Estava eu em férias de tudo, inclusive de pensamento (se é que tal é possível à condição humana...), passando os olhos por uma revista como mera distracção, quando me deparo com um pequeno mas interessante texto acerca do termo intelectual. E lá se foi o relax do pensamento. Mas ainda bem... ainda bem, sem dúvida. Talvez o pensar seja como o respirar: se não o fizermos, morremos.
Afinal, o que é o intelectual? Ou um intelectual? Em busca de sinónimos para o termo, deparei-me com significados mais ou menos evidentes, muitos deles dados até pelos próprios intelectuais. Ou seja, na sua maioria, significados impregnados de sentidos sociais e políticos. Desde o intelectual comprometido com uma ideologia, até ao intelectual como figura de importante status no seu meio de influência social, passando por uma noção mais ou menos vazia de conteúdo, dada a imprecisão e instabilidade do termo. Claro que também encontrei a definição de intelectual como aquele que se dedica a uma visão crítica da realidade, investigando, reflectindo e educando para a cidadania... Mas também pode ser aquele que não desenvolve o espírito crítico, resumindo-se a investigar, especializando-se assim numa determinada área. Existe mesmo uma distinção entre o sentido europeu do termo e o seu sentido made in USA, enquanto há uma hesitação entre os dois modelos, no caso do Brasil.
Para aprofundar aspectos relativos ao termo: ler aqui
e aqui
Na verdade, parece-me que o termo intelectual é um daqueles que urge repensar. Em rigor, é bem provável que sejamos todos intelectuais. Abstraindo das conotações que lhe foram atribuídas ao longo do tempo, historicamente determinadas, o intelectual de hoje pode vir a perder o seu carácter elitista, o qual é discutível, para se perder num meio dominantemente massificado. Uma reflexão a fazer... Por outro lado, se, hoje, o intelectual de ontem pode deixar de fazer sentido, que destino terão os ditos intelectuais? Outra reflexão a fazer...
A mim, interessa-me em particular uma outra ideia: a de que todos somos intelectuais, no sentido de que todos deveremos exercer o sentido crítico na avaliação da realidade. Esta tarefa é função do cidadão em geral, hoje ainda mais do que ontem. Se existe possibilidade de progresso, ela depende desta condição absolutamente necessária. Neste aspecto, retomo a tradição do intelectual criada por Voltaire, Diderot e pelos Enciclopedistas em geral (de assinalar que a origem do termo é também francesa, com o célebre "Caso Dreyfus", tendo sido usado por Georges Clemenceau em 1898, o qual era defensor de Dreyfus; no geral, descrevia aqueles que estavam do lado do acusado, como, por ex., Zola). E situo-me de acordo com o ideal iluminista, o de que a razão é a luz natural que todos podemos utilizar. Continua a fazer sentido, e continua por concretizar o seu alargamento efectivo à totalidade dos seres racionais. Sem ignorar o necessário confronto com o domínio do irracional, o qual perpassa toda a nossa existência, queiramos ou não.
Afinal, todos somos dotados de intelecto, portanto, todos, mesmo aqueles que se dedicam a trabalhos mais centrados em tarefas manuais, deverão fazer uso dele, já que, potencialmente, é algo de que dispõem desde sempre, de acordo com a sua natureza. A clássica divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual talvez necessite de ser revista. Se é certo que há tarefas distintas, nas quais predomina mais uma ou outra dimensão, também é certo que a condição do ser humano depende, hoje, de uma noção mais íntegra de humanidade. Refiro-me, em concreto, a outra divisão clássica, da qual decorre a anterior, esta entre mente e corpo, à qual está ligada ainda a suposta cisão entre razão e emoção (a este propósito, e como superação destas dicotomias, assinalo o trabalho admirável de António Damásio). Ler parte de uma entrevista onde refere o tema aqui
Parece ser tão inútil cair no elitismo snob e oco da pseudo-intelectualidade, como mergulhar numa existência pré-acéfala que utiliza o termo intelectual como insulto.
