Andava eu à procura de interpretações do fantástico Concerto para Piano de Ravel, quando veio à minha memória o que tinha lido recentemente sobre o fim da sua vida. Refiro-me ao comentário bastante duro que Julian Barnes faz acerca da morte de personagens que consideramos extraordinárias. Uma série de coisas algo assustadoras, e nem por isso menos interessantes.
Como gosto de ficar a matutar em paradoxos (às vezes), reparo neste: como é que alguém capaz de ímpetos criadores tão absolutamente sublimes, como foi o caso de Ravel, chega a perder a consciência da sua própria obra?!
Ouvindo versões... para diferentes (ou para os mesmos) gostos:
Hélène Grimaud - piano
Martha Argerich - piano
Mas, por entre tudo isto, escreve Julian Barnes: «Ravel morreu aos poucos - levou cinco anos - e isso foi de facto o pior. No início, o declínio por causa da doença de Pick (uma forma de atrofia cerebral), embora alarmante, era atípico. As palavras fugiam-lhe; a capacidade motora descontrolava-se. (...) Mas depois a doença tornou-se específica e maligna e atacou o Ravel compositor. Foi a uma gravação do seu Quarteto de Cordas, sentou-se na sala de controlo, fez várias correcções e sugestões. Depois de cada andamento estar gravado, perguntavam-lhe se queria voltar a ouvi-lo, mas ele recusava. Assim a sessão avançou depressa, e no estúdio ficaram satisfeitos por tudo ficar feito numa tarde. No final, Ravel voltou-se para o produtor (e o facto de adivinharmos o que disse não consegue atenuar o impacto): "Foi realmente muito bom. Lembre-me o nome do compositor." (Julian Barnes, Nada a Temer)
Mesmo situando-nos na ordem do inevitável, algo em mim nega-se a aceitar que é assim mesmo e que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Sinceramente, há desfechos que não deviam ser permitidos. Resta o que talvez não seja pouco: lembrar o nome do compositor: Ravel .