segunda-feira, 30 de julho de 2012

estado selvagem

olhar à volta, ouvir as notícias, saber de coisas várias e de situações limite das vidas concretas de tantas pessoas - tudo assim numa espécie de aglomerado crítico do ar dos tempos -, levou-me a pensar no significado de selvagem. por exemplo, aqui. e destaco: 

Diz-se do homem ou do povo que vive sem mais noções sociais do que as que o instinto lhe sugere. 

Ou seja, digo eu: redução à ínfima espécie.

domingo, 29 de julho de 2012

cantaria

o belo condicional em português
 

sem título

o poema da época é o poema contido
mas dentro do escasso tempo
cada poema conta

o poema da época é o poema laminar
dispõe de poucas palavras
mas com elas corta
o ar

o poema da época quer dizer muito
com pouco
é por isso que te inventa
à velocidade da luz

o poema da época é de verbo reduzido
vibra na hipótese esquecida
que de repente
voa

o poema que regressa
é o poema de sempre
bebe sonhos devagar
escreve-se lento à tardinha
embriagado de mar

o poema que se sente
é
o teu poema


A.P.

férias

eu queria dizer umas coisas sobre a educação que está na ordem do dia. mas estou de férias. e se uma pessoa não se educar em matéria de férias educativas nunca se prepara de facto para voltar a educar. dedicar-me-ei assim entretanto a outros assuntos. e quando sentir que as férias já produziram efeito tentarei avaliar os meandros da grande questão.


boas férias! ou bom trabalho! - conforme os casos.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Guta Naki: blues?



reler na quebra dos contínuos dias

Um escritor, penso eu, é alguém que está atento ao mundo. O que significa procurar compreender, assimilar, comunicar com tudo o que há de mau nos seres humanos; sem ser contaminado - tornando-se cínico, superficial - por tal compreensão. 
A literatura pode dizer-nos como é o mundo. 
A literatura pode dar-nos critérios e transmitir-nos um conhecimento mais profundo, encarnado em palavras, em narrativa.
A literatura pode treinar e exercitar a nossa capacidade de chorar por aqueles que não são nós ou nossos.
Quem seríamos nós se não pudéssemos compreender aqueles que não são nós ou nossos? Quem seríamos nós se não pudéssemos esquecer-nos de nós próprios, pelo menos por algum tempo? Quem seríamos nós se não pudéssemos aprender? Perdoar? Tornarmo-nos numa coisa diferente daquilo que somos?
Susan Sontag, Literatura é Liberdade - Discurso de aceitação do Prémio da Paz


segunda-feira, 23 de julho de 2012

viagem a Marte

A 5/6 de Agosto chega a Marte Curiosity ou Mars Science Laboratory (MSL). Depois de Spirit e de Opportunity, é a vez de mais uma fantástica máquina passear pelo planeta vermelho, agora para estudar a sua geologia e o seu clima, assim como para avaliar uma possível habitabilidade. Todos estes robots fazem parte da Mars Exploration Rover Mission. Entretanto, sabe-se que a entrada na atmosfera de Marte será um momento difícil, sendo que todos os cenários possíveis foram antecipados e calculados pelos responsáveis da missão. É neste sentido que se assinalam os 7 minutos críticos ("de terror") que vão condicionar esta aterragem, ainda há bem pouco tempo apenas possível na nossa imaginação. Mas... e se fosse uma missão tripulada por humanos? Por enquanto, não é de todo possível, mas fazem-se preparativos vários para aí chegar... um dia.
As diversas fases do actual empreendimento - a missão para levar Curiosity a Marte - são-nos apresentadas neste pequeno vídeo, no qual se reconstituem: o momento crítico da aterragem e também alguns dos trabalhos a realizar posteriormente.

interessante...


