É costume dizer: "Contra factos, não há argumentos". Na realidade, há. Em última análise, tudo pode ser objecto de argumentação. Até o que é negado pelos factos. Houve um tempo em que julgava que não; os factos eram incontestáveis. Verifiquei mais tarde que não é bem assim. Repare-se, por exemplo, na arte da retórica. Embora esse campo não seja o que me preocupa mais. O que pode atingir proporções esmagadoras é o poder de uma argumentação bem construída, mas totalmente dissociada da realidade. Ou seja, o plano de uma hiper-retórica, onde se torna difícil encontrar os falsos raciocínios, neste caso, argumentativos. Como é sabido, validade e verdade não coincidem necessariamente. Um raciocínio pode ser válido e não ser verdadeiro, mas apresentá-lo enquanto válido (mesmo sem o ser), abre uma porta para a possibilidade de o ser, já que não há verdade no raciocínio sem essa condição necessária, a da sua validade. Este aspecto é sobremaneira importante. Daí que, encarar apressadamente uma inferência, aumenta a probabilidade de tomarmos como válido o que o não é, e, consequentemente, a probabilidade de aceitarmos a sua pseudo-verdade. Quer dizer, se o cremos válido, poderá ser tomado como verdadeiro. Eis a questão. Logo, é fundamental, a bem da transparência, apresentar a verdade que se quer provar de forma sólida, ou seja, efectivamente válida e com premissas verdadeiras.
Neste ponto, podemos estar perante as (des)conhecidas falácias. E é muito fácil deixá-las passar despercebidas, sobretudo quando estamos num plano hiper-real. Sem que este seja confundido com o domínio das hipóteses, inequivocamente fértil, consideradas as hipóteses como tais. Nem mais, nem menos. Trata-se antes do equívoco de tomar o que só pode ser hipótese, por um facto existente, quando o que se criou foi um pseudo-facto enquanto facto. E é esse o ponto de partida: o de um facto artificial, fictício. O que é muito diferente de argumentar a partir de uma hipótese.
Com esta plataforma de análise assim criada, trata-se a seguir de discorrer de modo convincente. Surgem dois tipos de problemas: por um lado, há a questão do falso ponto de partida (ou pseudo-problema); por outro, a correcção lógica que é ou não adoptada para discorrer.
Com esta plataforma de análise assim criada, trata-se a seguir de discorrer de modo convincente. Surgem dois tipos de problemas: por um lado, há a questão do falso ponto de partida (ou pseudo-problema); por outro, a correcção lógica que é ou não adoptada para discorrer.
Claro que há domínios onde ultrapassar a lógica como limitação é importante: no domínio do sonho, da criação, da ficção, etc... Extrapolar o lógico é, aliás, algo que muito me apraz. No entanto, quando nos situamos num plano rigoroso de análise, ela pode ser determinante. Para o bem e para o mal. Esta questão, se é que o é, leva-me ao paradoxo de ser necessário transcender a lógica para verificar que, na sua base, do que se trata é de intenção. É esta que condiciona o respeito pelas regras do raciocínio, ou, ao contrário, o seu desrespeito. Claro que pode argumentar-se que toda a intenção obedece a uma lógica. O que, por sua vez, mostra que é sempre possível argumentar e contra-argumentar... Mas, então, eu diria que a questão, se é que o é, reside na lógica da intenção. Daí a distinção, que vem a propósito, entre um erro de raciocínio involuntário (paralogismo), e um que é cometido voluntariamente (sofisma). E por aí fora... Continuando, o que nos espera é a vertigem argumentativa...
Tome-se como amparo, no abstracto da queda, um exemplo. Imagine-se que alguém diz: "Exclusividade". Com este conceito apenas, quase nada se faz. É preciso afirmá-lo ou negá-lo para entrar no verdadeiro raciocínio. Assim, alguém diz: "A exclusividade é boa". Que é quase o mesmo que dizer: "Posiciono-me a favor da exclusividade", na medida em que se defende o que é bom. Imagine-se que um interlocutor desta afirmação adopta a mesma posição. Até aqui, tudo bem. Há acordo. Mas acrescente-se que o outro acusa: "Tu não respeitas a exclusividade que defendes". Aqui, o raciocínio é bem mais complexo. Entra-se na verdadeira argumentação. Suponha-se que, no caso em análise, esta afirmação não tem qualquer correspondência com a realidade. Das duas, uma: ou estamos no domínio das hipóteses académicas, ou estamos no domínio da má intenção (vulgo má-fé). No último caso, na medida em que se toma como verdadeiro um pseudo-facto, estamos, então, na dimensão hiper-real: a discutir, a discorrer sobre uma não-verdade, sobre um não-facto, considerado como verdade e como facto. Nesta fase, há que assinalar o tal problema do ponto de partida, ao qual subjaz uma intenção... Primeira objecção.
Quanto à segunda: imagine-se que, comprovadamente, há contradição entre o que se defende ("Sou a favor da exclusividade") e o que se faz (por ex., sabe-se que houve quebra de exclusividade no dia tal, no lugar tal...). Como sustentar a defesa da tese?! Talvez eclipsando o facto de se assumir (ainda que não explicitamente) que a exclusividade, apesar de ser defensável e praticável por muitos dos que se conhecem, só é boa para alguns, mas não para outros, consoante as conveniências (que assim modelam a intenção). O mesmo é dizer, consoante os desejos, os quereres e os benefícios. O que fragiliza, se é que não derruba, a referida tese. Ainda mais, se com ela se quer convencer alguém de falsos factos. Inexistentes, portanto. Tese refutada, no caso de ser defendida assim: com uma falácia por omissão de dados relevantes.
Quanto à segunda: imagine-se que, comprovadamente, há contradição entre o que se defende ("Sou a favor da exclusividade") e o que se faz (por ex., sabe-se que houve quebra de exclusividade no dia tal, no lugar tal...). Como sustentar a defesa da tese?! Talvez eclipsando o facto de se assumir (ainda que não explicitamente) que a exclusividade, apesar de ser defensável e praticável por muitos dos que se conhecem, só é boa para alguns, mas não para outros, consoante as conveniências (que assim modelam a intenção). O mesmo é dizer, consoante os desejos, os quereres e os benefícios. O que fragiliza, se é que não derruba, a referida tese. Ainda mais, se com ela se quer convencer alguém de falsos factos. Inexistentes, portanto. Tese refutada, no caso de ser defendida assim: com uma falácia por omissão de dados relevantes.
O mais interessante de todos estes aspectos algo formais, é que eles podem aplicar-se a tudo, até ao que se revela contra nós. Deve ser por isto (e outras coisas mais...) que a lógica não é uma batata. Se esta alimenta o corpo (vital), a lógica alimenta o espírito (civilizacional). Parece de concluir que a coerência é difícil, e o mundo um lugar estranho!
Imagem: pesquisa do Google