nossa vida mental conseguirá permanecer oculto?
Quero acreditar que sim.
um beijo
Parece uma notícia assustadora!
Um beijo e obrigada pela divulgação. não vi o programa da SIC.
em azul
Não será muito agradável alguém penetrar na nossa mente, descobrir os nossos pensamentos - mesmo os mais profundos -, parece, de certa forma, uma "invasão de privacidade", já que: qualquer um, graças aos avanços científicos, pode descobrir os nossos segredos, penetrar na nossa vida!
Bem, é um tema que leva a uma discussão bastante mais profunda, este lado obscuro da ciência. Se estas novas descobertas trazem aspectos positivos, também acarretam lados bastante negativos... às vezes penso que a ciência é uma moeda de duas faces... =) e o progresso da ciência cria sempre novos "monstros", que nem "Dr.Jeckyll e Mr.Hyde".
Gostei do tema... uma brilhante discussão filosófica e cientifica... =)
Obrigada a todos pela partilha deste tema tão inquietante! :)
Simplesmente assustador!
Mas ao mesmo tempo tão fascinante...
Beijo Ana Paula e bom fim de semana :)
Uma bela dedicatória a uma mulher sempre tão humilde.
Seja bem voltada, Alice!
Beijinhos
ps: adorei a imagem!
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