segunda-feira, 31 de maio de 2010

Exercícios literários



Sempre gostei muito de ler e reler Eça...


«(...) eu escapei, respirando, para a Biblioteca. Que majestoso armazém dos produtos do Raciocínio e da Imaginação! Ali jaziam mais de trinta mil volumes, e todos decerto essenciais a uma cultura humana. Logo à entrada notei, em ouro numa lombada verde, o nome de Adam Smith. Era pois a região dos Economistas. Avancei - e percorri, espantado, oito metros de Economia Política. Depois avistei os Filósofos e os seus comentadores, que revestiam toda uma parede, desde as escolas pré-socráticas até às escolas neopessimistas. Naquelas pranchas se acastelavam mais de dois mil sistemas - e que todos se contradiziam. Pelas encadernações logo se deduziam as doutrinas: Hobbes, em baixo, era pesado, de couro negro; Platão, em cima, resplandecia, numa pelica pura e alva. Para diante começavam as Histórias Universais. Mas aí uma imensa pilha de livros brochados, cheirando a tinta nova e a documentos novos, subia contra a estante, como fresca terra de aluvião tapando uma riba secular. Contornei essa colina, mergulhei na secção das Ciências Naturais, peregrinando, num assombro crescente, da Orografia para a Paleontologia, e da Morfologia para a Cristalografia. Essa estante rematava junto de uma janela rasgada sobre os Campos Elísios. Apartei as cortinas de veludo - e por trás descobri outra portentosa rima de volumes, todos de História Religiosa, de Exegese Religiosa, que trepavam montanhosamente até aos últimos vidros, vedando, nas manhãs mais cândidas, o ar e a luz do Senhor.
(...) Jacinto aconchegara aí um recanto, com um divã (...). Cedi à sedução das almofadas; (...). Arredei uma "Gazeta de França"; e descortinei um cordão que emergia de um orifício, escavado no cofre, e rematava num funil de marfim. Com curiosidade, encostei o funil a esta minha confiada orelha, afeita à singeleza dos rumores da serra. E logo uma voz, muito mansa, mas muito decidida, aproveitando a minha curiosidade para me invadir e se apoderar do meu entendimento, sussurrou capciosamente: " E assim, pela disposição dos cubos diabólicos, eu chego a verificar os espaços hipermágicos!..."
Pulei, com um berro.
- Oh, Jacinto, aqui há um homem! Está aqui um homem a falar dentro de uma caixa!
O meu camarada, habituado aos prodígios, não se alvoroçou:
- É o Conferençofone... (...) aplicado às escolas e às conferências. Muito cómodo!... Que diz o homem, Zé Fernandes?
- Eu sei! Cubos diabólicos, espaços mágicos, toda a sorte de horrores...
Senti dentro o sorriso superior de Jacinto:
- Ah, é o coronel Dorchas... Lições de Metafísica Positiva sobre a Quarta Dimensão... Conjecturas, uma maçada! Ouve lá, tu hoje jantas comigo e com uns amigos, Zé Fernandes?
(...) - Não, Jacinto, não... Eu venho de Guiães, das serras; preciso entrar em toda esta civilização, lentamente, com cautela, senão rebento. Logo na mesma tarde a electricidade, e o conferençofone, e os espaços hipermágicos, e o feminista, e o etéreo, e a simbolia devastadora, é excessivo! Volto amanhã.
(...)
in Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras


[Nota: A minha paixão pelas Bibliotecas só tem rival no meu prazer pela vida - fonte de sabedoria.]




Imagem: pintura de José de Guimarães - pesquisa do Google

sábado, 29 de maio de 2010

Sparring Partner

Acho que hoje é um bom dia para prestar homenagem aos que foram um Sparring Partner, para mim. Segundo Paolo Conte, e através da sua música, trata-se do que está impregnado de nostalgia e nos torna nostálgicos também (mas de uma forma que pode considerar-se muito boa).



Bom fim-de-semana


quarta-feira, 26 de maio de 2010

domingo, 23 de maio de 2010

Mares nossos

Julguei-te mar
atlântico
poema imenso
à beira do olhar

...digo-te na hora
nasces no minuto
todo o mar salgado
no corpo deitado

gaivotas chinesas calores africanos
conchas portuguesas rumo ocidental


Imagem: foto de AP

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Brain On: Universos paralelos?

