sábado, 7 de fevereiro de 2009

Momentos filosóficos - 3



Soren Kierkegaard: Amor e Fé

Pode o amor ser racional? Ou situa-se numa outra dimensão que escapa à compreensão? É o amor do domínio do absurdo? E este, de que modo se vive? Face ao absurdo, só a fé abre ao amor... e o amor é fé.

Kierkegaard escreveu sobre o amor deste modo apelativo e edificante. Entendeu-o e viveu-o de modo religioso. A questão religiosa é importante, embora não saiba exactamente até que ponto reconheço essa dimensão de um Deus pelo qual se vive o supremo Amor (o que coloca a questão do modo como me relaciono com o absurdo).

De qualquer forma, ultimamente, tenho relido Kierkegaard. Algo na sua leitura prende definitivamente o pensamento. E a emoção. Em particular, a sua crítica à racionalização do amor. A afirmação de que o amor é um movimento que constitui um salto no desconhecido. Pela fé. Mas aqui a situação do homem é religiosa. Antes, situou-se no nível estético (na vivência do desejo), depois no ético (na vivência do casamento), finalmente no religioso (amor incondicional).

Porque o ser humano é finitude e vive no confronto com o infinito, porque procurando-se infinito no que é finito, o amor só se realiza verdadeiramente como fé face a Deus. O amor no plano do finito (amor por outro ser humano) é inicialmente possível, mas confronta-se com o que caracteriza o seu plano de finitude, ou seja, a impossibilidade. Ao tornar-se possível, deixa de ascender ao infinito, já não sendo, então, o amor. A sua impossibilidade deve conduzir à resignação, face à sua não realização (porque tenderá à racionalização) no plano do finito.

"O cavaleiro, portanto, recordar-se-á de tudo, mas essa recordação será precisamente a fonte da sua dor; no entanto, graças à sua infinita resignação, encontra-se reconciliado com a vida. O seu amor pela princesa tornou-se, para ele, a expressão de um amor eterno, e tomou carácter religioso; transfigurou-se num amor cujo objecto é o ser eterno, o qual, sem dúvida, recusou ao cavaleiro favorecê-lo, mas, pelo menos, tranquilizou-o dando-lhe a consciência eterna da legitimidade do seu amor, sob uma forma de eternidade que realidade alguma lhe poderá arrebatar. São os jovens e os loucos que se gabam de que para o homem tudo é possível; mas no mundo do finito há muitas coisas que são impossíveis. Mas o cavaleiro torna o impossível possível encarando-o sob o ângulo do espírito, e exprime esse ponto de vista dizendo que a ele renuncia. "
Soren Kierkegaard, Temor e Tremor

Mas o amor implica sempre "o salto". Quem o dá é o cavaleiro da fé.


"O absurdo não pertence às distinções compreendidas no quadro próprio da razão. Não se pode identificar com o inverosímil, o inesperado, o imprevisto. No momento em que o cavaleiro se resigna, convence-se, segundo o humano alcance, da impossibilidade. (...) O cavaleiro da fé tem também lúcida consciência desta impossibilidade; só o que o pode salvar, é o absurdo, o que concebe pela fé. Reconhece, pois, a impossibilidade e, ao mesmo tempo, crê no absurdo; (...).

(...) Se alguma vez conseguisse realizar esse movimento, partiria para o futuro, numa carruagem puxada por quatro cavalos."
Soren Kierkegaard, Temor e Tremor

Imagens: Wim Wenders, As Asas do Desejo - pesquisa do Google

14 comentários:

Ricardo António Alves disse...

Excelente, Ana Paula. Creio que o amor pode ser racional (ao contrário da paixão, seja lá o que isso for). Mas a finitude é, de facto, a grande questão, a prova última com que o amor se defronta, para quem não encare a absurda possibilidade da fé...

Anónimo disse...

belíssimo este texto sobre o amor, uma abordagem muito interessante! gostei imenso, ana paula. um beijo.

Carla Gomes disse...

Ana, tens um prémio à tua espera no meu blogue:)

Beijinhos

Anónimo disse...

Olha que bem que o nosso ASAS DO DESEJO ficou nesta tua pertinente reflexão. Beijinho!

Mar Arável disse...

A vida tem várias dimensões

estádios - estágios

que têm de ser alimentados

excepto as paixões

que de tâo breves

se alimentam a si mesmo

Como se sabe

é possível amar uma pedra

via disse...

Poder pensar que o impossível se pode tornar possível, será isso o absurdo? não todo o impossível mas aquele aquilo que gostaríamos de alcançar e não podemos. é apelativo, sim senhora!Boa música!

Frioleiras disse...

Kierkegaard (... claro!)

gosto
de passar por aqui..........

bj

ARTISTA MALDITO disse...

Olá Ana Paula

Inesquecível esta imagem do filme de Wim Wenders. O salto que se quer dar, ou depois do salto o que resta? É o voo sobre as franjas do absurdo numa paisagem diluída em fé. Há quem arrisque e salte e sinta o toque de Deus, mas nunca poderá fugir da dor. É uma exigência da fé que tem um preço elevado para o ser humano contemporâneo. Mas um cavaleiro não pode viver sem este risco.

Beijinhos
Isabel

Fátima Santos disse...

uma excelente tarde de domingo e uma visita aqui

Violeta disse...

Ana Paula
Excelente psot, excelente filme "asas do desejos" e o livro cativou-me...
Sobre o conteúdo vou abster-me de comentar, por agora..
um grande beijo e boa semana.

Anónimo disse...

explendido... penso que o amor é impossivel entre os seres humanos pq sempre queremos ser amados para entao amar... que amor é esse?
o que é o amor? ainda nao vi ninguem conseguir explicar em palavras o que seria o amor, esse amor tao desejado, tao questionado... o que é amor? Geralmente esperamos ouvir : eu te amo, para entao amar... ah o amor... qro amar incondicionalmente sem desejar receber uma gota deste amor... amar primeiro... amar sem ser amado... simplesmente amar...

Mié disse...

Já tinha lido o teu post muito interessante e bastante reflexivo. Falar de, amor que é eterno enquanto dura, amor na fé em Deus, ou nas várias vertentes do tema, não é fácil num comentário...para mim.


um beijo enorme

Fica bem

Anónimo disse...

Eu nunca saberei o que é o amor. O texto coloca o assunto de um modo interessante. A ideia do "salto" é curiosa, assim como a da "fé". Amor e amizade aparecem muito ligados como conceito, na minha opinião. Um revisitação filológica dessas palavras é importante, enquadrando-as depois na ideia que temos do mundo actual, complexo e estranho, o que obriga a pensar muito em relação ao amor e à amizade. Hoje não estou com cabeça para pensar mais do que isto. Deve estar uma graande confusão. Sabes, permitir que alguém de quem gostemos durma bem, é um grande acto de amor. Afinal até parece que sei o que é amor. Tudo de bom.

intruso disse...

...um dos pensadores cujas leituras mais me impressionaram.


(e o tempo muda-nos e as leituras, outras leituras, mudam... e mudam-nos)


...fica a vontade de reler também
:)

(e de voltar a ver "As Asas do Desejo")



beijo

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