quinta-feira, 26 de maio de 2011

Se a Europa Acordar II

Flaming June de Frederic Leighton (1830-1896)

Já lá vai um tempo, citei Aqui Peter Sloterdijk, a propósito da Europa. Hoje, o projecto europeu coloca-nos uma série de questões novas, algumas delas talvez previsíveis, mas que agora irrompem em todo o seu esplendor. Olhando o horizonte dos possíveis... será que vemos o futuro que estamos a construir? Ou a destruir (conforme a perspectiva)?
Peter Sloterdijk é um filósofo alemão considerado dos mais importantes da actualidade (entrevista recente no El País). Extremamente polémico, sem dúvida, tem a marca inconfundível dos grandes pensadores. É certo que o seu pensamento me suscita algumas discordâncias e perplexidades, mas julgo que vale a pena relembrar algumas palavras suas, acerca desta Europa a que pertencemos.
 
«Hoje, a intelligentsia europeia deve a si própria um exemplo de que a política praticada em grande é possível para lá do Império e do desprezo imperialista. O poder que se exerce a partir de Bruxelas sobre a grande Europa encontra-se agora perante uma escolha. Ou quer passar para um imperialismo mais ou menos aberto, nomeadamente sob influência de cenários sugestivos que profetizam uma guerra económica entre os Estados Unidos, o Japão e a Europa, bem como uma guerra mundial por infiltração do Sul contra o Norte. Ou compreende que a sua oportunidade reside na translação do Império para um não-império, uma nova união de entidades políticas. Se se decidir por um novo Império, perde o resto da sua alma e provoca o seu próprio desaparecimento por depravação nas três gerações futuras. Apenas com a aliança da ambição e do cinismo, nenhuma cultura moderna percorrerá nem que sejam cem anos suplementares.
Só a recusa de todo e qualquer tipo de desprezo dará a uma nova Europa o fôlego longo da verdade que anima as mais íntimas pretensões ao êxito. Uma coisa é, porém, inegável: se acordar, a Europa virá a si própria na véspera de uma era de tempestades. Os nossos contemporâneos que espreitam o futuro poderão sentir que folheiam um catálogo das misérias anunciadas. Podem animar-se com o dito do herói do mar Vasco da Gama que correu mundo em barcos à vela e, uma vez, gritou para a tripulação desesperada durante uma tormenta no oceano Índico: "Avante, homens, treme o mar de nós!". Para nós, a nova política começa com a arte de criar palavras que designarão o horizonte aos humanos que vogam no navio do real.»
in Peter Sloterdijk, Se a Europa Acordar - Reflexões sobre o Programa duma Potência Mundial no Termo da sua Ausência Política

No navio do real, pergunto então: porque não treme já o mar de nós? 


Nota: o livro foi publicado entre nós em 2008 pela Relógio D'Água Editores; em anexo ao livro foi publicada uma entrevista a Peter Sloterdijk, feita por António Guerreiro, a 24 de Março de 2007 (segundo indicação da contra-capa).


terça-feira, 24 de maio de 2011

Matemática cantante

Ai o ponteiro da tortura

Ai o ponteiro da tortura
naquela sala
que a matemática tornava mais escura
em vez de iluminá-la.

Felizmente só o nada-de-mim ficava lá dentro.

O resto corria no pátio-em-que-nos-sonhamos,
Pássaro a aprender os cálculos do vento
Aos saltos do chão para os ramos.

Mas só quando voltava para casa à tardinha
encontrava a minha verdadeira matemática à espera
na lógica dura das teclas do piano,
no perfil-oiro-pedra da vizinha,
na flauta de água macia do tanque
- chuva de Mozart nos zincos da Primavera...

Matemática cantante.

José Gomes Ferreira, Poesia V

[re-descoberto no livro de Língua Portuguesa da minha filha (9º ano)/ o sublinhado é meu]



quinta-feira, 19 de maio de 2011

Vai um joguinho?