Afinal, quando poderemos cumprir a nossa condição de seres íntegros na realidade?
Pensar ou não pensar? Eis a questão. E se já não é rigorosamente de afirmar que "penso, logo existo", será que não é igualmente redutor afirmar que "sinto, logo existo"?
Agradeço ao autor do texto a que fiz referência (João Lopes na revista do Diário de Notícias). Foi a partir da sua leitura que surgiu a inspiração para esta minha pequena reflexão.
Imagem daqui
Afinal, o que é o intelectual? Ou um intelectual? Em busca de sinónimos para o termo, deparei-me com significados mais ou menos evidentes, muitos deles dados até pelos próprios intelectuais. Ou seja, na sua maioria, significados impregnados de sentidos sociais e políticos. Desde o intelectual comprometido com uma ideologia, até ao intelectual como figura de importante status no seu meio de influência social, passando por uma noção mais ou menos vazia de conteúdo, dada a imprecisão e instabilidade do termo. Claro que também encontrei a definição de intelectual como aquele que se dedica a uma visão crítica da realidade, investigando, reflectindo e educando para a cidadania... Mas também pode ser aquele que não desenvolve o espírito crítico, resumindo-se a investigar, especializando-se assim numa determinada área. Existe mesmo uma distinção entre o sentido europeu do termo e o seu sentido made in USA, enquanto há uma hesitação entre os dois modelos, no caso do Brasil.
Para aprofundar aspectos relativos ao termo: ler aqui
e aqui
Na verdade, parece-me que o termo intelectual é um daqueles que urge repensar. Em rigor, é bem provável que sejamos todos intelectuais. Abstraindo das conotações que lhe foram atribuídas ao longo do tempo, historicamente determinadas, o intelectual de hoje pode vir a perder o seu carácter elitista, o qual é discutível, para se perder num meio dominantemente massificado. Uma reflexão a fazer... Por outro lado, se, hoje, o intelectual de ontem pode deixar de fazer sentido, que destino terão os ditos intelectuais? Outra reflexão a fazer...
A mim, interessa-me em particular uma outra ideia: a de que todos somos intelectuais, no sentido de que todos deveremos exercer o sentido crítico na avaliação da realidade. Esta tarefa é função do cidadão em geral, hoje ainda mais do que ontem. Se existe possibilidade de progresso, ela depende desta condição absolutamente necessária. Neste aspecto, retomo a tradição do intelectual criada por Voltaire, Diderot e pelos Enciclopedistas em geral (de assinalar que a origem do termo é também francesa, com o célebre "Caso Dreyfus", tendo sido usado por Georges Clemenceau em 1898, o qual era defensor de Dreyfus; no geral, descrevia aqueles que estavam do lado do acusado, como, por ex., Zola). E situo-me de acordo com o ideal iluminista, o de que a razão é a luz natural que todos podemos utilizar. Continua a fazer sentido, e continua por concretizar o seu alargamento efectivo à totalidade dos seres racionais. Sem ignorar o necessário confronto com o domínio do irracional, o qual perpassa toda a nossa existência, queiramos ou não.
Afinal, todos somos dotados de intelecto, portanto, todos, mesmo aqueles que se dedicam a trabalhos mais centrados em tarefas manuais, deverão fazer uso dele, já que, potencialmente, é algo de que dispõem desde sempre, de acordo com a sua natureza. A clássica divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual talvez necessite de ser revista. Se é certo que há tarefas distintas, nas quais predomina mais uma ou outra dimensão, também é certo que a condição do ser humano depende, hoje, de uma noção mais íntegra de humanidade. Refiro-me, em concreto, a outra divisão clássica, da qual decorre a anterior, esta entre mente e corpo, à qual está ligada ainda a suposta cisão entre razão e emoção (a este propósito, e como superação destas dicotomias, assinalo o trabalho admirável de António Damásio). Ler parte de uma entrevista onde refere o tema aqui
Parece ser tão inútil cair no elitismo snob e oco da pseudo-intelectualidade, como mergulhar numa existência pré-acéfala que utiliza o termo intelectual como insulto.
