quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A cerimónia do chá




Sempre encontrei um encanto especial no ritual do chá, além de gostar da bebida. Com o passar do tempo, a preparação do chá, e a sua partilha com outros(as), tem despertado em mim um interesse cada vez maior, enquanto hábito importante no convívio social. Na verdade, desde há muito, mas muito tempo... que no Oriente se pratica a chamada Cerimónia do Chá.

Diz-nos Kakuzo Okakura n' "O Livro do Chá":

«De começo o chá era um remédio e transformou-se numa beberagem. Na China, no século oito, entrou no reino da poesia como um dos divertimentos polidos. O século quinze viu o Japão enobrecê-lo ao torná-lo numa religião de estética - Chaísmo. O Chaísmo é um culto baseado na adoração do que é belo entre os factos sórdidos da existência diária. Incute beleza e harmonia, o mistério da caridade mútua, o romantismo da ordem social. Consiste essencialmente numa adoração do Imperfeito, já que é uma tentativa terna de atingir algo possível nesta coisa impossível a que chamamos vida.»



«A Filosofia do Chá não é mero esteticismo na acepção vulgar do termo, porque exprime, conjuntamente com a ética e a religião, todo o nosso ponto de vista a respeito do homem e da natureza. É higiene, porque impõe limpeza; é economia, porque revela o conforto que existe na simplicidade, mais do que no que é elaborado e caro; é geometria moral na medida em que define o nosso sentido de proporção face ao universo. Representa o verdadeiro espírito da democracia oriental ao fazer de todos os seus partidários aristocratas no gosto.»



«É na cerimónia-do-chá japonesa que assistimos ao culminar dos ideais-do-chá. A nossa bem sucedida resistência à invasão mongol, em 1281, havia-nos habilitado a continuar o movimento Sung, tão desastrosamente rasurado na própria China com a incursão nómada. Para nós o chá tornou-se mais do que uma idealização da forma de beber; é uma religião da arte da vida. A beberagem veio a tornar-se pretexto para adoração da pureza e do requinte, função sagrada na qual anfitrião e convidado se uniam para criar, naquela ocasião, a maior beatitude mundana. A sala-de-chá era um oásis no baldio tristonho da existência onde viajantes fatigados podiam encontrar-se para beber da nascente comum da apreciação artística. A cerimónia era um drama improvisado cujo enredo se tecia em torno do chá, das flores, e das pinturas. Nem uma cor perturbando a tonalidade da sala, nem um som estragando o ritmo das coisas, nem um gesto intrometendo-se na harmonia, nem uma palavra rompendo a unidade do ambiente, todos os movimentos deveriam fazer-se simples e naturalmente - eram estes os objectivos da cerimónia-do-chá. E, por estranho que pareça, eram amiúde realizados. Uma subtil filosofia jazia por detrás de tudo isto. O Chaísmo era o Taoísmo sob disfarce.»




«A ligação do Zenismo ao chá é proverbial.Já afirmámos que a cerimónia-do-chá resultou do desenvolvimento do ritual zen. O nome de Laotse, o fundador do Taoísmo, está também intimamente associado à história do chá.»

«(...) Entretanto, tomemos um gole de chá. O ardor da tarde ilumina os bambus, as fontes murmuram com gosto, o sussurro dos pinheiros escuta-se na nossa chaleira. Sonhemos com a evanescência, e demoremo-nos na bela tolice das coisas.»

O ritual ou cerimónia do chá é, em rigor, algo bem mais complicado do que a moderna preparação desta bebida, a partir de preceitos e técnicas ocidentais. Ao reparar atentamente na forma tradicional de preparar o chá, quase não acredito em tanta minúcia... Mas a delicadeza, a ordem e a precisão dos gestos, implicados nesta cerimónia, são detalhes que apelam à mais fina sensibilidade. E, nesse sentido, extraordinários. Tranquilizantes, simples e muito belos.
Foi ao ver uma demonstração da cerimónia do chá, realizada de acordo com a tradição coreana, e a partir de um pequeno vídeo, que aconteceu sentir ainda mais curiosidade pelo ritual do chá. Ele faz parte da cultura de todo o Oriente, mas, no Ocidente, a adesão a esta bebida é também uma realidade, desde há muito... Com um outro estilo, é verdade. No entanto, não deixa de ser uma prática onde Oriente e Ocidente podem encontrar-se.





16 comentários:

Miguel Garcia disse...

Olá Ana Paula!
O chá não é dos meus fortes, só gosto do chá sintético, ainda que ache piada aos rituais de preparação do chá tradicional. Se um dia for à China e visitar um bairro antigo, com gosto beberei um chá, sentado no chão com as pernas cruzada.
Um beijo*

isabel mendes ferreira disse...

diria que sim...:) sei que sim.!!!

.Ana. este é um daqueles "lugares" (o teu) de onde não se sai... sento-me. sirvo-me da tua elegância. e fico.


.


obrigada.


beijjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjo.

angelá disse...

Diferente, sim. E melhor, sem dúvida. Eu tenho uma verdadeira paixão pelo ritual do chá, não bebo chá de saquetas, tenho bules para cada qualidade de chá, para que os gostos não se misturem. Foi Wenceslau de Moraes e felizmente ao vivo o Embaixador Martins Janeira (já falecido) quem me abriram as portas desse Oriente. Mas é ritual que também só o tempo, a idade ensinam a cultivar. Porque é incompatível com a "pressa" em que aqui somos obrigados a viver.