Em frente de nós, na borda a nordeste do largo, um regimento de soldados do rei rodeia a Igreja de São Domingos formando um semicírculo diante da entrada. Atrás deles, vê-se uma fila de cavaleiros, ao todo talvez uns vinte.
- Deve ter havido um acordo qualquer entre o governador e a hierarquia dos dominicanos para poderem ficar em Lisboa - comenta por gestos Farid.
- Quando a matança acaba, a Coroa manda as tropas - replico -. É um grande conforto saber que ele nos apoia com tanta coragem, não achas? 
Enquanto caminhamos, observamos a atitude respeitosa do povo da cidade, o mesmo povo que um dia ou dois antes era capaz de exigir a cabeça do rei. «Esta passividade está profundamente entranhada nas almas dos cristãos portugueses» penso. «Nunca nenhuma revolta há-de aqui ter sucesso.»
Richard Zimler, O último Cabalista de Lisboa

sábado, 21 de julho de 2012

da boa música portuguesa



catharsis de verão

é preciso circunscrever a acção às suas consequências. uma acção inconsequente em matérias importantes é voto de imbecilidade. o país não pode avançar à custa do entretenimento balofo das coisas mais que sabidas. mas essa é a grande ocupação. silly ou não silly season. vamos apertar bem o cinto pois no poupar é que está o ganho. mas antes que a verborreia me tome ou me consuma impõe-se descansar. há mais vida para além da pequenez de espírito que envolve a politicazinha deste país a transbordar de sofrimentos reais. precisamente o que há para além de... descansar é pois neste ângulo de visão e de acção um longo mergulho na realidade. splash!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

liberdade

  ...para parar, ler e pensar

Uma sociedade autónoma, verdadeiramente democrática, é uma sociedade que questiona qualquer sentido pré-determinado e na qual, por isso mesmo, se liberta a criação de novos significados. Cada indivíduo é livre de nela criar, para a sua vida, o sentido que puder e desejar, mas é absurdo pensar que o poderá fazer fora de todo o contexto e de todo o condicionamento social e histórico. (...) O indivíduo individualizado cria um sentido para a sua vida ao participar nos significados que a sua sociedade cria, ao participar, seja enquanto «autor», seja enquanto «receptor» (público) da criação desses significados e insisti sempre no facto de que a verdadeira «recepção» de uma nova obra é tão criativa quanto a sua própria criação. (...)
Pergunta-me se a experiência da liberdade não se torna insuportável. Existem duas respostas a essa pergunta que são solidárias. Ela torna-se insustentável na medida em que não se consegue fazer nada com essa liberdade. Para que a queremos? Antes de mais, por si mesma, claro, mas também para poder fazer coisas. Se não se pode, se não se quer fazer nada, transforma-se na figura pura do vazio. Horrorizado perante esse vazio, o homem contemporâneo refugia-se no sobre preenchimento laborioso dos seus «lazeres», num hábito enfadonho cada vez mais repetitivo e acelerado. A experiência da liberdade é, ao mesmo tempo, indissociável da experiência da mortalidade. (...) Um ser, indivíduo ou sociedade, não pode ser autónomo se não aceitar a sua mortalidade. Uma verdadeira democracia, e não uma «democracia» simplesmente processual, uma sociedade auto-reflexiva e que se auto-institui, que pode questionar sempre as suas instituições e os seus significados, vive precisamente na experiência da mortalidade virtual de qualquer significação instituída. Só a partir daí é que pode criar e, consequentemente, instaurar «monumentos perenes», imortais, enquanto demonstração, para todos os que se seguirão, da possibilidade de criar o significado, enquanto se mora à beira do Abismo. Ora é evidente que a derradeira verdade da sociedade ocidental contemporânea é a fuga perdida perante a morte, a tentativa de encobrir a nossa mortalidade, que se negoceia de mil e uma maneiras, pela supressão do luto, pelos «agentes da morte», pelas intermináveis tubagens e ramificações da teimosia terapêutica, pela formação de psicólogos especializados na «assistência» àqueles que estão a morrer, pelo afastamento dos idosos, etc.

Cornelius Castoriadis, A Ascensão da Insignificância - Entrevista publicada em Esprit, Dezembro de 1991

quinta-feira, 12 de julho de 2012

filosofia pequenina

a existência do outro na consciência de si talvez justifique o inquietante desejo de viver para o compreender: ao outro e ao si que existe com essa presença irredutível da alteridade.

música para compreender os segredos da terra...