 «A angústia é a disposição fundamental que nos coloca perante o nada.» in Martin Heidegger, Da Essência da Verdade

O bluff é uma coisa gira. Leva-se alguém a crer que as coisas são de uma certa maneira, faz-se a parte de que sim, de que é mesmo assim e tal... de que, por exemplo, até há uma certa ameaça no ar... e depois espera-se o correspondente efeito. Há pessoas que gostam muito deste tipo de estratégias de manipulação. Adoram, e acham-se o máximo, porque acreditam ser exímias na sua execução. E eu digo que é uma coisa gira, enfim, porque só consigo situar este tipo de representações, algures no plano do mero divertimento superficial. Diverte, e até entretém, enquanto artimanha psicológica. Levada a cabo com alguma arte, pode tornar-se esteticamente interessante, ainda que bastante oca. A parte menos gira do bluff é quando há pretensão de que o outro, ou outra, é estúpido(a). Em rigor, talvez do bluff sejamos todos sabedores, mas uns apenas ocasionais entertainers, enquanto outros são verdadeiros profissionais da coisa. 
Pode mesmo acontecer, no convívio com certas pessoas, ou em certos ambientes, uma pessoa começar a pensar... até que ponto não será que uma grande parte da vida é muito semelhante a um ludibriante jogo de cartas...? Daqueles ao longo dos quais... encontramos quem nos faça crer que tem grandes trunfos para jogar, quando, na verdade, não tem nada!
Talvez a vida possua várias camadas de existência. Desde a primeiríssima, apenas porque a mais acessível e mais fácil de habitar, ali mesmo à superfície; até uma outra, que ocupa zonas dolorosamente profundas e se torna, regra geral, inacessível. Provavelmente, certas pessoas são felizes nesse lugar mais "leve" (porque com menos "ser em cima", digamos) e, por mais que alguém as queira "puxar" para outros lugares, nunca conseguirá levá-las até lá... Pode argumentar-se - e é de lembrar - que nada garante vantagem a planos mais profundos da existência. Bem sabemos, um dia todos terão um fim. Antes dele, para quê preocupações?! "Sejamos preocupadíssimos, que o tempo foge!". Poucas hipóteses contra "Sejamos levíssimos, que a vida é breve!". Mas não, isto não é um qualquer pretenso manifesto hedonista. Só que, vendo bem, até o podia ser. Qualquer outro tipo de causa parece perdida, perante a possibilidade do puro prazer. Até mesmo, quem sabe?, do prazer de conseguir enganar um outro.
Assim sendo, esta minha pequena reflexão é pura retórica. Humm... ou será que estou a fazer um certo bluff?


quinta-feira, 12 de maio de 2011

A cidade dos mortos ou a cidade dos vivos?

O documentário intitula-se "A Cidade dos Mortos", mas é mais o retrato realista de um lugar onde a vida se sobrepõe à morte, enquanto a encara com uma naturalidade desconcertante. Para compreender melhor, é preciso ver.

terça-feira, 10 de maio de 2011

...e de longe se vê perto

«Sagredo - E até onde irão as novas observações e descobertas deste admirável instrumento?
Salviati - Se os progressos do telescópio devem ir a par com os das outras grandes invenções, é de esperar que com o tempo cheguemos a ver coisas que hoje são para nós inimagináveis. (...)»
in Galileu Galilei, Diálogo dos Grandes Sistemas (primeira jornada)

A separação do Herschel , meia-hora depois do lançamento em direcção a um território situado a cerca de 1,5 milhões de quilómetros da Terra  (Fonte: Agência Espacial Europeia)





Desde a célebre luneta de Galileu, até aos dias de hoje, um longo caminho foi percorrido... É caso para o lembrar, uma vez que o Observatório Espacial Herschel (um projecto da ESA) acaba de nos proporcionar uma espectacular imagem na qual, pela primeira vez, podemos observar nuvens de gases moleculares em expansão no interior de um conglomerado de galáxias. A imagem pode ver-se AQUI 

O telescópio recebeu o seu nome em homenagem ao astrónomo William Herschel (1738-1822).




quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sim, é possível ficar a poucos milímetros da perfeição. É então que o mundo avança...


