quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Escrevo logo existo

Tinha uma folha de papel branco à frente. Preenchê-la fazia crescer uma inquietação familiar. Tantas palavras para explicar tudo a correr e a sensação de uma luta travada com sucesso mais a certeza de não ter conseguido dizer completamente. Procuram-se outras vias às vezes mas volta-se sempre à palavra. O permanente e latente desafio que aparece logo com o raiar da manhã e só adormece lentamente no tempo da exaustão. Combate miudinho que ora invade tão irritante ora espreita sorrateiro por entre os risos mas sempre presente nas paisagens que preenchem os dias. E a proximidade tão tensa desse corpo a corpo que há não entre nós e as palavras mas entre nós mesmos (o quê?) e a substância verbal de nós mesmos. Desde o princípio foi o verbo e nada chega a dizer tanto como o refúgio do silêncio onde tropeçamos em infinitos de palavras. Sem escapatória. É da palavra que não se escapa. E é mesmo aí agora que estamos: no imenso arquivo delas a caminho de implantar em nós todo um novo esqueleto. Os dedos teclam e a pouco e pouco esquecem as voltas e os quebrantos - a dança da grafia manuscrita. E é assim que hoje já pouco riscamos do mapa pois antes apagamos tudo num passe de magia. 
Delete é uma nova condição-provocação para um mundo a limpo. Escrever? Recusa do apagamento de nós mesmos - o longo caminho para recuperar o que de nós foi apagado.

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