 


A RONDA DOS DIAS

Já há muito tempo visito e leio, sempre com prazer renovado, A Ronda dos Dias. É escrito pela Ivone Costa. Acreditem no que vos digo, pois que podem confirmá-lo: tudo o que é escrito pela Ivone, é-o com autêntico primor - poesia ou prosa, tudo se lê desejando mais... Chamo para aqui um dos seus textos, um escolhido entre muitos da minha especial predilecção:



sábado, 7 de julho de 2012

para abrir o espaço

Um estudo das nuvens no "Campo Santo, Venice" de J.M.W. Turner - John Ruskin (1819-1900) 



andava eu à procura de um livro, para ler "pedaços" dele com os amigos - que é uma forma mais do que privilegiada de consolidar a amizade -, quando dou com esta passagem tão ampla. e registo-a, para além de a enfeitar.

Tinha quatro ou cinco anos, cabelo encaracolado, umas sandálias abertas na ponta, em lúnula, e uns calções curtos com suspensórios. A rapariga pousou o cesto no chão, acocorou-se, gritou: Samuele!, e abriu os braços, e o menino mergulhou dentro deles, a rapariga levantou-se e começou a rodopiar abraçada ao menino, rodopiavam os dois como uma girândola, as pernas do menino na horizontal e ela a cantar Yo me enamoré del aire, del aire de una mujer, como la mujer era aire,con el aire me quedé.
Ele deixou-se deslizar até ao chão com as costas apoiadas no muro e olhou para o alto. O azul do céu era tal que escancarava o espaço. Abriu a boca para respirar aquele azul, para o engolir, e depois abraçou-se a ele, apertando-o contra o peito. Dizia: Aire que lleva el aire, aire que el aire lla lleva, como tiene tanto rumbo no he podido hablar con ella, como lleva polisón el aire la bambolea.

* Tradução livre das duas estrofes: «Enamorei-me do ar,/ Do ar de certa mulher,/ Como a mulher era ar,/ Com o ar tive de ficar.// Ar que o ar vai levando,/ Ar que a vai levando a ela,/ Porque tão veloz voava,/ Não pude falar com ela,/ Enfunada leva a saia,/ Embalada o ar a leva.» (Canção sefardita do século XVI.) (N. do A.)

Antonio Tabucchi, O Tempo Envelhece Depressa - nove estórias

velocidade existencial 2







 

velocidade existencial

ao longo do tempo tive oportunidade de conhecer muitas pessoas que não sabiam descansar. pura e simplesmente não conseguiam fazê-lo. sinceramente sempre me fez confusão... e claro está acabei por desenvolver uma espécie de teoria acerca disso. não sei se corresponde efectivamente à realidade mas alguns factos levam-me a crer não estar de todo desajustada. é bastante simples afinal: descansar para muitas pessoas significa um estado próximo da morte. "parar é morrer" diz-se. acontece que eu própria também tenho um certo horror à imobilidade. na verdade eu pendi sempre para a agitação e para o desdobramento praticamente impossível de tarefas e para o desejar estar aqui ali além e acolá. eu própria com medo de parar. mas estas coisas acontecem apenas até um certo dia - uma forma de dizer é claro. acontecem até uma pessoa perceber que se não abrandar morre mesmo. é só então que se descobre a maravilha que é descansar. e o mais interessante de tudo isto (elementares cogitações da existência) é algo paradoxal - uma vez que é ao abrandar que realmente se avança. mas a cada um a velocidade certa. ando sempre a tentar descobrir a minha por entre a necessidade de a aferir pela dos outros. e a deles é certamente importante. pelo menos até certo ponto. maravilha das maravilhas: antecipar a possibilidade de viver uns tempos em velocidade moderada. 
dizem estudiosos do cérebro que a vida acelera à medida que se envelhece. se assim é talvez seja por isso que eu quero abrandá-la.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

metalosis maligna emprestada

trago para aqui este vídeo, tomando-o por empréstimo do Machina Speculatrix, o blogue do Porfírio Silva. nele, há sempre muito com interesse para ler e para pensar. neste caso, observe-se bem esta doença/infecção ainda imaginária... um hipotético cenário de futuro que se associa a uma minha inquietação: como evoluirão os seres humanos do ponto de vista anatómico e fisiológico?


