«Não sei se deva falar-vos das primeiras meditações que aí fiz, porque são tão metafísicas e tão pouco comuns que não serão talvez do gosto de toda a gente. E, todavia, vejo-me de certo modo obrigado a delas falar, a fim de que se possa avaliar se os fundamentos que escolhi são bastante firmes. (...) considerando que todos os pensamentos que temos no estado de vigília nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que, neste caso, algum seja verdadeiro, resolvi supor que todas as coisas que até então tinham entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras do que as ilusões dos meus sonhos. Mas, logo a seguir, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, era de todo necessário que eu, que o pensava, fosse alguma coisa.»
R. Descartes, Discurso do Método (Quarta Parte)
Estou aqui e estou lá. Quando estou aqui, julgo que estou aqui, mas pode ser que esteja lá. Quando estou lá, julgo que estou lá, mas pode ser que esteja aqui. Ou estarei algures em transição, a meio caminho de aqui e de lá? Não sei se há um aqui e um lá, ou se existirá apenas um único lugar para estar, um aqui-lá (ou o seu inverso). Enfim, um lugar. Se não sei, é porque duvido. E se duvido, é porque não estou certa. Mas estou quase certa de que transporto daqui para lá (e do inverso também tenho quase a certeza). Ou será que não acontece nada disso. Será que, muito simplesmente, está tudo a circular no mesmo lugar? Que nome dar a esse lugar? Realidade? Verdade? Nesse caso, é tudo real, e é tudo verdadeiro, este aqui e o que nele há, tal como aquele lá com tudo o que lá se encontra. Mas também pode ser tudo irreal, o lá, tal como o aqui. Como ter a certeza de que é real? Utilize-se o critério do corpo: é real o que afecta o meu corpo. Nesse caso, por ex., quando sinto sede, estar aqui é real. Mas estar lá também não pode deixar de o ser - acontece sentir exactamente o mesmo. (...)
[Não, isto não é nada de sério. É só um momento de dúvida não metódica. Ao contrário da de Descartes, o qual, de resto, obteve algumas certezas a partir do pensamento, separando-o do corpo (e depois, tentando ligar ambos). Até que ponto é isso possível? Separar? Unir? Acho que este lugar (este aqui) é um bom teste a tudo isso.]
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