O novo filme de Sofia Coppola pode não prender de imediato, já que temos a sensação de que nele nada acontece (sobretudo no início), mas essa é uma das suas melhores qualidades. De facto, se nos encontramos no deserto e no mais sufocante vazio (tema recorrente da realizadora), é esse mesmo estado de aniquilamento da real existência que deveremos começar por sentir. Até ao ponto mais alto... que finalmente suscita alguma reacção.
Mas, por outro lado, além da música dos Phoenix, há tudo isto no filme: uma fotografia excelente, uma cidade (Los Angeles) de sol brilhante, vias rápidas e longas auto-estradas percorridas sem descanso, personagens silenciosas, tédios, e ainda a ternura residual de uma vida vazia e sem sentido, à semelhança da Las Vegas por onde passamos durante alguns minutos. Há um realismo e um minimalismo muito especiais neste olhar, suave e incisivo ao mesmo tempo. Há uma América de plástico, sem gosto pela vida, nascida do excesso e da glória fácil e decadente. E, apesar de tudo, há também essa ternura que brota da relação entre um pai e uma filha (com um certo pendor auto-biográfico nesta atmosfera), dando lugar a algumas das mais belas imagens/cenas do filme. À superfície, nada parece acontecer. É interiormente que toda a mudança se dá e pode ter significado. Não nos é dado observá-la, apenas pressenti-la...
E há também Elle Fanning, esta miúda adorável, de rosto magnífico e expressão cativante.
Lost in translation fez de Sofia Coppola uma das minhas realizadoras preferidas. Somewhere faz dela uma realizadora a respeitar. À margem do glamour sem sentido, do excesso de efeitos especiais, das emoções fáceis, e de tanto mais sem interesse, eis a coragem de um olhar crítico perante a realidade: o vazio da sociedade do espectáculo, a ausência de valores familiares, o exibicionismo de um Ferrari cujo consumo é obsceno... tudo isso nos é dado a pensar.
Um bom filme pode ser um filme simples e que deixa em aberto diversas leituras possíveis. Pode ser um filme que no final não oferece soluções, mas nos incita a procurá-las e a inventá-las. Que dizer de um final como este? Que não importa onde, algo vai ter que mudar. O vazio é insustentável. O futuro pode ser construído em qualquer lugar, mas, seja qual for esse algures, depende de cada um de nós torná-lo mais humano, autêntico e sustentável para os nossos filhos. Acontece ser esta a minha leitura.
[de assinalar que Somewhere ganhou o Leão de Ouro do Festival de Veneza]