Afinal, quando poderemos cumprir a nossa condição de seres íntegros na realidade?
Pensar ou não pensar? Eis a questão. E se já não é rigorosamente de afirmar que "penso, logo existo", será que não é igualmente redutor afirmar que "sinto, logo existo"?
Agradeço ao autor do texto a que fiz referência (João Lopes na revista do Diário de Notícias). Foi a partir da sua leitura que surgiu a inspiração para esta minha pequena reflexão.
Imagem daqui
14 comentários:
Boa Noite Ana Paula =)
intelectual, intelecto, origem do latin intellectu, claro ligado À inteligência, entendimento, existe também a palavra(que desconhecia) intelecção de intellectione, que significa acto de entender, ou seja, esta descoberta para o meu conhecimento, faz de mim um intelectual...será?
Ainda não li o Erro de Descartes, não sei se com pena ou não...
Concordo com a inteligência emocial que defende, mas felizmente uns são mais sentimentais, outros mais racionais.
Beijos*
Antes que me esqueça, quem é esse João Lopes?... Se é dizes tudo o que se pode dizer num blog.
Percebo a tua inclinação pelo Iluminismo, mas este nosso tempo está tão longe... Há quem lhe chame a "Era neo-barroca" e eu permito-me subscrever. Vazio de ideias, repleto de floreados sentires, cheios de pontuações supostamente irreverentes, de imitações baratas de colagens dadaístas, de supostas frases afrásicas...tudo já feito a seu tempo e com qualidade.
Agora, quer-se inovar, revolucionar, mas não se sabe bem como glorifica-se o "sentir", porque as ideias se desabituaram de ocupar a mente humana.
Portanto, eu limito-me a retomar o "velho" Pessoa, uma vez que não creio ter a felicidade de vir a conhecer a era que está para vir:
"Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
(...)
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegra inconsciência,
E a consciência disso!"...
Olá, Miguel! :)
Claro que és um intelectual! Por isso, é bom trocar ideias contigo!
O Erro de Descartes aborda uma temática interessantíssima e extremamente actual. Recomendo!
Ângela, tens razão. Por lapso, não associei o nome de João Lopes a nenhum link que o identificasse inequivocamente. Já reparei essa falha e agradeço-te a chamada de atenção.
Quanto à época neo-barroca, concordo contigo. E acho que me entendeste perfeitamente. :)
Sou "iluminista" em determinados aspectos da vida, nos quais a clareza é essencial. Mas as sombras persistem e, por isso, interessa-me o domínio do irracional e vertentes decorrentes totalmente isentas e imunes ao poder da razão.
O maior encanto (e também muito desencanto...) da vida (também da arte, da literatura, filosofia, etc) faz-se do jogo de luz e de sombras.
És uma óptima interlocutora. Obrigada! :)
Beijinhos para ambos.
Sem querer ofender ninguém, a minha opinião é:
O que é que isso importa?
Nos tempos da era global em que vivemos e que é que já importa isso?
Acho que o que importa, o que me importa é viver do modo que me faça mais feliz e que tenha saúde.
Li ontem, por mero acaso, num café, num pasquim daqueles de borla, um artigo do António Barreto com que comunguei absolutamente.... quem o viu e quem o vê...
Por isso, não fiz referência a Alexander Soljenitsin no meu blogue e eu costumo fazê-lo
(im memoriam) sobre quem me "toca".
Pura e simplesmente porque a "auréola" de intelectual foi explorada à exaustão e as coisas nem sempre são como parecem.