"Una voce poco fa": Rossini e Joyce DiDonato





Una voce poco fa 
 qui nel cor mi risuonò; 
 il mio cor ferito è già,
e Lindor fu che il piagò.
Sì, Lindoro mio sarà;
lo giurai, la vincerò.
Il tutor ricuserà,
io l'ingegno aguzzerò.
Alla fin s'accheterà
e contenta io resterò.
Sì, Lindoro mio sarà;
lo giurai, la vincerò.
Io sono docile, son rispettosa,
sono obbediente, dolce, amorosa;
mi lascio reggere, mi fo guidar.
Ma se mi toccano dov'è il mio debole
sarò una vipera e cento trappole
prima di cedere farò giocar.

 ou

A voice has just
echoed here into my heart
my heart is already wounded
and it was Lindoro who shot.
Yes, Lindoro will be mine
I've swore it, I'll win.
The tutor will refuse,
I'll use my ginius
finally he'll accept,
and happy I'll rest.
Yes, Lindoro will be mine
I've swore it, I'll win.
I'm gentle, I am respectful
I'm obedient, sweet, loving
I let be ruled, I let be guided
But if they touch where my weak spot is
I'll be a viper and a hundred traps
before giving up I'll make them fall

terça-feira, 3 de maio de 2011

Esboço de ensaio sobre o cão de fila na sua forma humana OU da necessidade de educar meninas malcriadas

O cão de fila é um ser maravilhoso, oriundo das nossas terras portuguesas. Como acontece com toda a precipitada adaptação de comportamentos estimáveis e relevantes no seu adequado contexto de vida animal, ao transitarem assim para aquele lugar próprio das coisas humanas, demasiado humanas, verifica-se que o que é notável degrada-se.

Posto este princípio, que enuncio por minha alta recriação, compete dizer que este esboço de um ensaio que até gostaria de escrever, mas para o qual, na verdade, não tenho paciência; este esboço, dizia eu, é uma pequena mensagem que se pretende circule ligeiramente e esvoaçando pelo hiper-espaço, até cair algures no ponto, ou seja, poisando suavemente mas caramelizada já, no colo de uma menina malcriada - uma espécie de dádiva dos céus, enfim...

As meninas malcriadas devem ser educadas. Mas, grosso modo, acontece haver pouca paciência para a educação. Esta, é um facto, dá trabalho. Por vezes, pode até nem ser conveniente. É mais fácil deixar proliferar e desabrochar competências para a manipulação desenfreada do outro. Por vezes, isso calha bem porque a manipulação é recíproca. E as pessoas gostam de se entreter com este tipo de delicados jogos de equilíbrio de poderes.

Isto é um esboço, não pretendo esquecê-lo. Daí que avance já para a minha provisória conclusão, até porque tenho realmente coisas melhores para fazer. Concluo, por ora, o seguinte: quem quiser brincar com meninas malcriadas e divertir-se à brava, que brinque. Vivemos numa sociedade democrática e a liberdade ainda passa por aqui... Mas, só brinca quem quer e enquanto quer. Quem não quer, não brinca. Ponto final, irredutível. E quem não brinca, começa a falar a sério. É uma questão de liberdade.

Questões estéticas ou de juízo do gosto: diz-me a educação da minha sensibilidade que a arrogância/petulância fica muito melhor no chiaro-escuro, mas péssima à luz crua de um sol impiedoso - recomenda-se moderação na sua utilização, até porque para arrogante, arrogante e mais... Felizmente, há em todos nós um certo quê de artistas.

(sim, eu sei, é um textozinho ligeiramente incompreensível...)

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...