Se vieres ao Porto, procura uma casa chamada "A Rota do Chá":)
Beijo com "Thé des sables"

Anónimo disse...

Eu tambem sou muito chazeiro, além de chalado. Darjeeling, simples, s.f.f. ;) Beijinho!

partilha de silêncios disse...

Este ritual sagrado exprime bem os afectos que envolve. Não sei se saberá melhor que o apressado chá ocidental. Mas certamente nos aquecerá a alma, pois não beberemos apenas o chá.

Ricardo António Alves disse...

Precioso. Tenho o hábito quase diário do chá, infelizmente sem este cerimonial...

Menina Marota disse...

Era eu muito jovem e os meus Pais resolveram viajar para o Japão, infelizmente não me levando com eles...

O "chado" (acho que é assim que se escreve) como eles se referiam à cerimónia do chá, foi uma coisa que eles começaram a fazer como rotina... em certas ocasiões... ainda hoje tenho os quimonos, de várias cores que trouxeram na altura de lá. Todos bordados a fio de seda, espectaculares!

Guardo ainda a mania de coleccionar bules, apesar de a maioria das vezes não me servir deles quando faço chá...

Um excelente texto que adorei ler.

Beijinhos e bom fim de semana

Mar Arável disse...

Belo texto

Gosto do ritual

privado

em boa companhia

musical

Frioleiras disse...

Encantou-me... encantei-me com o teu texto.......

coisas que amo... chá, harmonia, coisas tolas, rituais enfim um sem número de, talvez, frivolidades... chaísmo.....

Não conheço o Japão mas do Oriente guardo harmonias ímpares de uma visita que fiz há anos, à Coreia..........

Aqueles templos, mesmo em Seul, deram-me uma sensação de Paz em que os grandes parques e a quietude das árvores não lhes era estranha........ mas
no Oriente...
não gosto nada, mesmo nada da China...

Estive lá por três vezes em épocas distintas e, essa descrição que fazes e de que comungo, em nada se aplicaria na China. Pelo contrário o cansaço, a turbulência a opressão são adjectivos que me ficaram enterrados na pele ...
Quando estive em Pequim ainda pude "sentir" alguns laivos de vida nos Hutongs.... mas nota-se que tudo estava a mudar completamente.
Apanhei nessa altura, por lá, meningite viral. Estive à morte... e talvez isso me ajude ao mal estar que tenho em relação à China... Não sei , mas não gosto deles...
E a pessoa que mais perto de mim está assistiu aos confrontos de Tianamen... (eu ia morrendo de susto sem notícias, nesses dias sequentes...)

não, não gosto da sensibilidade abrutalhada dos chineses...


mas os contrastes dizem tanto!

Berchtesgaden é duma beleza e harmonia incrível... e no entanto Hitler teve sensibilidade para construir lá o seu "ninho"... como é possível?

E os japoneses com a sua cultura, harmonia, sensibilidade e bom gosto
tiveram os seus Kamikaze na 2ª guerra mundial...

...........as fronteiras da harmonia e do mal sempre tão próximas............

Mié disse...

Gosto de chá. É "coisa" que nunca falta cá em casa...de várias plantas e aromas

mas...não tenho o culto do chá à moda oriental, ficou-me da minha mãe que era uma mulher simples e sábia, a recorrência aos chás para curar tudo, ou quase tudo. Aprendi com ela a técnica da secagem das plantas para que a seiva se conserve integra e, é quase só esticar o braço para as apanhar. Recorro aos chás para muitos males físicos...é outro ritual, mas também ritual.

Retive esta frase "«(...) Entretanto, tomemos um gole de chá. O ardor da tarde ilumina os bambus, as fontes murmuram com gosto, o sussurro dos pinheiros escuta-se na nossa chaleira. Sonhemos com a evanescência, e demoremo-nos na bela tolice das coisas.»

Sente-mo-nos então com uma chá.vena na mão

...o bule foi pintado por mim, adivinha o motivo...claro, só podiam ser flores :)

Um beijo

grande

Bandida disse...

um chá é sempre um prazer!!

:)


beijos

Bandida disse...

daqueles peixinhos ali ao lado também gosto!

bbbbbbbbbbbb

observatory disse...

contudo há quem nao o saiba tomar.

é preciso mão e boa companhia

observatory disse...

pois...

rota do cha...

aqui ao lado.

o meu porto é perto

o meu cha tambem.

Violeta disse...

é realmente especial...
experimenta!

Maria Eduarda Colares disse...

Bom texto, tema fascinante, o chá. Tenho imensa pena de não conseguir gostar de chá porque até ao momento de beber adoro tudo: os bules, os pacotes, o aroma, mas beber chá é coisa que não acho graça nenhuma. Se bem que agora tenham aparecido uns muito subtis e delicados com suaves e inebriantes aromas exóticos (esta parte saiu-me bem) que são bastante agradáveis. Não acho o mais pequeno interesse aos de saquetas chatas (nem as tridimensionais) mas agora descobri uns fabulosos, só que caros pra caramba!

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