Às vezes, até apetece passar para um universo paralelo. A ser possível, por certo colocar-se-ia a questão: voltar ou não voltar?
Esta entrevista já é de 2005, mas nem por isso deixa de ser uma oportunidade de participar do ritmo excelente da conversa com um comunicador brilhante: Michio Kaku.
Adolescente, eu era completamente fascinada pela hipótese de viagens no tempo, assim como pela possibilidade de existência de outros mundos. Bom, confesso que ainda sou bastante.
Quem pode afirmar que em ciência não há imaginação?! Ainda que tudo isto aguarde a necessária confirmação e, portanto, a exigível posse de provas, não deixa de ser algo muito provável. 
Tal como nos filmes que faziam as minhas delícias de adolescente, imagino-me em viagem a outro mundo... Uma vez nele, estou certa de que faria o que sempre faziam os meus heróis dessas sagas: voltaria ao meu mundo, neste caso, ao meu universo de origem, mesmo que fosse muito menos avançado. Suponho que algo assim só se explica pela relação afectiva desenvolvida com ele.



domingo, 9 de maio de 2010

Um

Supondo que tudo o que fazemos, e ainda mais, que toda a nossa acção, na medida em que possui uma intenção, tem efeitos na totalidade do Universo... sendo esta a visão do mundo pela qual procuro orientar-me, concluo não ser possível alhear-me da situação actual. Quero dizer, concretamente, como é da ordem do dia, não ser possível alhear-me da situação económica e financeira do país - em última análise,  há que considerar a do mundo em geral. É certo que a posição de indiferença e de alheamento também teria influência, mas não foi essa a que escolhi. Tenho perdido largo tempo a tentar entender uma série de coisas. Na verdade, continuo sem entender uma enorme quantidade delas. Não sou esclarecida em economia, nem em mercados bolsistas, e outras coisas do género. Mas também é difícil encontrar os devidos esclarecimentos, aqueles que se impõem para uma intervenção consciente dos cidadãos. Por exemplo, não devia ser entregue à sorte o destino de notícias tais como "Portugal tem nota negativa por parte das agências de rating"; "Portugal passou de A+ para A-"; e outras tiradas do mesmo tipo. Obviamente, não seria capaz de explicar devidamente o que tudo isto significa - continuo a fazer esforços para entender, é um desejo de consciencialização. O que sei, e já é alguma coisa, é que a complexidade do nosso mundo "desenvolvido" actual é imensa, sobretudo do ponto de vista económico e financeiro. Acontecem coisas extraordinárias! como bancos que pedem empréstimos a bancos, e que fazem empréstimos a outros bancos que lhes pedem os tais empréstimos, sendo que depois estes os fazem a outros bancos que... (passe a rudimentar explicação); numa vertigem total, dentro da qual não se sabe bem onde está o dinheiro, ou até mesmo se ele existe (?). 
Mas a busca de esclarecimentos também se revela labiríntica. É difícil encontrar visões abrangentes, claras e imparciais q.b. (dado que a total imparcialidade é impossível). Rapidamente entendemos, dando alguma atenção, que um tipo de explicação da situação (a explicação y, por ex.) é de esquerda, e que um outro tipo de explicação da situação (a explicação z, por ex.) é de direita. Mas é também quase de imediato que percebemos que tudo é muito mais tortuoso, porque são muitas as vezes em que a esquerda defende as perspectivas que tínhamos como sendo de direita, e há outras tantas vezes em que o inverso também acontece, sem sombra de dúvida. Fica a incógnita face a uma possível equivalência entre y e z, pelo menos para certos efeitos. Embora a equivalência, a confirmar-se, mostre ser uma daquelas simplificações que só transporta consigo mais obscuridade.
O que fica claro até ofuscar a nossa vista é apenas uma coisa: o esforço necessário para organizar coerentemente tanta e tão desconexa informação é hoje muitíssimo maior. Quase demove o mais perseverante. Ou não. Porque dependerá também do factor curiosidade, o qual trava uma luta acesa com o factor esgotamento. É que isto anda tudo ligado, convém não esquecer. Basta pensar na nuvem de cinzas que nos chega do vulcão na Islândia, uma espécie de eco do que nos segreda a natureza: "tudo é uno".

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O mundo fantástico das descobertas!

É este o dia: 3 de Maio - Dia da Liberdade de Imprensa, o escolhido pelo Marcas d'Água e pelo Bicho Carpinteiro para uma blogagem colectiva cheia de interesse. E porquê? Bom, trata-se de uma descoberta tão fantástica, quanto apelativa. A de um objecto inovador, multi-funcional e que reserva ao seu utilizador a maior liberdade - quer na utilização, quer na riqueza da expressão.
São muitos, portanto, aqueles que se sentem verdadeiramente empolgados face ao mundo fantástico das descobertas surpreendentes!

domingo, 2 de maio de 2010

Mães

 An Interlude, William Sergeant Kendall (1907)

«"Isto também é uma história?" disse Ewald, não deixando o silêncio prevalecer depois das minhas palavras.
"Não" respondi eu, "isto é um sentimento".
"Mas esse sentimento não se podia também transmitir às crianças?" Reflecti. "Talvez." "E de que forma?" "Através de uma outra história." Então contei:
"Era no tempo em que no Sul da Rússia se lutava pela liberdade."
in Rainer Maria Rilke, Histórias do Bom Deus




Imagem: pesquisa do Google

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...