Hoje, por exemplo e sobre ele li o Cutileiro no Expresso que põe os pontos nos iis , sem tirar nem pôr. gostei do artigo um pouco contrário ao exarcebamento do Miguel Sousa Tavares que eu muitas vezes adoro...
questões pontuais, inteligências, que por vezes, se tornam pontuais...
Não ligo já, nem enalteço os intelectuais, a não ser os que admiro e nem sempre quem admiro é intelectual....
É verdade :
é preciso é haver admiração e....
na era actual poucas são as pessoas que admiro.....(uma excepção: Rui Vieira Nery.. uma admiração a um intligente que me dá prazer, muito prazer...)
Repito .... os conceitos anos 70 e anos 80 já não contam, de modo alguem. Estarei errada?....
Sarte , Beauvoir, Boris Vian, e mesmo Kafka (que devorava...) já os sinto com um certo cheiro a bolor... desculpa Ana, repito, não quero de modo algum ofender ninguém mas sou eu que penso assim... estarei gasta?........
o que sei é que preciso de admirar para amar alguma coisa ou alguém,
ADMIRAR!.............
nem que seja quem me faça rir!
E fazer e saber rir é das coisa mais admiráveis desta vida!
bj
:) pois não é o "meu João Lopes"...
Eu só sou uma óptima interlocutora, porque tu és óptima questionadora (não sei se existe a palavra, não gosto, mas não encontro melhor)de ideias. E, ao mesmo tempo, sensível às sombras.
Concordo plenamente contigo, quando referes o jogo de luz(es) e sombras... é o único jogo que me fascina.
bom fim de semana.
Beijo
Ana, em relaçãoa pequena colaboração no "elevador", agradeço o convite mas acontece que vou na próxima semana de férias e até 2a à noite vou ter jantarecos com amigos ...
Se te for útil, podes tirar do meu blog "Gravuras" (link no cimo do Frioleiras, à esquerda) e escolher alguma.
bj
se inteligência intel+legere é a capacidade de compreender pelo legere é também escolher e eleger através do leg.
mesmo nas actividades mais manuais há necessidade de escolher os gestos mais precisos para o desempenho de uma tarefa... há quem as desempenhe de forma rotineira e há quem procure gestos novos para aperfeiçoar ou inovar no que faz, como quem tem um trabalho mais intelectual... afinal, o Latim mostra-nos que Decartes se enganou! está lá tudo já no Latim!
Eu também me revejo na tradição iluminista e racionalista, sem fazer tábua rasa do irracional e do religioso que constantemente nos interpelam. E admiro os intelectuais que arriscam e os que tomam partido, como o Zola, magnífico nesse triste Caso Dreyfus.
... arrivedeci!
vou de férias com a minha tia Lígia!
Chuac -!
e
até breve !!!!
é na invisibilidade do conhecido que eu gosto de me emocionar.
e dizes tu :
"Sou "iluminista" em determinados aspectos da vida, nos quais a clareza é essencial. Mas as sombras persistem e, por isso, interessa-me o domínio do irracional e vertentes decorrentes totalmente isentas e imunes ao poder da razão.
O maior encanto (e também muito desencanto...) da vida (também da arte, da literatura, filosofia, etc) faz-se do jogo de luz e de sombras. "
conheço-te daí... :))
beijo saudoso querida ana paula!
Boa reflexão
é que não basta respirar
nem sentir
é preciso transpirar
"a de que todos somos intelectuais, no sentido de que todos deveremos exercer o sentido cr�tico na avalia�o da realidade. Esta tarefa � fun�o do cidad�o em geral, hoje ainda"
e a ana paula acredita no sentido critico das massas?
sao como os gnus: corre um correm todos.
o exrcicio critico da trabalho :) por vezes doi.
ps: deveriamos exercitar a critica. claro.
cont. de boas ferias (se for caso disso)
quem quer sempre encontra :)
é o meu mundo
a preto e branco
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