Em fim de férias, finalmente atinjo o estado de preguiça. Só então sinto que descansei. Porque antes delas, e claro que também depois, o direito à preguiça parece não existir. Todo o ritmo de trabalho, ou de produtividade, faz desse estado de calmaria um obstáculo. Certo é que sem alguma preguicite aguda, ao menos no meu caso, o próprio trabalho fica comprometido quanto a bons resultados.
Acho que as férias servem também para relembrar que é preciso saber descansar... não chega ter adquirido esse direito, é preciso fazer dele algo que reverta efectivamente a nosso favor, qualquer que seja a forma adoptada para isso.
No meu estado de preguiça, algo me fez maravilhosa companhia. Uma leitura, feita devagar, com a qual todo o mundo pareceu renovar-se e ganhar de novo cor e encanto: uma Relíquia de Eça de Queiroz. Entre tantas leituras possíveis, veio esta parar às minhas mãos e aos meus olhos. Li muitos outros livros deste autor tão perspicaz, repleto de sentido de humor. Mas tinha-me escapado este! Imprescindível!
"E logo uma ideia sulcou-me o espírito, com um brilho de visitação celeste... Levar à titi um desses galhos, o mais penugento, o mais espinhoso, como sendo a relíquia, fecunda em milagres, a que ela poderia consagrar seus ardores de devota e confiadamente pedir as mercês celestiais! «Se entendes que mereço alguma coisa pelo que tenho feito por ti, traz-me então desses santos lugares uma santa relíquia...» Assim dissera a sra. D. Patrocínio das Neves na véspera da minha jornada piedosa, entronada nos seus damascos vermelhos, diante da Magistratura e da Igreja, deixando escapar uma baga de pranto sob seus óculos austeros. Que lhe podia eu oferecer mais sagrado, mais enternecedor, mais eficaz, que um ramo da árvore de espinhos, colhido no vale do Jordão, numa clara, rosada manhã de missa?»
«Mas como levaríamos para Jerusalém, através dos cerros de Judá, aqueles incómodos espinhos - que, apenas armados na sua forma passional, pareciam já ávidos de rasgar carne inocente? Para o alegre Potte não havia dificuldades; tirou do fundo do seu provido alforge uma fofa nuvem de algodão em rama; envolveu nela delicadamente a coroa de agravo, como uma jóia frágil; depois, com uma folha de papel pardo e um nastro escarlate - fez um embrulho redondo, sólido, ligeiro e nítido... E eu, sorrindo, enrolando o cigarro, pensava nesse outro embrulho de rendas e laços de seda, cheirando a violeta e a amor, que ficara em Jerusalém, esperando por mim e pelo favor dos meus beijos.»
É assim que estas férias terminam, marcadas pela Relíquia e pela preguiça. Ocorre-me que um parágrafo de Eça tem tanto de precioso quanto, no mínimo, um dia de férias (ou mais!).
Porque:
«Sobre a nudez forte da verdade
- o manto diáfano da fantasia»
- o manto diáfano da fantasia»
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