quinta-feira, 5 de julho de 2012

modelo-standard

A actual física de partículas assenta no chamado modelo-standard, uma gloriosa trapalhada. A matéria é feita de doze partículas fundamentais, há outras quatro portadoras das forças e que medeiam as interacções entre as coisas e ainda nos é oferecida uma partícula auxiliar de brinde. Ainda assim, deixa de fora a gravidade. Ao electrão e ao neutrino juntaram-se mais duas famílias de partículas semelhantes mas de maior massa, o muão e o tauão, além dos neutrinos correspondentes, denominados colectivamente leptões. O protão e o neutrão deixaram de ser fundamentais; é sabido que são constituídos por dois tipos de quarks (o up e o down). Como se isto não fosse suficiente, foram descobertos mais quatro quarks (o charme, o strange, o top e o bottom). A força fraca de Fermi é transportada pelos bosões W e Z, enquanto a luz e as interacções electromagnéticas são transmitidas pelos fotões. A força forte de Ettore e Heisenberg é mediada pelos gluões. Precisamos do bosão de Higgs para dar massa às partículas, nos casos em que isso se aplica.
Um jardim zoológico de partículas, a servir de peças básicas do universo! Só de pensar que os Gregos se contentavam com a terra, a água, o fogo e o ar... Anderson pode ter recebido o Prémio Nobel por ter descoberto o positrão, mas hoje existe a opinião generalizada de que quem quer que descubra uma partícula fundamental nova devia pagar uma multa de 10 mil dólares. O pior ainda é que, se considerarmos todos os "parâmetros livres" que têm de assumir certos valores para o modelo concordar com os dados, entre massas, forças de interacção, ângulos de mixing e por aí fora, ficamos com quase trinta números independentes. Todos metidos à pata dentro da teoria, como input, sem qualquer justificação. 
Patético.
Até hoje, as tentativas de melhorar a situação ultracomplicada da física de partículas têm-se centrado na unificação das forças, procurando uma única força-partícula que unifique as muitas forças-partículas independentes.  (...) 
João Magueijo, O Grande Inquisidor

é por estas e por outras que falar claramente é preciso


não sei se a Teoria das Cordas resolve ou não os enigmas do universo. mas falar claramente é uma grande coisa. disso tenho a certeza.


segunda-feira, 2 de julho de 2012

as mãos

o que as mãos dizem o que revelam ou expressam... tantas vezes mais que um rosto. acontece encontrarmos umas postas assim... enaltecer-lhes o encanto e a imensidão. apetece até dizer: estavas linda Inês posta em sossego... mas estas vêm do Caravaggio (1986), de Derek Jarman. uma preciosidade.


domingo, 1 de julho de 2012

Mona Prince


Mona Prince, blogger da Primavera Árabe, é também escritora. Em conversa com Nuno Rogeiro, no programa Sociedade das Nações, considerou o caos como não perigoso. Eu acrescentaria: não é perigoso desde que seja transitório e de muito curta duração. Se atendermos à actual situação da Síria, o caos já é mais do que perigoso: é inaceitável. Por outro lado, Mona admitiu ser a religião um factor absolutamente determinante no seu país. No entanto, do seu ponto de vista, ela é hoje vivida sobretudo no que diz respeito aos aspectos formais, existindo, por outro lado, uma notória ausência dos valores correspondentes.
É interessante conhecer esta voz feminina que nos chega do Egipto - ver entrevista. Pelo que pude saber, a sua literatura é tida como caótica. Não deve ser por acaso. Pode ler-se alguma coisa do que escreve, por exemplo, no seu blogue: Mona Prince.

Regresso ao futuro

Muitas vezes, diz-se: nunca regresses a um lugar onde já foste feliz. Mas como não procurar todos os lugares que nos parecem compatíveis com...